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Um ano depois, Áurea Denise lança obra de poesia no Parthenon Center

Áurea Denise está no Ponto 18. Cigarro entre os dedos, goles de cerveja. Faz calor, é sexta e a noite dá lugar à mentira diurna. O repórter, sentindo o efeito da Bohemia correr pelas veias, conversa com a poeta. Junto da companheira e um amigo, diz que “Âmago”, obra que a autora lança nesta sexta, 20, às 19h, no Centro Cultural Octo Marques (Rua 4, Parthenon Center), oxigenou a literatura goiana quando saiu no ano passado pelo Selo Pantheon da Negalilu Editora. Afinal, uma figura conhecida nos saraus durante as décadas de 80 e 90 como ela precisava reunir três décadas de poesia.

Áurea Denise, artista das palavras nascida em Paraíso, norte de Goiás, hoje parte do território de Tocantins, esculpe em seus versos os sentimentos mais profundos da natureza humana: o amor, o sabor doce da sinfonia da paixão, a música dos corpos embalada pela nota do tesão. Como o DM noticiou em reportagem publicada em 10 de maio do ano passado, num bate-papo entre o escriba e a artista, esses são os temas que tornam a obra assinada pela poeta um cálice de lirismo, que agora ganha lançamento presencial após chegar ao público numa live, em 2021. Aqueles eram outros tempos.

Áurea Denise, como numa espécie de confessionário sentimental, vai por esse caminho em seus versos: “você acha que pode/ Sentir o eu sinto/ Me observando desse jeito/ Mas no seu livro/ eu já esgotei a página/ final”. “Se observarmos sem sermos pretensiosos, qual é o significado das palavras terra, fogo, água e ar e o que seria de nós seres humanos sem esses elementos descobriríamos com certeza o significado da palavra amor e o que podemos ser na sua essência e também acharíamos amor nos seres, animais, humanos ou quase humanizados”, sustentou, ao insolente escriba.

Insolente? Sim, ela declara ao jornalista, “suas perguntas foram a fundo”. E as respostas dela? “O amor é algo definido individualmente por cada ser”, filosofou. A verdade é que, em 126 páginas, é possível deparar-se com uma manifestação dos
nossos sentimentos mais íntimos, subjetivos e próprios da existência humana a partir das particularidades da linguagem poética – ou, se você preferir, da radicalização da palavra por meio da métrica esteticamente moderna, num diálogo entre Paulo Leminski e Ana Cristina César, como deve estruturar-se o ofício do poeta.

Áurea Denise: "escrevo sobre o que vejo, sinto, ouço, vivo' - Foto: Lu Barcelos/ Divulgação 

Para ela, o lugar da radicalidade poética fica no ato de escrever, seja por mera consciência ou seja por mera necessidade de expressar-se por meio da junção de palavras o sentido da existência, “em forma, função e sentido”. “É no leitor(a) que tudo se manifesta e se concretiza. Essa é a radicalidade do objeto chamado livro”, disse Áurea, que – na obra – propõe um diálogo permanente entre literatura e artes cênicas, especialmente teatro e dança. É essa atmosfera, por vezes boêmia, que faz da obra um libelo pró-amor: na companhia dela, não há outra saída a não ser nos embelezarmos pelo “diálogo em trama, regado a cerveja e um lirismo matinal instantâneo”.

“Guardei por anos esse pedaço de papel que em vão procuro agora, justo agora que Áurea Denise lança seu primeiro livro, dando a conhecer sua poesia que sempre se exerceu, falando das (im) possibilidades do amor, dos vários movimentos da vida, do corpo-potência mesmo na dor e na finitude, do tempo, que na poesia é sempre agora”, escreve a poeta e zineira Alda Alexandre, na abertura do prefácio de “Âmago”, como se estivesse pinçando com o bisturi da poesia a alma por de trás dos versos denisianos.

Pela primeira vez, a poesia se manifestou em Áurea Denise quando descobriu o teatro e, de quebra, a força da dramaturgia, com o aprofundamento dessa leitura constante de livros para interpretá-los no palco. “O amor e o respeito pelo que nos deixaram de legado só foi crescente. E naqueles dias o que havia sido reprimido, o que não poderia ser dito, foi ouvido por pessoas ávidas por liberdade de expressão, mas expressões já estavam escritas, só nos esperando”, afirmou a escritora, acrescentando que essa descoberta – além de libertária – foi também libertadora e, óbvio, prazerosa.

Seja em que linguagem se for, a arte não pode e não deve ser sempre agradável. “Continuo a escrever sobre o que vejo, sinto, ouço, vivo. É a vida enquanto respiro. O autoritarismo nunca deixou de existir. Só estava um pouco camuflado nos sistemas, mas lá nas suas entranhas, desde o colonialismo, ele sempre esteve esperando sua vez de retornar mais vigor. Infelizmente deram-lhe a chance. Só espero que não perdure assim por muito tempo. Porque é muito feio e puro desalento para quem você nunca o quis e nem quer. Mas o que nos resta é prosseguir com a leitura e o escrever.”

Se Áurea Denise demorou para lançar seu primeiro livro e, quando a obra veio, o mundo vivia enclausurado por conta da pandemia, agora há motivo para comemorar: a artista compilou, revisou, editou e publicou “Âmago”, um manifesto em favor da amor. E, como o vento frio que entra pela janela, tem-se uma certeza: a poesia – se não transforma por completo a humanidade – ajuda-a a atravessar ao outro lado das tempestades que caem do céu, num país amordaçado e doente – como o nosso.

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