Cultura

Bicicleta sem Freio enfeita Goiânia com psicodelia inspirada na art pop

Marcus Vinícius Beck

Publicado em 20 de outubro de 2021 às 18:07 | Atualizado há 4 meses


Arte idealizada para a extinta boate goianiense El Club – Foto: Divulgação 

Transgressores, lisérgicos, representativos e afrontosos, os três goianos se conheceram ainda quando estudavam na Faculdade de Artes Visuais (FAV) da Universidade Federal de Goiás (UFG), em 2003. Três anos depois, reunidos num congresso estudantil, resolveram criar o grupo com o objetivo de fazer um “estúdio de criação focado em animação de ilustração”, conforme disse Renato Reno numa entrevista para o jornalista Thiago Lins, na Revista Continente, publicada em 2011.  

É perceptível no trampo desenvolvido pela galera do Bicicleta Sem Freios que a identidade deles só se materializa depois de um bom bate-papo, rabiscos e talvez uma mesa de luz, num improviso que corrobora com a tese proposta por mim no início desta matéria e Thiago Lins na Revista Continente: é jazz. Rabiscos lisergicamente improvisados. Ou rock. Ou psicodelia. Ou… enfim… Ou qualquer outra coisa que deixaria, não tenho dúvidas, Roberto Crumb e Ralph Steadman felizes.  

Seguindo os passos de Crumb, os goianos chegaram a ilustrar capas de nomes importantes da cena roqueira independente nacional, como AMP e Macaco Bong. Sempre, obviamente, com estridência e grito, como se fosse uma onda de ácido com a qual as cores se tornam mais vivas e mais intensas. É quase um tipo de pecado carnal, sem-vergonhice, excessos, meu Deus do céu!, como mandam as premissas do rock.  

Teve até, para comprovar que o Bicicleta com Medo tem o DNA calcado no underground, sadomasoquismo, pupilas dilatadas, art pop, quadrinhos… 

Em algum momento andando pelo Centro da cidade de Goiânia, você já deve ter visto as intervenções artísticas que transformaram o visual da região em dezembro do ano passado. São dois murais de grafite, divididos por alguns metros, em duas edificações conhecidas na capital: Dona Chafia e Edifício Alencastro Veiga. Assim como as outras obras do grupo, nelas também existem as cores impactantes, porém elas retratam o contador de histórias Geraldinho. Ele tem aproximadamente 20 metros de altura.  

E desse jeito é ao redor do mundo, com murais expostos nas ruas de metrópoles como Londres, Berlim, Las Vegas, Los Angeles, Hololulu, Jerusalém, Cidade Real, Crans e Fortaleza. É, não é brincadeira, não: esses goianos são bão demais da conta!



Mural de Bicicleta Sem Freios em Cidade Real, na Espanha – Foto: Divulgação 



Um mural colorido, como se fosse um jazz gráfico movido pelo improviso estético do pincel na folha em branco da galeria a céu aberta chamada rua, num tom psicodélico, art pop e roqueiro, embeleza a Rua 72 na esquina com a Avenida H, no Jardim Goiás. A obra, que possui pelo menos 140 metros quadrados, está aberta para o público conferir o trabalho de perto desde a terça-feira, 5. 

Com cabelos azulados, roupa bordô e olhar penetrante, além de flores típicas do Cerrado, um pé de jabuticaba que lhe envolve a cabeça e um pássaro ao lado, a gigante mulher desenhada pelos premiados artistas visuais goianos Douglas de Castro e Renato Reno imprime a goianidade na pele da cidade, tornando-se visível a quem flana pelas ruas da metrópole: é nela que encontramos a expressão urbana, assim como é no mesmo lugar que ouvimos a comunicação se estabelecer entre nós e onde habitamos.  

Guardadas às devidas proporções, é possível encontrar nos traços de Renato e Douglas um rabisco influenciado pela lisergia porra-louca de mestres do underground como Robert Crumb (autor dos celebrados “Vida Minha”, “Genesis” e “Meu Problema Com as Mulheres”, traduzidos no Brasil por Daniel Galera) e Charles Burns. Quase sempre tem na obra dos goianos as sinuosas mulheres, a partir de cores gritantes, bem como a sujeira que fez de Crumb símbolo da contracultura e autor da capa de “Cheap Trills”.  

