Cultura

Academias: ancoradouros de gigantes do saber

Redação DM

Publicado em 28 de junho de 2016 às 03:15 | Atualizado há 7 meses

Confreiras, confrades, amigos,

Quando a nímia gentileza da ilustre e caríssima amiga escritora Maria Elizabeth Fleury Teixeira, presidente da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás – Aflag proporcionou-me a oportunidade de estar aqui, nesta data comemorativa do Dia Nacional das Academias, com o pronunciamento desta palestra, logo me dei conta da enormidade da tarefa.

Tenho por esta Casa e por todas as suas ilustres integrantes, o maior respeito e a mais acentuada admiração, guardiãs que são e cultoras das letras e das artes, de modo que me sinto superiormente honrado e distinguido com o convite para, neste templo, discorrer na data comemorativa das Academias.

E tudo isto só me fez sentir mais o peso da responsabilidade de, pela primeira vez, assumir esta tribuna tão frequentada por conferencistas ilustres.

Perguntado sobre o título do trabalho, depois de séria meditação, respondi: Academias: Ancoradouros de gigantes do saber.

Não significa dizer que somente nas Academias tais preciosidades humanas sejam encontradas, posto que fora delas muitas se espalham no mundo. Mas nelas, nas Academias, estas maravilhas do pensamento e da arte estão inarredavelmente ancoradas.

E nem poderia ser de outro modo, pois as Academias têm número limitado de integrantes, não cabendo nelas todos os tesouros da espécie cultural.

Tomada, por exemplo, nossa Academia Brasileira de Letras, nomes gigantescos ali se entronizaram, a exemplo de Machado de Assis, Rui Barbosa, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Evaristo de Moraes Filho, Cândido Mendes de Almeida, Ferreira Gullar, Lygia Fagundes Teles, Afonso Arinos de Melo Franco, Carlos Nejar, Nélida Piñon, Ariano Suassuna, Ledo Ivo, Josué Montello e tantos outros…

Comprovando que fora das Academias também se encontram figuras de tanto ou até maior realce do que alguns que lá estão, é só ver-se que na Academia Brasileira de Letras não entraram homens e mulheres ilustríssimos como Lima Barreto, Monteiro Lobato, Érico Veríssimo, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Vinicius de Morais, Clarice Lispector, além do fato de que se tornaram imortais alguns apenas preponderantemente políticos como Getulio Vargas, José Sarney, Marco Maciel etc.

Sem sombra de dúvidas, para nos cingirmos ao nosso Estado, na Academia Goiana de Letras, à exceção de meu nome, todos os demais integrantes são verdadeiras pilastras de sustentação, gigantes do saber ali ancorados. Nesta Casa, onde tenho a subida honra de agora falar, todas as ilustres confreiras também o são, de sorte que, só para citar de passagem, não dá para olvidar nomes, numa e noutra Academias, como Bernardo Elis, Rosarita Fleury, Ursulino Leão, Ana Braga, Lena Castelo Branco, Jerônimo Geraldo de Queiroz, Carmo Bernardes, Nelly Alves de Almeida, Belkiss Spencieri de Mendonça, Gilberto Mendonça Teles, Colemar Natal e Silva, Leo Lince, o bastante para justificar o título escolhido.

E, realmente, embora o grande número de Academias de Letras e de Letras e Artes no Brasil, as pessoas, em geral não sabem, afinal, qual a finalidade delas, quais os seus objetivos, de tal modo que passam estas instituições quase que despercebidas pela vida comum da cidade, assemelhando-se a algo possivelmente bom mas absolutamente restrito, reservado a um pequeno número de privilegiados.

E então, o que deveria ser público, acessível para todos, torna-se algo oculto, com admissão apenas de alguns ungidos.

Esta visão canhestra, todavia, não é culpa apenas dos olhos que nos veem, mas também nossa, do modo como nos apresentamos ou deixamos de nos apresentar, do que ressalta o significativo valor de um círculo de palestras, de encontros das Acadêmicas e dos Acadêmicos com o público em geral.

É claro que não tentaria nem seria possível apontar aqui todos estes gigantescos vultos das letras, mas quando analisarmos mais de perto uma que oportunamente se apresentará, isto ficará esclarecido. Tratando do tema só exemplificativamente, como negar a grandeza do saber de Machado de Assis? A força de sua crítica dos costumes, o magnetismo de seus personagens, perfeitamente identificáveis na sociedade de então. Um homem em um tempo de restrições de cor e de instrução e mesmo assim um enorme monumento literário mundial?

E Bilac? Poeta cujo nome completo é um verso alexandrino perfeito, com cesuras na 2ª, 4ª, 6ª, 10ª e 12ª sílabas (Olavo Braz Martins dos Guimarães Bilac), que além de adorado e aclamado poeta parnasiano foi um orador consumado, integrado em maravilhosas campanhas de nacionalidade, preocupado em mostrar a todos, principalmente aos jovens, o valor do amor: amor às pessoas, à Pátria, à natureza…

E este fantástico João Guimarães Rosa, que em Grande Sertão. Veredas, expõe contrastes e confrontos do caráter humano com a profundidade de quem conhece a alma de seus personagens, suas criações, suas figurações. Quem lê vê a vida,aprende a existência… enamora-se, revolta-se, compreende, sofre e se alegra…

Uma Academia não só preserva o conhecimento, mas o amplia e aperfeiçoa. Uma Academia de Letras, por exemplo, está comprometida com a arte literária, seja na sua pesquisa, sua divulgação, sua criação e aprimoramento.

