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CULTURA

O prazer do livro

Taí um ambiente que me dá tranquilidade espiritual: os sebos. Sempre imagino que os livros e LP's expostos ali nas estantes serviram para repertório verbal pras paqueras da era pré-Tinder, assim como o “Love Supreme” empilhado na prateleira embalou peripécias eróticas do louco amor numa época na qual isso não oferecia risco à vida. 

Talvez por ser um cara analógico em tempos virtuais sou tão familiarizado com um ambiente deveras antiquado. Contudo, sendo eu assumidamente fracassado no mundo dos likes, mando um sonoro “foda-se” e me dou ao direito de deixar o pensamento se perder pelos tacos de sinuca narrados em “Malagueta, Perus e Bacanaço”, documento literário da arte de chutar tampinhas concebido pelo jornalista João Antônio.

Mas, por que agora esse manifesto confessional a favor dos sebos? Porque, acredite, chegamos ao Natal e todas aquelas tradições de presentear amigos e parentes se tornam quase obrigatórias. E pouco importa, na real, se estamos descapitalizados ou não. Presenteá-lo-ei, salve Temer, quem diria que éramos mais alegres no teu governo...

Bom, rodeio o vernáculo pra dizer o seguinte: “Malagueta, Perus e Bacanaço” é um presente digno. Considerado um clássico do conto moderno brasileiro, João retrata jogadores de bilhar pelos bares e transpõe a então incipiente cidade de São Paulo na literatura como ninguém, até ele, tinha feito antes. Isso, nunca é demais lembrar, pré-redes sociais.

Num desses sebos em que eu estava folheando as páginas da utopia etílica, na Avenida Goiás, eis que de repente deparo-me com o livro da jornalista Patrícia Campos Mello, “A Máquina do Ódio”. Com linguagem leve e ágil, Patrícia explica o método utilizado pela extrema-direita pra institucionalizar a mentira. Ela destrincha o modus operandi adotado por Donald Trump, Matteo Salvini e, naturalmente, Jair Bolsonaro. 

Se a sacada é presentear os amigos e familiares com livros, é óbvio que não poderia deixar de fora a obra “A República das Milícias”, do jornalista Bruno Paes Manso. Talvez, vou logo dizendo, seja o livro mais triste de 2020, mas não podemos fechar nossos olhos para o que Paes Manso narra ali: a relação do clã-Bolsonaro com o submundo do crime organizado no Rio de Janeiro. Deprimente, horripilante.

Mudando a chave literária, fecho minhas sugestões com duas obras que me marcaram em meio ao delírio cotidiano do ano da morte: “Tudo O Que Eu Sempre Quis Dizer, Mas Só Consegui Escrevendo”, da atriz, escritora e documentarista Maria Ribeiro, e “Jóquei”, da poeta Matilde Campilho. Enquanto o primeiro é a literatura de confissão da melhor qualidade, o segundo são poemas em prosa, conversas de telefone, cartas para crianças e explosões de ternura. Precisamos disso mais do que nunca.

Livros salvam o mundo e nos salvam de nós mesmos.

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