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Boca Livre vence divergências políticas e lança novo single

Ao Diário da Manhã, com exclusividade, flautista Lourenço Baeta diz que, apesar das visões opostas, clima entre músicos vai bem

Conjunto vocal Boca Livre retorna com relançamentos, single e turnê - Foto: Alexander Landau/ Divulgação Conjunto vocal Boca Livre retorna com relançamentos, single e turnê - Foto: Alexander Landau/ Divulgação

A boca precisa ser livre, estar apta a exercer espírito democrático e, se for o caso, conviver com as diferenças. De fato, é o que Lourenço Baeta, 71, tem feito. As divergências são inerentes ao processo de criação que se estrutura de maneira coletiva: os Beatles viveram sob fogo cruzado de Lennon e McCartney, os Stones quase ruíram quando as coisas ficaram ruins entre Jagger e Richards e, pergunto, por que deveria ser diferente com o Boca Livre?

Ah, dirá o leitor bem informado, o Brasil estava polarizado em janeiro de 2021. De um lado, bolsonaristas profanavam contra a vacina. Ao passo que, no sentido oposto, o discurso que negava a ciência e escamoteava o iluminismo era rechaçado. “Mas tudo é política”, sentencia Lourenço, ao telefone, em entrevista ao DM realizada na manhã da última quarta-feira, 27. Ele, Zé Renato e David Tygel romperam, em 2021, com Maurício Maestro.

Membro que esteve na gravação do lendário disco “Boca Livre” (1979), Maurício começou a fazer postagens críticas às vacinas nas redes sociais. O fim era questão de tempo. E assim foi: a empresária Memeca Moschkovich comunicou, em 16 de janeiro de 2021, por meio de nota, que Zé e Lourenço tinham debandado em razão de divergências políticas, não musicais, uma vez que algo de tal ordem é quase impensável após quatro décadas tocando juntos.


		Boca Livre vence divergências políticas e lança novo single
Capa do lendário disco 'Boca Livre', lançado em 1979. Foto: Divulgação

“A democracia venceu. Nós sempre a tivemos no grupo. Democracia não se faz apenas com dado político. Você está no grupo, dá uma ideia, um cara gosta, mas o outro não. Na pandemia, vivemos um momento muito difícil, de polarização política”, analisa Lourenço. Um disco primoroso, “Pasieros”, lançado ano passado nas plataformas de streaming, foi a pá de cal para que o mal-estar entre os músicos se tornasse um desentendimento bobo.

Faixa a faixa, o trabalho se revela pulsante nas notas de piano, nos acordes de violão e nas vozes do grupo. Há um suingue construído pela latinidade do cantor panamenho Rubén Blades, nome que possui boa aceitação no mercado fonográfico norte-americano. As músicas dele, em larga escala, tocam nas rádios nova-iorquinas e angelinas. Foi um disco que deu trabalho: era preciso encontrar a assinatura musical do Boca Livre na salsa de Rubén.

Para se ter uma ideia, os músicos entraram no estúdio em 2011, mas a obra só saiu 11 anos depois. “Demoramos tanto tempo porque queríamos manter a cara do Boca Livre”, relata Lourenço. O disco abre com “Sin Tu Cariño” e segue em “Buscando Guayaba”. Ambas são surpreendentes, pois o ritmo - estruturado na fusão bem sacada entre brasilidade e latinidade - ganha o tempero das teclas exuberantes do pianista João Donato.


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Capa do elepê 'Bicicleta', de 1981: obra tem participação de Tom Jobim. Foto: Divulgação

Com esses arranjos, fica difícil imaginar outro caminho que não fosse o Grammy, quando as questões que dividiram a banda foram deixadas de lado. David Tygel e Zé Renato ficaram presos num engarrafamento de limousines em Los Angeles e Lourenço Baeta agradeceu num inglês assustado ao prêmio. Os três, agora juntos, telefonaram para Maurício Maestro, que ficou no Brasil e acompanhou a solenidade pela internet. Era o primeiro reencontro.

