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Pesquisadora disseca como moda ajudou Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral criarem imagem modernista

Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade estão ligados à moda – especialmente com a costura francesa Paul Poiret – e possuem reconhecimento não apenas como figurões que perambulavam pelos salões da burguesia, e sim artistas modernos que participaram ativamente da Semana de Arte Moderna de 22, que neste mês completa cem anos. Ousados e elegantes, conhecedores da vanguarda que tinha no dadaísmo de Marcel Duchamp e no surrealismo de André Breton a síntese da efervescência cultural do mundo entre guerras, o casal recorreu a um estilo diferente.

Os dois se relacionaram por seis, quase sete anos, e foi no período em que estiveram juntos que a intensidade criativa de suas vidas esteve no ponto de maior ebulição. Não por acaso, entre 1923 e 1929, tempo que durou a aventura amorosa de Tarsila e Oswald, compreende-se como um período decisivo da cultura brasileira e, passado um século, ainda gera muito o que falar. À medida que os apaixonados foram se autorrepresentando por meio de seus guarda-roupas, criaram uma imagem que ajudou a fortalecer o modernismo brasileiro na década de 1920.

Em “O Guarda-Roupa Modernista”, obra que acaba de ser lançada pela Companhia das Letras, a pesquisadora Carolina Casarin defende a tese segundo a qual as roupas tiveram importante papel no projeto artístico elaborado por Tarsila e Oswald, em cujo propósito era criar uma estética moderna e nacional. A ideia de brasilidade modernista, escreve Casarin, se insere na aparência e nos trajes do casal, tanto por meio da atenção que direcionaram ao vestuário e à moda quanto pela forma com que os registros das roupas dos dois passaram a ser entendidos pela posteridade.

Para montar o quebra-cabeça sobre os anos que Tarsila e Oswald ficaram juntos, a pesquisadora se serviu de documentos, peças de roupa, pinturas, obras literárias, fotografias, correspondências, depoimentos e recibos. “Esse corpus amplo evidencia a importância da aparência, das roupas e da moda no percurso artístico e literário de duas figuras centrais do modernismo brasileiro e permite esmiuçar a relação do casal com a alta-costura francesa na década de 1920, em especial com a maison Paul Poiret”, explica Casarin, na apresentação de “O Guarda-Roupa Modernista”.

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Oswald e Tarsila: casal chique e elegante - Foto: USP Imagens/ Reprodução

Escritores, artistas e figuras públicas de um modo geral possuem “dimensão performática” de sua aparência, ganhando destaque em vernissages, festas, almoços e conferências. Como uma luz num palco escuro, é a maneira que eles têm de virar o centro das atenções. Numa hipótese de a aparência ser fruto de simbiose entre corpo e roupa, num estilo que combina a relação entre o que se veste versus a maneira com que se veste, as peças utilizadas por Tarsila e Oswald são de fato resultado de um objetivo milimetricamente pensado: suas personalidades acompanham seus trajes.

Segundo a pesquisadora goiana Bárbara Lyra, doutora em Arte e Cultura visual pela Faculdade de Artes Visuais (FAV) da Universidade Federal de Goiás (UFG), o casal reforçava a ideia de uma afirmação do modernismo brasileiro por meio do uso consciente da aparência pessoal. “Estamos falando em especial de uma dedicação à imagem de Tarsila que, é importante que se diga, era pensada pelo casal. Podemos citar como exemplo o uso de roupas da Maison Paul Poiret em duas vernissages bem importantes na carreira de Tarsila do Amaral”, analisa Lyra.  

Uma delas foi na abertura de sua primeira individual em Paris, em 1926, e a outra na inauguração de sua primeira exposição no Brasil, três anos depois. Lyra diz que é importante reconhecer que eles fizeram uso artístico da alta costura a partir de suas escolhas. “Na abertura de sua exposição em Paris, Tarsila escolheu um vestido xadrez bastante impactante da Maison Paul Poiret. Podemos deduzir que a estampa xadrez dialoga com uma imagem de brasilidade que ela procurava reforçar neste momento.”

Mais de uma década depois, num texto publicado no jornal Diário de S. Paulo em 6 de setembro de 1942, a artista disse que tudo quanto artistas e literatos produziram naquele tempo poderia ter sido melhor, porém a verdade, segundo ela, é que nenhum deles não estavam preparados para encarar a vida “com o espírito de hoje”. Nesse sentido, prossegue Tarsila do Amaral, a sensibilidade, o caráter e a inteligência amadureceram, não se podendo abstrair o tempo daqueles dias de agitação.

Operários – Wikipédia, a enciclopédia livre
'Operários', quadro pintado por Tarsila do Amaral

“O passado é incondicionalmente bom, mesmo com seus sofrimentos, mesmo com suas misérias, porque pode resumir-se nessa coisa preciosa que se chama experiência”, atestou Tarsila, depois de ler a conferência “O Movimento Modernista”, pronunciada por Mário de Andrade em 30 de abril de 1942. Às lágrimas, a única filha de Oswald de Andrade, Antonieta Marília de Andrade, declarou que o pai dizia ter passado a vida inteira escrevendo, e que o mais difícil, no fim, era saber que ninguém queria lê-lo: Oswald, como seu “Diário Confessional”, da Companhia das Letras, mostra morreu em dificuldade financeira, dedicando pouco tempo para cuidar da obra.

“Ninguém lia, se interessava”, lamuriou-se Marília de Andrade, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS). Em 1954, ano em que morreu, Oswald estava longe dos holofotes do modernismo, sob o qual era iluminado. Mas, a partir dos anos 1960, a situação parece ter mudado, com o Teatro Oficina montando o espetáculo “O Rei Vela”, publicado trinta anos antes, e os concretistas “ressuscitaram” o poeta – expressão cunhada pelo tropicalista Caetano Veloso.

Inédito e importante para a compreensão do modernismo no Brasil, essas histórias fazem parte da obra “O Guarda-Roupa Modernista”, onde é apresentado as contradições do movimento por meio da escolha das roupas dos dois mais conhecidos expoentes da Semana de 22. Num texto vibrante e gostoso, a pesquisadora Carolina Casarin apresenta o casal como irreverente, elegante e transgressor.

O Guarda-Roupa Modernista

Autor: Carolina Casarin

Gênero: Ensaio

Páginas: 288

Editora: Companhia das Letras

Preço: R$ 109,90

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