Campinas Offline
Diário da Manhã
Publicado em 9 de junho de 2017 às 01:52 | Atualizado há 4 meses
O fim do horário comercial de sábado conduz o bicentenário bairro de Campinas ao seu oculto espírito anestesiado. O primeiro dia da semana é o único capaz de deixá-lo dormir por 24 horas. O amanhecer do domingo é um fenômeno natural exclusivamente habilitado a fazer com que as ruas de Campinas libertem-se dos carros. Quase um comum acordo entre seus proprietários: no dia do sol não é necessário competir por uma vaga de estacionamento gratuito nas beiras de calçada do setor. Mesmo os incontáveis letreiros parecem menos estressados ao descansar de suas funções: em frente às lojas fechadas, conseguiriam até ser taxados como obras controversas de arte urbana. O mesmo cenário, numa segunda-feira, poderia ser facilmente interpretado como pós-apocalíptico.
Na manhã seguinte, as portas de aço abrem-se como bocas famintas a engolir pessoas, como se nada tivesse acontecido no dia anterior. Couros, malhas, pregões, roupas, calçados, máquinas de costura, instrumentos musicais, festas, lanches, embalagens, bebidas, brinquedos, produtos agropecuários, balinhas, cosméticos, utilidades em 1,99 e capinhas de celular. É possível encontrar ou descobrir a existência de quase tudo no comércio de Campinas. Andar pela zona comercial do setor durante a semana é como ver dezenas de possibilidades de gastar dinheiro por milésimo de segundo. Tudo isso muito bem anunciado pela maior variedade de banners e sonoras ao vivo em Goiânia, o que torna esse espaço específico do universo um complexo polo de publicidade não acadêmica a ser estudado.
A força das esquinas retratadas nesta página não simboliza apenas a importância da região comercial de Campinas para Goiânia nos dias atuais. Vai muito além disso. A tendência atacadista do ex-município, que localizava-se na rota ferroviária, foi crucial na escolha do local de fundação da nova capital. No período de construção de nossa cidade, Campinas já era um centro urbano consolidado, de fundamental importância na manutenção de comércios e serviços necessários para a prosperidade e para o futuro da nova cidade. Muitos pioneiros de Goiânia optaram por viver em Campinas, devido ao conforto que o local oferecia em relação ao novo Centro, que ainda estava em processo de construção física.
Sensorialmente falando, um passeio descompromissado pelo bairro de Campinas no domingo induz-nos a um impressionante retrato de calmaria, e desenha de forma ímpar a pausa dominical na rotina frenética de Goiânia. Todos aqueles figurantes que preenchem as cenas de nossas passagens pelo setor em meios de semana parecem ter sido distribuídos automaticamente em suas casas espalhadas pela imensa malha metropolitana. As avenidas estreitas da região, que são simultaneamente importantes vias de locomoção para outras regiões e estacionamento para comércio, parecem ter sido evacuadas pelo cansaço. Os letreiros antigos dos blocos que ficam entre a Anhanguera e a Castelo Branco parecem transportar-nos a uma versão mais intimista do Texas.
Ficção
Numa representação cinematográfica futura de Goiânia, poderíamos observar um fim de tarde protagonizado por alguma senhora na varanda de casa, no arraial Campinas, século XIX. O olhar lançado pelo horizonte alcança apenas o verde de escurecido pela penumbra. Ela se levanta, e por alguns segundos pensa ter visto a silhueta de alguns prédios no lugar da sombra das árvores. Uma câmera percorre o ponto de vista de nossa atriz em 360º, depois entra um plano aéreo do ambiente cercado pelas luzes de uma metrópole de 1,5 milhão de habitantes. Ela pensa ter sido abduzida por forças ocultas, e não atribui significado lógico ao brilho eletrônico das noites do século XXI, até acordar de um sonho da maneira mais clichê possível, com o barulho tranquilo dos pássaros, em 1800 e alguma coisa.