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Lanchonete mistura esmero gastronômico com cliques de Hélio de Oliveira

Era quinta-feira, 20, e estava um sol de rachar nas ruas de Goiânia: ainda não havia sido revelada a notícia da morte da cantora Elza Soares. Sem motivo para entristecer, a não ser os habituais perrengues da vida, batia perna pela Rua 4 – sem rumo – ao lado da minha companheira, de mãos dadas, sorrindo e observando a paisagem ofuscada pela correria do cotidiano. Do sebo Páginas Antigas, saí carregando uma pequena sacola em que depositara CDs de Duke Ellington, Herbie Hancock e Thelonious Monk.

Atravessamos a rua. Quase defronte ao sebo, paramos no tradicional Esfiha Quente, espaço em que a gastronomia se mistura aos cliques feitos pelo pai do fotojornalismo goiano Hélio de Oliveira, donde as imagens da metrópole na infância nos convidam a tomar um lugar ao balcão para escorar o cotovelo em frente às estufas nas quais a iguaria fica exposta. Assento assegurado, aos pedidos: esfiha de carne e frango são as habitués. Saem 10 pila cada. Bolo de cenoura não fica em desvantagem. 6 mangos.

A guloseima é um escândalo de admiráveis proporções achocolatadas. Com cobertura escorrendo pela borda do pedaço, os funcionários brincam que, na verdade, o Esfiha Quente não serve apenas bolo de cenoura com chocolate, e sim o inverso. Às vezes, se você mandou duas esfihas antes, dar conta de findar a sobremesa pode ser por vezes difícil, tamanha a generosidade em matéria de recheio, e então levar a sobra para a casa talvez seja uma boa opção. Para nós, comigo e minha companheira, foi.

Além de o tempo parecer estacionado nos ponteiros do relógio, entre uma mordida e a contemplação das texturas do sabor, um amigo também pode estar na mesma situação que você: concentrado em admirar a beleza dos salgados servidos neste espaço localizado entre os sebos da Rua 4 desde 1989. É regra seguir a etiqueta da gastronomia popular, parando, estendendo as mãos, falando sobre política, maldizendo o presidente e combinando a cerveja de mais tarde. Tudo isso, meus caros e minhas caras, antes de decidir qual esfiha comer e se para acompanhá-la irá refrigerante (valor normal), suco (entre 12 e 15) ou vitamina (mesma faixa de preço).

Para a goianidade, os típicos pães de queijo não podem faltar em nenhum estabelecimento que honre suas raízes. Não é o caso, naturalmente, do Esfiha Quente: lá, o café da manhã, antes de encarar as obrigações o dia, está garantido. E com a iguaria sendo fervida para os clientes ainda saindo fumaça, quentinha, no ponto.

Hmmmm, nossa barriga encheu! Caminhamos, a passos desapressados, como caminha quem está de pança enriquecida, até o caixa. Até puxar o cartão – ou as cédulas, para quem ainda hoje não dispensou essa forma de pagamento –, pode ser que haja uma conversa despretensiosa com Paulo Ferreira e Heloísa Estrela, idealizadores do Esfiha Quente. Na falta deles, provavelmente o atendimento ficará sob responsabilidade do filho Gustavo. Ficamos com o sabor dos salgados e da sobremesa na memória.

O “quero mais”, aliás, se tornou marca da lanchonete desde quando deu os primeiros passos no início da década de 1980, na Avenida Goiás. No começo, sem ter muita noção de como preparar o prato principal da casa, os clientes foram sugerindo aqui e ali o que poderia ser feito para aprimorar a receita, um toque de hortelã, cebolinha... Deu no que deu: a massa, com uma pitada de queijo, suave, atrativa, e charmosa sem ser pedante, é o ideal às tardes entre a correria do dia a dia.

Atenção ao horário: o Esfiha Quente funciona das 7h às 20h. Aos sábados, ele muda um pouco: das 7h às 15h. Ou seja, é bom para todas as horas.

Se o Esfiha Quente está firme e forte, na Rua 4 desde 1989, obrigado, então a clientela deve ter proporcionado para quem nele trabalha momentos de verdadeiros compilados de situações inusitadas. “Uma vez, um homem pediu 12 esfihas e comeu tudo”, conta, sorrindo, o atendente Victor Hugo. Já Jhunior Lemes, também na correria por trás do balcão, garante que a lanchonete atrai o público pela tradição e também pelo esmero com o qual as iguarias salgadas e doces são servidas. “O queijo na massa faz toda diferença”, afirma, elogiando a camiseta dos Beatles que este escriba vestia.

Uai, The Beatles? “Sim, pra mim é a segunda melhor banda. A primeira é Led”, bate o martelo o atendente, sobre a banda eternizada por Robert Plant, Jimmy Page, John Paul Jones e John Boham. Ah, meu guri, já ia me esquecendo, Jhunior confessou para nós, ali no confessionário do balcão, sempre nele, que houve até quem pedisse para tirar o queijo da massa da esfiha. Imagine a heresia. Deveria ser crime inafiançável.

Já de mãos dadas para nos dirigirmos ao caixa, Victor comenta que o Esfiha Quente coleciona na imprensa goiana elogios dos escribas do cotidiano. Não é difícil saber por que, pois precisa ser compreendido como um tesouro do Centro de Goiânia, na companhia das edificações em art déco tombadas pelo Iphan. Fora da lanchonete, retomamos à vida real: Elza Soares partiu, e cantando.

Esfiha Quente

Endereço: Rua 4, 731, Setor Central

Funcionamento: segunda à sexta-feira, 7h às 19h; sábados, das 7h às 15h

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