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Enquanto minha guitarra gentilmente chora

John Lennon está vivo. Suas músicas fazem a cabeça de jovens cansados do establishment capitalista. Lennon, por isso, vive. E pulsa. E vibra. E escarra. Se você acompanhou durante a semana a série de reportagens em homenagem ao Dia Mundial do Rock, sabe que a música do cara resumiu as esperanças utópicas e os desafios sócio-políticos da década de 1960 em uma simetria pop perfeita que continua relevante após anos de sua criação. Lennon, mais uma vez, vive. E canta. E toca. E toca-nos. Não seria exagero - pelo amor de Deus, né? - sentenciar que o mais romântico dos Beatles é um alento sonoro e comportamental aos nossos corações.

Lennon, ao conceber os hinos libertários “Imagine” (1971) e “Woman Is The Nigger Of The World” (1972), tornou-se a voz do tão sonhado crepúsculo que anuncia um mundo melhor. Paul, Ringo e George – ainda que o considere um eterno injustiçado pelo ego de McCartney e Lennon no monopólio das composições beatlemaníacas -, que me desculpem: Lennon tinha cabeça própria. E brilho, muito brilho. Ao soar os primeiros acordes do iê-iê-iê de “I Want To Hold Your Hand”, a cabeça de toda uma geração foi contagiada pelo rock´n´roll e ela jamais foi a mesma. Mas os Beatles, com licença, são muito maiores do que a bobinha primeira fase.

Hunter Davies » Balaio de Notícias
Cantor John Lennon em show realizado no Madison Square Garden Nova Iorque, em 1972 - Reprodução

O rock, de fato, está em débito vitalício com a banda. E com Lennon, claro. “Havia os Beatles, e havia John Lennon com os Beatles, eles eram um grande grupo”, disse à Rolling Stone o guitarrista Keith Richards, fundador dos Rolling Stones, banda que, alimentada pela indústria cultural, tornou-se ‘rival’ dos rapazes de Liverpool. Balela, balela. Afinal, foram Lennon e McCartney que compuseram o primeiro sucesso dos Stones, “I Wanna Be Your Man”. Isso diz muito sobre a dupla de compositores mais produtiva da música pop. Juntos, nos Beatles, os dois imortalizaram sucessos como “Hey Jude”, “Come Together”, “Help” e “In My Life”.

Com a entrada no mercado americano a banda passou a arrastar multidões ao ponto de, vejam vocês, seus integrantes serem condecorados com a medalha da Ordem do Império Britânico. O que Lennon prontamente dispensou pouco tempo depois, ainda bem. Em 1969, no auge da carnificina da Guerra do Vietnã, não era tão interessante assim ter uma láurea dessa pendurada na estante. “Sua majestade, estou devolvendo minha MBE em protesto contra o envolvimento da Grã-Bretanha no lance Nigéria-Biafra, contra nosso apoio à Guerra do Vietnã e contra a queda nas paradas de “Cold Turkey. Com amor, John Lennon”, afirmou o compositor ao entregar a honraria.

A essa altura, os Beatles estavam próximos do fim. McCartney, Harrison, Ringo e Lennon são se apresentavam ao vivo, mas isso não impediu que uma fila de discos geniais fosse criada. Os fãs, empolgados com o lançamentos dos clássicos da chamada segunda fase, degustaram o gosto lisérgico de “White Album” (1968) e “Abbey Road” (1969). Antes disso, os rapazes de Liverpool impressionaram o público com “Revolver” (1966), “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band” (1967) e “Magical Mystery Tour” (1967). Mas, com o relacionamento de Lennon com Yoko Ono, McCartney começou a achar que a artista plástica japonesa interferia demais na banda e colocava seu posto liderança em cheque.

Beatles atravessando Abbey Road: há 50 anos, fotógrafo escocês ...
Foto icônica dos Beatles para a capa do disco 'Abbey Road' - Foto: Iain MacMillan/ Reprodução

Lennon caiu fora. McCartney também. Idem, Harrison. E Ringo, bem, Ringo, não teve muita escolha, a não ser acompanhá-los. Em sua carreira solo, o integrante mais romântico dos Beatles cantou aquilo que lhe deixava emputecido. A começar por “Imagine”, balada roqueira acompanhada por um piano em compasso 4/4 . De certo modo, a música prenunciou o fim da utopia hippie, de uma sociedade guiada pela paz e pelo amor com a consciência expandida por LSD. Com o encarceramento da ativista Angela Davis, o compositor clamou pela sua liberdade e criticou a sociedade machista em “Woman Is The Nigger Of The World”, um belo hino feminista.

Lennon, digamos, tirou um período sabático após homenagear seus ídolos em “Rock´n´Roll” (1976) para cuidar do seu filho recém-nascido, Sean Lennon, retornando quatro anos depois com “Double Fantasy”. Nascido em 9 de outubro de 1940, o garoto que queria mudar o mundo e ouvia na adolescência Chuck Berry e Little Richards transformou e politizou o rock´n´roll. Essa trajetória que ainda embala corações sedentos por revoluções, seja ela política, cultural ou sexual, foi interrompida pelo fã tresloucado Mark David Chapman, em 8 de dezembro de 1980. “Eu tento inventar coisas”, disse Lennon à Rolling Stone, três dias antes de falecer. Sim, inventa. Até hoje.

John Lennon em quatro discos

‘Imagine’ – 1971

O álbum solo virou marca registrada da música de John Lennon e é definido como um radical manifesto anti-guerra, anti-capitalismo e anti-religião harmonizado com um emocionante hino de piano.

‘Some Time In New York City’ – 1972

Este é o LP mais político de Lennon. “Angela” clama pela libertação da ativista norte-americana Angela Davis, enclausurada pelo draconiano sistema de justiça do Tio Sam. É deste disco ainda o hino feminista “Woman Is The Nigger Of The World”.

‘Rock´n´Roll’ – 1975

Lennon nunca deixou de curtir a música de sua adolescência. Anos depois, já fora dos Beatles, o resultado dessa devoção foi um tributo ao Rhythm and blues e ao rock´n´roll.

‘Double Fantasy’ - 1980

Após cinco anos dedicados à criação do filho, Sean, Lennon retornou à música ao lado de Yoko Ono para um disco pop delicado com mistura de ritmos latinos. “Eu jamais teria conseguido escrever essas músicas sem aqueles cinco anos de folga”, disse o cantor à Rolling Stone.

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