Há compromisso com a busca da beleza e da verdade e todo o seu trabalho se dirigirá neste sentido, numa procura incansável, denodada e sincera, ainda que incompreendida por muitos.

Quero dizer que as Academias devem dar espaço às novidades, sem precisarem ser “novidadeiras”. Não é louvar o novo somente porque é novo, mas porque tem valor, se o tiver. E jamais deixar de lado o que está feito e consagrado, só porque já está feito, em busca de posições que lhes facultem, pelo inusitado, o fugidio instante da mídia. Busca da verdade que cruza mares, atravessa terras, desconhece lindes, sem admitir conceitos preconcebidos, mas também sem aceitar o falso conceito.

É busca denodada e sincera, sem slogans, sem jargões, sem frases feitas, sem precipitações.

A verdade levará seu buscador fiel a criar dentro e fora de si.

E que maravilha não será das letras, como também das artes em geral, quando comprometidas com a verdade. A arte não será um simples devaneio da alma, mas a edificação sólida da vida, assentada em ideais nobres e respeitáveis.

As letras na composição das palavras e essas na formação das frases e essas na estruturação dos períodos, as notas na composição musical, os tons e moldes na construção da pintura e da escultura, enfim atuarão todas harmoniosamente, como uma orquestra afinada, objetivando o bem.

A verdade da beleza literária, sua defesa e seu culto, são papéis inafastáveis da Academia e nada poderá nos desviar deste rumo.

Mas esta minha pequena palestra tem um subtítulo, um intertítulo: A Menina do Ceará.

É que, falando numa Academia Feminina de Letras e Artes, entendi por bem registrar com mais evidência o nome de uma mulher, uma poderosa mulher, uma gigante da literatura e da vida, ancorada na Academia Brasileira de Letras. Estou me referindo a Rachel de Queiroz.

Menina cearense, nascida em Fortaleza, capital de seu Estado, em 19 de novembro de 1910. Pelo lado materno, descendente da José de Alencar, o famoso romancista.

Mas as coisas, naquele tempo, não eram assim tão fáceis nem para o povo em geral, em razão da seca de 1915, nem para as mulheres, em particular, com muito pouco direito à visibilidade social. Assim, em 1915, Rachel foi com a família para o Rio de Janeiro, fugindo da seca e de lá foi com a família para o Estado do Pará. Retornou a Fortaleza e, em 1925, aos 15 anos, no Colégio Imaculada Conceição, formou-se professora (normalista), destino maior das mulheres na época. Observe-se a idade: 15 anos. Dois anos depois estreou no jornalismo, publicando no jornal “O Ceará”, com o pseudônimo de Rita de Queluz, uma carta em que ironizava o concurso Rainha dos Estudantes.Prosseguiu ali, sob o mesmo pseudônimo, escrevendo crônicas e poemas de caráter modernista e, em forma de folhetim, lançou o seu primeiro romance: História de um nome mas esta menina, esta mocinha não nascera para pouca coisa. Aos 20 anos, em 1930 estreou na literatura de grande porte com o romance O Quinze.

O Quinze é uma obra de fundo social. A autora se revela hábil na análise psicológica de seus personagens, narrando, com força e vivência, a dramática e secular luta de um povo contra a miséria da seca. Rachel vivera isto. Rachel sentira isto. Por causa de tanta experiência, de ter sentido na pele o que significava sobreviver durante a seca Rachel de Queiroz produziu esta extraordinária obra. Assemelha-se a isto o nosso Hugo de Carvalho Ramos que em Tropas e Boiadas narra, em contos exponenciais, cenas vividas em suas longas viagens, ao lado do pai, pelos sertões goianos.

Acham que Rachel de Queiroz teve patrocínio para isto?

Não teve. O livro foi publicado em Fortaleza, na Gráfica Urânia, às expensas da autora, em modesta edição de mil exemplares. E recebeu crítica de Augusto Frederico Schmidt, Graça Aranha, Agripino Grieco e Gastão Gruls. A consagração viria em 1931, com a conquista do prêmio da Fundação Graça Aranha. Esta jovem contava, então, apenas vinte e um anos de idade.

Numa palestra deste porte não há para se falar propriamente sobre Rachel de Queiroz. Apenas se podem fazer alguns registros, como, por exemplo, que ela foi a primeira mulher a receber o prêmio Camões; que em 1985 foi inaugurado em Ramat-Gau, Tel-Aviv (Israel), a creche “Casa de Rachel de Queiros”, sendo Rachel de Queiroz a única escritora brasileira a contar com esta honraria naquele País; que recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do Ceará; que recebeu, entre outras, as Medalhas Rio Branco, do Itamarati, Mérito Militar e da Inconfidência Mineira; que ela traduziu para o português mais de quarenta obras; que escreveu mais de duas mil crônicas; que escreveu duas peças teatrais, sendo uma delas (A Beata Maria do Egito), laureada com o prêmio de teatro do Instituto Nacional do Livro, e também tratou da literatura infantil, com o livro O Menino Mágico, com histórias que ela contava para os netos.

Convidada pelo presidente Jânio Quadros para o cargo de Ministro da Educação, recusou, ao que se sabe, dizendo: “Sou apenas jornalista e gostaria de continuar sendo apenas jornalista.” Isto bem traduz o espírito desta mulher, a certeza de seu norte e rumo.

A quantos não influenciou com sua literatura, com seu saber? Quantos não transformou?

Dizer mais o quê?

Mais nada.

Apenas reverenciar esta gigante do saber, ancorada no templo acadêmico de nossos corações, com o silêncio de nosso respeito.

Aflag 2


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