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CULTURA

No compasso do coração

O dedilhado da viola caipira antecede um som que bebe do tropicalismo, do mangue-beat, do rock, do reggae, do funk... Sacolejante como dois corpos numa pista de dança durante uma noite encalorada, a banda Caboclo Roxo imprime em suas letras o sabor regionalismo, da goianidade e de nossa gente, o que a credencia como um dos grupos mais interessantes a surgir na cena local nos últimos anos. “Caboclo Roxo” (2020), primeiro disco dos rapazes, não me deixa mentir – está no Spotify, confira. 

Ali está a riqueza cultural do país, mas não o que vemos massificado na televisão: é o que foi encoberto pelas camaradas lucrativas da indústria cultural. E toda essa simbiose que, de certo modo é originada pelos gostos pessoais dos membros da banda, virou uma música contemporânea, em sintonia com as necessidades de uma sociedade pós-moderna, e embalará hoje, às 20h, o projeto Terça no Teatro, numa live transmitida – com tradução em libras – no canal pelo Youtube do Teatro Sesi. 

“Expressar a goianidade é uma vontade muito grande, de trazer uma identidade goiana, de se afirmar goiano e de certa forma até caipira”, diz o violeiro Pedro Vaz, em entrevista ao DM. Há um preconceito estético no Brasil, uma caduquice do tipo de a modernidade ser privilégio do eixo Rio-São Paulo, porém os músicos dispensam essa bobagem e mostram que Goiás é legal, cool, interessante e, por que não?, vanguardista. “Há um ar pejorativo que é importante a gente desconstruir”, atesta Pedro.

É uma musicalidade que, simples porém arrojada, encontra a batida do compasso do coração, como sugere a letra de “Simplicidade”, quinta faixa do disco “Caboclo Roxo”. Mas não só: além de uma harmonia requintada, “Fatoumata” recorre à ancestralidade para falar sobre o Brasil, como se ouvi-la fosse um exercício antropológico que rapidamente rechaça o discurso etnocida, em alta no Brasil desde 2018.

Formada em 2002 na capital goianiense, a trajetória do grupo começa durante aulas de percussão ministradas na cidade pelo Mestre Alemão. De lá pra cá, o grupo construiu uma sólida trajetória nos principais festivais e eventos do circuito alternativo goiano, ao tocar no Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica), Festival de Culturas Tradicionais, Festival de Artes de Goiás, Goiânia Noise, Matamba Tropic, Eixo Musical e Cidade Rock, este de relevante importância nos primeiros passos da banda.

Mas o show desta terça-feira (10) no Terça no Teatro será diferente de tudo aquilo que foi visto pelo público, com a presença das principais tradições do nordeste brasileiro, o toré. É um ritual que envolve dança circular, em fila ou pares, acompanhada por cantos, ao som de maracás, zabumbas, gaitas e apitos: a presença dos povos originários representa uma preocupação sócio-política, já que a PL 490 alterou as regras na demarcação de terras indígenas. “Vai ser uma forma de dizer que estamos juntos com eles também”, afirma o vocalista da Caboclo Roxo, Rodrigo Kaverna. 

Meio roots, um tanto maculelê, mas inegavelmente com uma assinatura musical para chamar de sua, o primeiro disco do grupo contou com a participação de artistas como Luciana Clímaco, Domá da Conceição, Xochitzin, Luis Maldonalle, Nego Henrique (Cordel do Fogo Encantado) e, claro, Mestre Alemão. A Cordel, aliás, tem sua digital no disco da banda goiana. E é, sem dúvida, um dos principais atrativos de hoje à noite. “Vai ser praticamente o lançamento do nosso álbum”, adianta Kaverna, empolgado.

O molejo do povo negro, dos indígenas e mestiços, funde-se aos timbres e texturas de um som que invade nossos ouvidos, numa experiência musical dos bits eletrônicos, da eletricidade do rock, do suingue do funk e do reggae. Ou seja, é a música como instrumento para semear a cultura popular, e não há maneira de fugir do trampo dos rapazes. É perda de tempo, assim como é acreditar no pastiche que vendem como brasilidade. Bobagem que, graças a estes goianos, já começou a ser desconstruída.

“É uma ideia de misturar a tradição com a inovação, o arcaico com o contemporâneo, entendendo que o novo sempre bebe de raízes: não tem como a gente voar, crescer, sem ter um chão, um solo”, explica Pedro Vaz. Por isso, a música da Caboclo é uma ligação inspirada pelo baião, maracatu, samba-reggae, com referências locais: “Começamos a procurar as nossas referências locais, e não fazer um regionalismo inspirado só no Nordeste, tentando entender a nossa tradição”. Conseguiram, de fato.

E só nos resta deixar nossos tímpanos, corações e cérebros se deixar levar pela força da natureza misturada aos elementos mais sofisticados da cultura brasileira.

Caboclo Roxo

Quando: Hoje

Horário: 20h

Onde: Canal pelo Youtube do Teatro Sesi

Ingresso: 1kg de alimento não perecível

Endereço: Av. João Leite, nº 1.013, Setor Santa Genoveva.

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