“Foi um impulso. Afinal, é um prêmio importante da música internacional. Depois, Maurício me ligou e disse: ‘vamos voltar’”, recorda-se Lourenço. Veio, então, o segundo sinal: o produtor João Mário Linhares sugeriu que os dois primeiros elepês do grupo vocal fossem relançados nas plataformas de streaming. O primeiro virou fenômeno do disco independente no Brasil, com canções que marcaram a música popular brasileira, como “Quem Tem a Viola”, “Toada”, “Mistérios”, “Diana”. Um presente para os fãs.

Relançamento

A obra vendeu, ao todo, 150 mil cópias. Essa tamanha aceitação popular fazia consagrar uma música sofisticada. Os violões entrelaçam entre si e os vocais cobrem espaços entre um tempo e outro. Cada voz é um solo que não se perde da harmonia. Isso sem esquecer de falar no repertório: gente como Milton Nascimento (“Ponta de areia”), Toninho Horta (“Diana”, “Pedra da Lua”), Nelson Angelo (“Boi”, “Fazenda”), Geraldo Azevedo (“Barcarola do São Francisco”) convivem na obra com Fernando Brant, Joyce Moreno e Cacaso.

Já “Bicleta” (1980), que também entra no streaming, conta com o minimalismo harmônico de Tom Jobim nas faixas “Correnteza” e “Saci”. A obra possui ainda a percussão saborosa de Naná Vasconcelos. Tanto o primeiro elepê quanto o segundo, quando Lourenço passou a fazer parte do Boca Livre, são obras-prima dignas de figurarem na mesma prateleira de “Chega de Saudade” (1959), disco que modernizou o violão brasileiro, e “Samba Esquema Novo” (1963), responsável por apresentar ao Brasil a batida suingada do samba-rock.


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Vencedor do Grammy: 'Pasieros' mescla brasilidade com suingue latino. Foto: Divulgação

Tem mais: a consistência musical do segundo prova que o primeiro não se tratava de mero fogo de palha. As músicas falam por si: Zé vem com “As Moças” (com Juca Filho) e “Bicicleta”. Já Maurício com a singela “Neném” e David com a densa “Porto Seguro” (letra de Márcio Borges) e Lourenço, agora já parte do grupo, mostrou “Passarinho”. Era um repertório de letristas: Nelson Angelo e Cacaso (“Um Canto de Trabalho”), Danilo Caymmi e Ana Terra (“Nossa Dança”). Realiza-se aqui uma profissão de fé com a MPB.

Para Lourenço Baeta, a música sempre foi fator importante ao conjunto. “Acreditamos na força dela e nadamos contra a corrente”, afirma o músico, lembrando que as gravadoras recusaram “Bicicleta”. A indústria fonográfica queria repetir o padrão da disco music, gênero que havia tomado conta do Studio 54, em Nova Iorque. “Na nossa trajetória, tivemos sorte de sermos endossados por grandes nomes da MPB, como João Gilberto, Milton Nascimento e Tom Jobim.”

Contemporâneo de 14 Bis e A Cor do Som, Boca Livre representa a tradição de grupos vocais da música brasileira. Um deles - talvez o maior - é o The Sputniks, conjunto composto por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Jorge Ben Jor, no fim dos anos 1950. “Beatles também era um conjunto vocal. Claro, tinha aquela coisa do rock ´n roll, mas ‘Yesterday’, ‘Michelle’ e ‘Here Comes The Sun’ têm as vozes”, explica Lourenço. O Boca lança dia 27 de outubro o single “Rio Grande”. Aos palcos, a banda volta em novembro. Ano que vem saem em turnê nacional. “Queremos tocar em Goiânia, Brasília. Faz tempo que não passamos por aí.”

Boca Livre lançamento

Música: Rio Grande

Compositores: Zé Renato e Nando Reis

Disponível no streaming dia 27 de outubro

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