Cultura

A arte colorida e semiótica de Waldemar Rego

Redacão

Publicado em 20 de julho de 2020 às 18:00 | Atualizado há 5 anos




Goiás precisa se redescobrir

Próximo da estética do festejado pintor Omar Souto, Waldemar Rego celebra o culturalismo goiano através de seus fetiches e “espírito do tempo passado”. Como domina a técnica com maestria, inclusive como retratista, se preocupa em criar narrativas mais sólidas. Sobra tempo para tratar de como tornar “causos” em estética e cores.

E neste quesito dialoga bem com Omar, hoje um dos maiores artistas do país. Autor da obra pública mais vista no Brasil, a Via Sacra, entre Goiânia e Trindade, Omar é um tributário do diálogo entre o profano e o santo. O dualismo é também superado por Waldemar, que alia uma leitura social e não religiosa ao ato de pintar. Pinta para existir. 

Goiás precisa se redescobrir tanto em monumentos quanto na arte. Neste sentido, pintores como os dois, além de outro punhado bem seleto, fazem trincheira ao massacre cotidiano dos artistas integrados que sonham com grandes exposições no exterior quando sequer existem em sua terra, haja vista que de “fantasmas” os cemitérios dos artistas estão cheios.         



Violeiros, jogos e elementos das festas populares de Goiás surgem na arte do pintor goiano que desafia a estética da contemporaneidade  
 

Seus ares são os mesmos de Di Cavalcanti e Portinari, com um colorido mais intenso e menos dramático. Não teme se aproximar do naif, mas é evidente que seu olhar se afasta da festança primitiva.

FRAGMENTAÇÃO

“Procuro a fragmentação da imagem. É uma correlação entre new cubismo e cores puras extraídas do naif”, explica o intérprete da goianidade.

“Minhas temáticas são sempre minhas raízes. Se fosse europeu pintaria maçãs, taças de vinhos, uvas…Mas como sou brasileiro e goiano pinto a moda de viola, a catira, o pequi. Revejo também a capoeira, o samba, choro,  carnaval. Meus olhos se voltam para as cavalhadas farricocos, a amarelinha, o jogo de finca e peão”.     



Waldemar Rego revela preocupação com suas raízes: artista segue na contramão da vida digital, que deseja globalizar tudo

Em entrevista ao DM, o artista revela que sua expressão pelos pincéis, por sua vez, é um acaso, quase uma revelação, uma epifania. Poderia falar de seu povo através de outras linguagens: “Comecei a pintar porque comecei. Assim como na música:  canta porque se canta”.

Uma das primeiras características de Waldemar é seu figurativismo vivo e colorido, uma mistura de novo cubismo com a visão detalhista de José Orozco, Revueltas, demais muralistas mexicanos e um pouco de Georges Braque.  



A vida rural e suas narrativas são constantes temas do artista que ‘bebeu’ no cubismo e naif para modernizar, sem entregar nossa cultura 

Há tempos o pintor Waldemar Rego tem doado sua sensibilidade aos goianos. Nada contra esta corrente da globalização cultural, embotada pelos aplicativos do “tudo pronto”.

É um artista plástico de vigor, com olhar mimético dessa realidade que insistimos em esconder.  E em vez de esconder, sua obra mostra Goiás e escancara a potencialidade intelectual de seu povo. Diferente da maioria dos pintores, muitos deles autodidatas, Waldemar é formado em jornalismo, com uma visão estética aguçada, embebida numa semiótica do popular, do erudito e da comunicação. Sua estratégia é, numa só palavra, pensada.



Goiás esconde sua civilização em poucos artistas que resolveram pintar nossas tradições. Em uma era pós-moderna, de incertezas nos limites civilizacionais e nos próprios limites territoriais, boa parte dos artistas, a comunicação e própria cultura têm virado os olhos para outros países e seus ‘netflix’ e estratégias digitais. Mas nossos pés estão fincados bem aqui.  

“Se queres ser universal, cante sua aldeia”, escrevia o escritor Leon Tolstoi, em uma verdadeira iluminação estética. Nada mais concreto em uma era de estátuas líquidas e impostas, derrubadas diante da ira das sociedades contra a injustiça.



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