Um parêntese: o disco clássico da cantora Janis Joplin foi lançado em 1968, época em que os ideias contra o status quo estavam fervilhando no jornalismo, na música, no cinema, na literatura e, claro, nas artes visuais, onde surgiam nomes como Ralph Steadman e o próprio Crumb nos HQ´s que problematizavam, em uma estética feia, psicodélica e bizarra, os horrores da Guerra do Vietnã. Já Burnes, da geração seguinte, tem no traço um realismo que talvez soe até mais bonito que o de Crumb. 

No caso do coletivo goiano Bicicleta Sem Freio, as ilustrações para a extinta boate goianiense El Club viraram um dos pulsões do trabalho desenvolvido pelo duo, o que serviu de trampolim à idealização de cartazes e flyers para divulgar a cena alternativa goiana, em eventos como os tradicionais Goiânia Noise e Bananada. Tempos depois, em 2015, Renato e Douglas estiveram no meio de uma polêmica ao criar um mural na parte externa da biblioteca do Centro Cultural Oscar Niemayer. 

Foi um bafafá tremendo: de um lado, por exemplo, teve quem acusasse o grupo Bicicleta Sem Freios de ter adulterado a textura branca escolhida por Niemayer para colorir a edificação e, com isso, promovido uma espécie de desmantelamento da originalidade de um espaço importante para a cultura. Apesar das queixas, houve ainda aqueles que pediram para que a obra lá ficasse. O prédio, no final das contas, acabou repintado de… branco!  

A música, digamos assim, sempre alimentou as ideias do grupo, e as artes roqueiras que eles mandaram ver com competência, repleta de hedonismo, muito fetiche e belas mulheres, mexeu com empresas gigantes, como Sony, Nike e Converse.  Na primeira delas, feita para uma discotecagem no shopping Buena Vista, é possível encontrar um elefante e, no chão, embaixo do animal, uma mulher, punk e libertária, calçando All-Star Chuck Taylor, celebrando a embriaguez e o rock ´n´ roll. 



Arte idealizada para a extinta boate goianiense El Club – Foto: Divulgação 

Transgressores, lisérgicos, representativos e afrontosos, os três goianos se conheceram ainda quando estudavam na Faculdade de Artes Visuais (FAV) da Universidade Federal de Goiás (UFG), em 2003. Três anos depois, reunidos num congresso estudantil, resolveram criar o grupo com o objetivo de fazer um “estúdio de criação focado em animação de ilustração”, conforme disse Renato Reno numa entrevista para o jornalista Thiago Lins, na Revista Continente, publicada em 2011.  

É perceptível no trampo desenvolvido pela galera do Bicicleta Sem Freios que a identidade deles só se materializa depois de um bom bate-papo, rabiscos e talvez uma mesa de luz, num improviso que corrobora com a tese proposta por mim no início desta matéria e Thiago Lins na Revista Continente: é jazz. Rabiscos lisergicamente improvisados. Ou rock. Ou psicodelia. Ou… enfim… Ou qualquer outra coisa que deixaria, não tenho dúvidas, Roberto Crumb e Ralph Steadman felizes.  

Seguindo os passos de Crumb, os goianos chegaram a ilustrar capas de nomes importantes da cena roqueira independente nacional, como AMP e Macaco Bong. Sempre, obviamente, com estridência e grito, como se fosse uma onda de ácido com a qual as cores se tornam mais vivas e mais intensas. É quase um tipo de pecado carnal, sem-vergonhice, excessos, meu Deus do céu!, como mandam as premissas do rock.  

Teve até, para comprovar que o Bicicleta com Medo tem o DNA calcado no underground, sadomasoquismo, pupilas dilatadas, art pop, quadrinhos… 

Em algum momento andando pelo Centro da cidade de Goiânia, você já deve ter visto as intervenções artísticas que transformaram o visual da região em dezembro do ano passado. São dois murais de grafite, divididos por alguns metros, em duas edificações conhecidas na capital: Dona Chafia e Edifício Alencastro Veiga. Assim como as outras obras do grupo, nelas também existem as cores impactantes, porém elas retratam o contador de histórias Geraldinho. Ele tem aproximadamente 20 metros de altura.  

E desse jeito é ao redor do mundo, com murais expostos nas ruas de metrópoles como Londres, Berlim, Las Vegas, Los Angeles, Hololulu, Jerusalém, Cidade Real, Crans e Fortaleza. É, não é brincadeira, não: esses goianos são bão demais da conta!



Mural de Bicicleta Sem Freios em Cidade Real, na Espanha – Foto: Divulgação 



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