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CULTURA

A superpoderosa reviravolta dos nerds

A cultura nerd já não faz mais parte daquele estereótipo do adolescente tímido, sem traquejo social, que falta de aptidão para o esporte e sobra boas notas. Nos últimos 15 anos, fatores como a ampliação do streaming e investimentos bilionários nos personagens das HQs para as telonas transformaram a cultura geek na queridinha também do mais popular da escola ao professor universitário. E o setor movimenta ainda um mercado lucrativo. 

Essa indústria acopla toda amplitude da cultura pop nerd: além de filmes e séries, vai dos mangás às HQs, dos jogos eletrônicos aos bonecos e roupas de personagens. E, de acordo com a pesquisa Geek Power 2021, da empresa Omelete Company, tem um público diverso, daí sua lucratividade e impacto cultural. 

Para se ter uma noção do poder dessa moçada, as maiores bilheterias, nos últimos anos, foram de filmes relacionados ao tema, como “Avatar” (2009), com US$ 2,8 bilhões; “Vingadores: Ultimato” (2019,: US$ 2,7 bilhões e “Star Wars: o Despertar da Força” (2015), US$ 2,069 bilhões. E uma pesquisa da Newzoo mostrou que 2,7 milhões de gamers (jogadores) gastam aproximadamente US$ 200 bilhões com a indústria de jogos até 2023. 

Cena local

Em Goiânia, o movimento é atuante e a Capital possui diversas lojas temáticas voltadas ao universo, como, por exemplo, da conhecida livraria Hocus Pocus. Foi apostando no crescimento deste nicho que os empresários Vinícius Rabelo Tomain e Tulio Wallace abriram recentemente a loja virtual Geek Mood, especializada no comércio de camisetas e blusões voltadas a este universo. 

“Unimos o ramo em que trabalhamos, que é a indústria têxtil ao  gosto pessoal por toda cultura geek e pop em geral”, diz Vinícius. E vale lembrar que a capital também se destaca em relação aos eventos temáticos. É bem verdade que estão voltando após o período mais problemático da pandemia. Um dos últimos eventos realizados recentemente em Goiânia foi o Multigeek, que aconteceu em julho deste ano, no Parque Mutirama. O encontro contou com atividades, como: caça ao tesouro, caça a pokébolas, apresentações de cosplays com direito a  premiação, entre outros.

O Multigeek foi realizado pela Organização Nerd de Goiás, que começou de forma despretensiosa como uma página Instagram, com intuito de interagir com outros aficionados por este universo. No começo era um projeto do curso de Organização de Eventos no Senac Goiás. 

Porém, a página  foi crescendo e hoje tem o intuito de se tornar produtora de eventos relacionada à cultura geek. Um dos nomes por trás da iniciativa é a turismóloga e produtora cultural Valquiria Machado, de 37 anos. 

Atualmente, ela veste diariamente o uniforme de recenseadora, já que está trabalhando no IBGE, neste Censo 2022. Porém, ela se encontra mesmo é na pele de diversos personagens da cultura geek, a exemplo de Mulher Maravilha, Videl, entre vários outros.

“Eu era muito sozinha, filha única, comecei a entrar em redes sociais e não gostei.  Em meados de 2012, conheci um site que tinha vários desenhos, fanfics, que são histórias que os fãs inventam a respeito de personagens que já existem de fãs para fãs, e me apaixonei por este universo. Assim comecei a conhecer diversas pessoas”, recorda.

Logo, começou a participar de eventos temáticos e se vestir como os personagens, os chamados cosplays. “Tenho uns 15  personagens. A primeira personagem que me caracterizei foi a Vitel do Dragon Ball. Comecei nos eventos para me divertir, mas depois fui querendo também produzir”, explica.

Debates

Muito mais do que uma forma lúdica de entretenimento e socialização, a cientista social, Lais Vieira vê a cultura geek, especificamente o audiovisual, como um instrumento para propiciar o debate social, sobretudo, dentro das salas de aula. É claro que leva em conta pesquisas de estudiosos do assunto, como Adorno e Horkheimer, da Escola de Frankfurt, que analisou os produtos culturais como forma de alienação. 

Porém, ela acredita que, em muitos conteúdos, é possível tirar proveito, como na série “The Watchmen” da HBO, e o filme “Pantera Negra”, que, para ela, abordam a questão racial de forma interessante. Já os personagens de “X-man”, por exemplo, serviram de base para uma pesquisa em sua licenciatura, para abordar a questão das diferenças junto aos alunos.

“Foram personagens desenvolvidos por  Stan Lee e Jack Kirby, nos anos de  1960, em que havia uma efervescência cultural e eles trazem personagens, como Xavier e Magneto, para debater essas questões. Os discursos desses personagens sobre o uso da violência tem muito a ver com o de Martin Luther King  e do Malcolm X”, compara a estudiosa.

