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CULTURA

Balada de um louco

Que pretensão definir o rock! Pior: que pretensão fazer uma série de reportagens com a ideia de rememorar a história desse estilo de música e de vida. Mas, sendo este subscrito um réu confesso no tribunal dos aficionados pela sonoridade da transgressão, a saída era contar como o gênero se tornou a trilha sonora de uma geração que lutou contra a guerra do Vietnã e brigou por direitos civis. Se você chegou até aqui, é porque curte extravasar aquela catarse dionisíaca e preza pela liberdade de ser quem quiser, de transar com quem quiser, na hora que quiser, quando quiser, onde quiser. O rock é, antes de qualquer coisa, atitude.

No terceiro texto da série em comemoração ao Dia Mundial do Rock, o DM mostra como foi o auge e o crepúsculo da utopia hippie e a chegada do rock progressivo, no início dos anos 1970, e da estética punk, no final da mesma década. “Esqueça o LSD, falei. Olhe o que ele fez com esse pobre infeliz”, atesta o jornalista Hunter S. Thompson em “Medo e Delírio em Las Vegas”, na cena em que seu advogado está na banheira ouvindo “White Rabbit”, do Jefferson Airplane, doidão de LSD, e pede para que o rádio seja atirado na água no momento do ‘coelho branco’. Essa passagem, de fato, exemplifica, com a irreverência Gonzo, a derrocada da contracultura.   

Após botar 400 mil pessoas na fazenda Max Yasgur, no Estado de Nova Iorque (EUA) para curtir Creedence, The Who, Jimi Hendrix, Joe Cocker, Santana, Janis Joplin e Jefferson Airplane, o festival de Woodstock detinha o título de ser o primeiro evento de música ao ar livre com o lema paz e amor. No entanto, as coisas saíram do trilho em 1969 quando os Rolling Stones subiram ao palco de Altamont, na Califórnia, e a gangue de motociclistas Hell's Angels matou um negro. Foi uma desgraça, a morte do sujeito. E se esvaeceu ali, com o assassinato, o sonho de construir uma sociedade paz e amor onde a consciência fosse expandida com ácido.

Assim a humanidade, entre estrepitosos desastres bélicos e com o Tio Sam levando a sério a mortandade na Ásia, chegou aos anos 70. Mas sem o desejo de amar e mudar as coisas. Os hippies, fumadores contumazes de maconha anos antes, agora estavam empenhados em arranjar um emprego. Ainda assim, a banda britânica Pink Floyd futricou as bases do capitalismo com uma sequência de quatro discos que entraram para a história do rock: “The Dark Side Of The Moon” (1973), “Wish You Were Here” (1975), “Animals” (1977) e “The Wall” (1979). As letras dos ingleses eram – não, corrijo: é – em sua gênese antifascista.

Junto com Roger Waters e companhia, e fazendo uma sonoridade mais pesada, surge o Led Zeppelin – banda originada dos Yardbirds, que, na segunda metade dos anos 60, contou com o talento de Eric Clapton e Jimmy Page nas guitarras. Da Inglaterra, filhos da classe operária de Birmingham, surge em cena um grupo chamado Earth, famoso por “Black Sabbath”, seu álbum de estreia.  O Sabbath, liderado pelo inventivo Tony Iommi e com malucão Ozzy Osbourne nos vocais, acelerou aquilo que o power trio de Eric Clapton, o Cream, fazia anos antes. O resultado foi um som mais pesado, meio dark até, que se convencionou a denominar de heavy metal.

Do outro lado do atlântico, em 1974, a cidade de Nova Iorque via o desabrochar de bandas com discurso crítico e estética enfurecida. Guiados pelo ímpeto da porra-louquice, New York Dolls, The Velvet Underground e Stooges romperam com os patrões do próprio rock ´n´roll. O punk, porém, não ficou restrito apenas aos Estados Unidos. Na Inglaterra, grupos icônicos, como Sex Pistols e The Clash, criticavam o momento político de austeridade pelo qual a sociedade da monarquia inglesa passava. Avesso ao bom mocismo, como preconizou o dramaturgo Antonio Bivar, em “O Que É Punk?”, o punk era definido como a antiarte em stricto sensu.

No Brasil

Na década de 1970, no Brasil da ditadura, o rock´n´roll era considerado um gênero de pouca relevância fonográfica. A Jovem Guarda havia perdido espaço e migrava para a música pop romântica, largando os riffs com a identidade de Elvis e Beatles de lado. O movimento tropicalista buscava emplacar nas paradas de sucesso a música jovem, mas foi uma experiência rápida, e logo saiu de cena – não sem antes revolucionar a mãe das artes, o cinema e a poesia. No entanto, bandas que se propunham a fazer um som com pegada progressiva, como Bixo da Seda, O Terço, Vímana e Casa das Máquinas, dialogavam com o que se fazia lá fora.

Caetano Veloso, em exílio forçado por causa dos militares, cantou em inglês no disco “Transa” (1973), obra que mistura à brasilidade elementos sonoros que eram populares na Europa. Dois anos antes, foi a vez de Gilberto Gil mandar ver uma sonzeira, digamos, mais pesada em “Gilberto Gil”, com influência da experimentação psicodélica. Os mesmos elementos podem ser reconhecidos ainda no trabalho de Alceu Valença, dos Novos Baianos - aliás uma mistura singular de rock´n´roll com música brasileira - dos Secos e Molhados e até em ritmos que, àquela época, não eram vistos como rock, mas que ganharam o status de samba-rock.

Dessa turma o nome mais expressivo é o de Jorge Ben. Em “Jorge Ben” (1969), o cantor introduziu um som eletrificado na batida do samba comum da zona norte do Rio de Janeiro. Mas, paralelamente ao que se fazia por aqui, havia uma galera que tocava, vamos definir assim, um rock-rural. A sonoridade de Sá & Guarabyra era composta por teclados, riffs de guitarra, um solinho aqui outro acolá, mas não era nada demasiadamente pesado. Talvez os únicos roqueiros de fato desse período são Raul Seixas e a já veterana, a essa altura, Rita Lee, com a banda Tutti Frutti, que contava com gênio da guitarra, Luiz Carlini.

Odair José também ousou. Chamado de ‘Rei das Empregadas’, na segunda metade da década de 70, Odair lança a primeira ópera-rock do Brasil, o hoje cult “O Filho de José e Maria” (1977). O disco transportou a história de Jesus Cristo para aqueles dias, gerando descontentamento em setores da igreja católica. Odair, por causa do trabalho, chegou a ser excomungado pelo poder eclesial. Sua carreira entrou em acentuada queda, sem oferta para shows. Mas, veja só que gafe a minha, como esquecer a obra de Belchior, especialmente os discos “Alucinação” (1976) e “Coração Selvagem” (1977)? Sem comentários, sem comentários...

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