Cultura

Caetano Veloso e MPB experimental

Redação DM

Publicado em 7 de agosto de 2015 às 00:17 | Atualizado há 6 meses

Em 1973 chegava às lojas um LP chamado Araçá Azul, lançado pelo jovem Caetano Veloso, depois de ter passado uma temporada em Londres, motivada pela perseguição do regime ditatorial brasileiro aos artistas espertinhos demais para deixar passar as inúmeras críticas possíveis ao modo de vida estranho que o governo do Brasil “propunha” à sua gigante população. Trata-se de um disco de música experimental. Colagem de sons, vozes e grunidos. Uma atmosfera é criada para transmitir alguma coisa além de lazer em festas. Não parece “música”. Muitas pessoas compraram o disco sem saber disso, e depois devolveram à loja.

Com o passar do tempo, os artistas da fase “clássica” da MPB vão envelhecendo, mudando de estilo, mudando de ideais, criando novos resultados musicais através das interpretações da vida nas várias idades pelas quais passaram. Com a chegada da internet, que cria um arquivo de informações escritas, visuais e sonoras desses artistas, é possível que catálogos com todas as fases da carreira deles sejam acessados com muito mais facilidade que as escassas e pouco circuladas publicações em livros, jornais e revistas de antigamente.

 

Memória

Através desses registros pude perceber que os trabalhos que consagraram artistas brasileiros mundialmente não eram contemplados por programas de auditório, e que a canção de amor Sozinho não era o motivo da existência do nome Caetano Veloso na mídia. Descobri que seu primeiro disco continha músicas como Alegria, alegria, que relata em primeira pessoa cenas do cotidiano brasileiro da década de 1960, com versos como “Ela pensa em casamento, e eu nunca mais fui à escola, sem lenço e sem documento, eu vou… Eu tomo uma Coca-Cola, ela pensa em casamento, e uma canção me consola, eu vou…”.

Quando eu chegava na escola com 16 anos e dizia aos meus amigos que gostava de Caetano Veloso, eles não conseguiam entender que o que eu estava dizendo ia além do “por que você me deixa tão solto? Por que você não cola em mim?” ou de Leãozinho. Ouvir a loucura de instrumentos do disco Transa foi de deixar todo mundo surpreso, e gerar comentários como “Nunca pensei que existia música assim de gente do Brasil”.

Com um pouco mais de pesquisa, consegui levantar diversos nomes conhecidos com construções musicais complexas e extasiantes. Jorge Ben (Jor?) é um exemplo. Antes de escutar o disco África Brasil imaginava que o cantor fosse algum produtor de jingles da acessoria de imprensa do Flamengo, pois suas músicas sempre tocavam em programas esportivos. Também descobri nomes “inéditos” como Tom Zé, Walter Franco, Joyce, Nelson Ângelo, Marinho Castellar, José Mauro, Naire, Daminão Experiença, Marli e inúmeros outros.

 

Internet

Para quem nasceu na década de 1990, por exemplo, e tinha a TV aberta como meio principal de informação, a imagem de Caetano Veloso foi sendo desenhada como a daquele cantor tranquilo, que canta músicas românticas que sempre acabam virando trilha sonora de novela. Não dava para saber de onde ele saiu direito sem conversar com algum intusiasta da tropicália – movimento cultural dos fins da década de 1960, que propunha algumas novidades às fórmulas batidas de sucesso musical, além de críticas às mais variadas instituições de controle da vida humana.

Na casa onde eu nasci, em Goiânia, classificada por alguma força maior como classe C, não existia nenhum especialista em MPB. A descoberta da tropicália e da fase “cult” do Caetano Veloso foi adiada para meados da década de 2000, quando a tarifa cobrada pelo acesso à internet começou a caber no orçamento da casa. A descoberta se extendeu a vários outros artistas. Não sabia que o Chico Buarque havia feito um disco chamado Meus Caros Amigos em Exílio, cheio de ideias subliminares, nem que o Milton Nascimento havia participado do disco Clube da Esquina, considerado primoroso por gente do mundo todo.

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