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Em ‘Dias de Paz em Clichy’, Henry Miller mostra por que é um vulcão literário

Henry Miller, nas palavras do jornalista e escritor Norman Mailer, é um jorro, uma catarata, um vulcão, uma torrente, um terremoto. Romancista taxado como indecente por conta do teor sexual imprimido na narrativa de “Trópico de Câncer”, Miller teve suas novelas proibidas nos Estados Unidos e Inglaterra, até que processos na justiça no início da década de 1960 permitiram a publicação do autor nos dois países.

Depois de dez anos de legitimidade e aclamação, a reputação literária de Miller como uma espécie de profeta das liberdades sexuais sofreu uma reviravolta. Em “Henry Miller – Uma Vida”, escrita pelo biógrafo Robert Fergyson, uma escola de crítica literária feminista passou a analisar a obra milleriana a partir de um ponto de vista ideológico e declarando ser o autor da trilogia de sacanagem filosófica-existencial “A Crucificação Encarnada” um misógino. Acima de tudo, parece que ele jamais tinha deixado de ser um mero pornógrafo e pilantra que driblou os pilares do liberalismo.

Seu crime? Ter enganado as instituições que levaram a sério a ideia de ser um filósofo sexual. Esses acontecimentos podem ter até entristecido, porém não desiludiram, os leitores mais fieis de Miller, aqueles que compreendem ser sua obra um catatau muito além de excitantes descrições sobre epopeias sexuais e que essa visão ofuscava de fato o papel verdadeiramente desempenhado por ele: o de quase um investigador empenhado na máxima blakeana “a estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria”.

Em “Dias de Paz em Clichy”, obra que ganha reedição pela editora Record, retornamos à Paris dos anos 1930, a mesma consagrada no cultuado “Trópico de Câncer”, mas agora para conhecer as perambulações de Joey, alter ego de Miller, se fodendo e se virando para viver com poucos trocados no bolso e com uma gana por experimentar uma sexualidade plena. Ele suga o estilo boêmio parisiense dos seus cafés e puteiros, onde se passam hilárias descrições sobre sexo anal, embriaguez e vagabundagem.

Nesta obra, utilizando-se da linguagem sem meias palavras que lhe consagrou, Miller inspirou-se para narrar suas aventuras no bordel Club Melody, suas andanças como flâneur docemente vigarista e suas primeiras peripécias, nos primórdios, da amizade com o escritor Alfred Perles. Fragmentada, a novela pode ser lida como uma grande obra composta por textos pequenos, com dois Joey sendo entrelaçados numa narrativa em fluxo de consciência, como se fosse um álbum de fotografia da época em que era um escritor vivendo numa Europa pré-Segunda Guerra.

Esse foi, inclusive, um período decisivo para sua vida e obra. “Quando penso neste período em que moramos juntos em Clichy, parece uma temporada no paraíso. Só havia um problema real, e este era a comida. Todos os outros males eram imaginários”, escreve Miller. “Ele dizia que eu era um otimista incurável, mas não era otimismo, era a percepção profunda de que, mesmo quando o mundo estava ocupado em cavar sua própria sepultura, ainda havia tempo para gozar a vida, para ser alegre, despreocupado, para trabalhar ou não trabalhar.”

Profeta da sensualidade, pornógrafo, lírico, egoísta e pilantra, Henry Miller cultivou a controversa como estimulo para uma vida baseada na criação libertária. Tinha 69 anos quando sua primeira obra-prima foi lançada, o petardo literário “Trópico de Câncer”, nos Estados Unidos, quase trinta anos antes de ser escrita quando morava em Paris e não sabia o que fazer para encher a barriga. “Dias de Paz em Clichy”, sem mais, mostra por que o escritor é um vulcão literário prestes a entrar em erupção.

Dias de Paz em Clichy

Autor: Henry Miller

Gênero: Novela

Editora: Record

Preço: R$ 31,90

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