“As HQS de Goiânia estão se desenvolvendo a olhos vistos”, diz quadrinista

O que seriam dos geeks sem os autores das Histórias em Quadrinhos, que tanto já serviram de inspiração para filmes clássicos do estilo. E Goiânia tem bons autores deste tipo de literatura. Para saber um pouco sobre este cenário, o DM conversou com o quadrinista e editor Márcio Júnior, que está participando do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), em Belo Horizonte (MG). Lá, está mostrando o mais recente livro da sua editora MMarte, “Os Estranhos Hóspedes do Hotel Nicanor”. Veja a seguir suas impressões e projetos sobre as HQ em Goiânia.

Márcio Jr está à frente da editora MMArte - Foto: Acervo Pessoal

DM - Como é estar lançando esta obra na FIQ

Márcio Júnior – Este é um livro clássico dos quadrinhos, que a gente recuperou feito por dois mestres, uma parceria sem precedentes no quadrinho nacional, que reúne histórias de terror roteirizadas por Otacílio d’Assunção Barros (1954-2021), mais conhecido pelo apelido Ota, e desenhadas por Flavio Colin (1930-2002).  Ela reúne as cinco HQs originais da série “Os Estranhos Hóspedes do Hotel Nicanor”, publicada na revista Spektro, no início dos anos 1980, e o primeiro e último número de Hotel Nicanor, publicado pelo selo Ota Comix e originalmente previsto para durar três edições. 

DM - Como analisa a cena geek em Goiânia e Goiás?

Márcio - A cena está se desenvolvendo a olhos vistos. Já temos autores conhecidos nacionalmente, como Tiago Holsi e Cátia Ana. Cada dia temos uma surpresa. Eu estou chocado com o trabalho do Maza, que está aqui no FIQ, que é super promissor e talentoso. O mais importante é que para uma cena acontecer tem que ter uma cadeia: precisa ter editora, autores trabalhando como Mandrake Comic Shop e Hocus Pocus. O que está faltando para gente são eventos e feiras. Essa troca com o público e autores é muito importante. O mesmo se dá na cultura geek, acho que daqui há alguns anos vamos ver um grande crescimento dessa cultura em Goiânia.

DM: Quais são os próximos projetos para movimentar o cenário das HQs em Goiânia?

Márcio - Vamos fazer um evento nacional de Histórias em Quadrinho, que vai acontecer no final de setembro, que vai se chamar Gibirama, que vai acontecer  na Vila Cultural Cora Coralina, vai ter feira com feira, debates, palestras, filmes, cosplayers, vai ser um evento bastante completo. Aguardem que em breve teremos mais informações sobre este evento. 

A cara dos geeks?

Uma pesquisa da Omelete Group em parceria com a MindMiners, fez um perfil do público que consume a cultura geek. Veja quem eles são:

Idade: 58% tem entre 16 e 24 anos, 23% está entre 25 e 30 anos;

Estado Civil: 26% são casados ou estão em união estável, o que sugere um público mais maduro e financeiramente independente;

Classe social: não há uma padronização e é bem diversa, assim como a população brasileira em geral. Na classe B2 estão 34% dos geeks, enquanto na C1 tem 28% e 15% pertencem à classe C2.

Região: o Sudeste tem 48% da participação e o Nordeste 26%

Os tipos de geek, de acordo Omelete Group e a MindMiners

Tech Geek: público interessado em novas tecnologias, que buscam saber de inovações. Nem todos trabalham com isso, mas são entusiastas desta área por prazer e paixão. Para esse grupo, ser um geek é estar em constante aprendizado e ser curioso. Essa categoria usa ferramentas online como YouTube e redes sociais (76%) e 91% busca especificações técnicas e reviews antes de comprar um produto. 77% seguem páginas e empresas de tecnologia e games nas redes sociais.

Cult Geeks: interessados em cultura pop, séries, quadrinhos e super-heróis; 78% afirmam ser grande conhecedores de filmes; 40% revelaram que consomem esses conteúdos todos os dias da semana; 53% disseram que acompanham artistas de HQs; 79% assistem conteúdos disponíveis em streamings e 32% frequentam eventos como a CCXP.

Gamer Geek: público ligado e jogos eletrônicos. 47% revelaram que jogam algo todos os dias e 32% de dois a quatro dias por semana. Eles costumam jogar mais de um gênero de game, com uma média de oito tipos por respondente. Os mais populares são de ação e aventura (71%), mundo aberto (64%) e tiro em primeira pessoa (61%). A plataforma preferida para jogar é o console (59%), seguido por PC (27%) e mobile (12%). Nesse grupo, 43% declararam que mesmo não indo aos eventos de games, leem notícias sobre eles, sendo que 33% assistem ao vivo ou por streamings. Outro dado rebate que os geeks são solitários e antissociais: 50% reúnem amigos para jogar.

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