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Grafite expressa inquietação de uma metrópole que transmuta

Os murais coloridos, como se fossem um jazz gráfico no qual o improviso dos traços ecoa a música da urbanidade, embelezam as ruas de Goiânia. Misto de Miles Davis e com uma pitada lisérgica da art pop, mas sem se distanciar por completo da goianidade, as edificações da capital expressam os sentimentos de uma metrópole em permanente estado de transformação. A arte urbana está para o texto assim como o grito para a voz: é a partir dos sprays borrifadores de ideias que sentimentos e sensações são fixados nas ruas e prédios adicionando uma beleza libertária singular.

Goiânia chega aos 88 anos, a serem completados no próximo domingo, 24, como um organismo vivo, com suas expressões, com suas inquietações, com seus ruídos, que denunciam, que protestam, que escarram um cotidiano sobre o qual estão inseridos grupos sociais que registram a nossa História e, não só, como também moldam-na, libertam-na, transformam-na: quem nunca sentiu o rolê mais leve no Beco da Cordona ou curtiu os painéis de grafite da Rua 3 ou pirou no início deste mês com a obra do grupo Bicicleta Sem Freio numa edificação do Jardim Goiás?

Meio que de uma hora para outra, o Centro foi contemplado ainda pelo projeto “Manifesto Urbano”. O lugar escolhido dispensa maiores apresentações: ali, no coração da metrópole, há uma memória da cultura goianiense, de sua arquitetura e história, com um fluxo intenso de pessoas das classes mais diversificadas. Então, o grupo – capitaneado pelo artista visual Wes Gama – injetou recursos próprios para conceber um mural de 780 m², o mais alto do Centro-Oeste brasileiro.

“Andança”, como a obra é batizada, faz alusão ao movimento migratório de resistência dos povos tradicionais, camponeses sem terras e ribeirinhas. É importante contextualizá-la numa sociedade que enxerga o corpo como recurso a ser explorado. “A gente vê mineração, o agronegócio e o desmatamento, as usinas e garimpos, as invasões nos territórios, os rios secando, o ar poluído, e o pior, as pessoas vivendo para alimentar um sistema baseado em lucros”, atestou Wes Gama, na ocasião.

Com cabelos azulados, roupa bordô e olhar penetrante, além de flores típicas do Cerrado, um pé de jabuticaba que lhe envolve a cabeça e um pássaro ao lado, a gigante mulher desenhada pelos premiados artistas visuais goianos Douglas de Castro e Renato Reno imprime a goianidade na pele da cidade, tornando-se visível a quem flana pelas ruas da metrópole: é nela que encontramos a expressão urbana, assim como é no mesmo lugar que ouvimos a comunicação se estabelecer entre nós e onde habitamos.

Assim é o mural do grupo Bicicleta Sem Freio. E, resguardas as devidas proporções, é perceptível nos traços de Renato e Douglas um rabisco influenciado pela lisergia porra-louca de mestres do underground como o desenhista Robert Crumb e Charles Burns. Quase sempre, nos trabalhos dos goianos, há mulheres sinuosas, cores gritantes, sujeira, contracultura, irreverência, zelo à cultura goiana, beleza, transgressão...

Em algum momento flanando pelo Centro da cidade de Goiânia, além das obras de Wes Gama, você deve ter visto as intervenções que alteraram o visual da região em dezembro do ano passado. São dois murais de grafite, divididos por alguns metros, em duas edificações conhecidas na capital: Dona Chafia e Edifício Alencastro Veiga. Assim como as outras obras do grupo, nelas também existem as cores impactantes, retratando o contador de histórias Geraldinho. Ele tem aproximadamente 20 metros de altura.

Se as ruas são a galeria mais democrática que existem, como disse o artista visual Diogo Rustoff na ocasião da abertura de sua exposição “Invasões Bárbaras” na Vila Cultural Cora Coralina, os rostos de mulheres com seus filhos, olhos vistos por quem passa por ali simulando uma viagem psicodélica, camisas carregadas de estampas e chapéus fazem parte da paisagem encontrada no Beco da Codorna, talvez a galeria a céu aberto mais famosa de Goiânia: ela é fruto do trabalho coletivo de artistas, moradores e, claro, da Associação dos Gratifeiros.

O espaço respira cultura: exibição de musicais, feiras gastronômicas, exposições fotográficas, exibição de filmes por meio do projeto Cine Codorna... E a cidade, com suas transmutações e suas inquietações, agradece o pulsar criativo de artistas do grafite. É uma experiência que vem do fundo das pessoas e, de repente, ganha uma consciência de grito. Paulo Leminski tinha razão.

Conheça três intervenções artísticas nos muros de Goiânia

Beco da Codorna

É uma galeria a céu aberto com paredes cobertas de grafites de artistas. Recebe atrações culturais que vão de apresentações musicais, feiras gastronômicas, exposições fotográficas a exibição de filmes independentes o projeto Cine Codorna. Está localizado na Av. Anhanguera, próximo à Av. Tocantins – Centro.

Painéis da Rua 3

Iaciara Cabocla, Geraldinho e Andança fixam a representatividade da goianidade nos muros de prédios de uma das regiões mais movimentadas da capital, no ano passado. A sensação de passar por ali e observar as obras é de estar na galeria mais acessível: a rua. Para ver os murais, é só ir na Rua 3, na altura do Cine Ouro.

Rua do Lazer

Revitalizados pela Prefeitura de Goiânia e com a promessa de se tornar um point boêmio da juventude da capital, com bares que já funcionam ou vão abrir em breve na região e suas imediações, o espaço conta com criações de 145 artistas visuais de Goiânia, Brasília e Anápolis. Fica localizado na Av. Anhanguera, entre a Rua 9 e Tocantins, no coração de Goiânia.

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