Cultura

Cartas a um pai na prisão

Diário da Manhã

Publicado em 5 de abril de 2017 às 03:00 | Atualizado há 4 meses

  • José Genoíno Neto foi preso na guerrilha do Araguaia, em 1972, sofreu torturas e amargou cinco anos atrás das grades
  • Fundador do PT, em 1980, elegeu-se deputado federal, boicotou o Colégio Eleitoral, presidiu a sigla e sucumbiu à AP 470
  • A sua cela, na Papuda, era pior do que à época da ditadura e um preso é quem aferia a sua pressão e as condições de saúde
  • Miruna Genoíno, filha, denuncia suposto pensamento único inquisitório sem direito à defesa dos conglomerados de comunicação

 

– O presídio da Papuda, em Brasília, oferecia condições piores do que as penitenciárias da ditadura civil e militar.

 

É o que narra a pedagoga Miruna Kayano Genoíno, 36 anos, filha do ex-guerrilheiro preso nas selvas, em abril de 1972, no Araguaia, conflito organizado pelo PCdoB, sob inspiração das ideias de Mao-Tsé-tung, preso por cinco anos e que depois virou deputado federal, presidente nacional do PT e condenado pelo Supremo Tribunal Federal, Ação Penal 470.

 

– Um preso comum é quem aferia a pressão diária do hipertenso, com grave cardiopatia, José Genoíno Neto.

Quadro clínico

Emocionada, ela narra, em detalhes, em forma de cartas, que o velho socialista hoje moderado não podia responder, para a tristeza de sua alma, e que ele estava em processo de recuperação da cirurgia de dissecção da aorta, além do micro Acidente Vascular Cerebral [AVC] a que havia sofrido. Doente, o condenado tomava uma série de medicamentos todos os dias, frisa.

 

– A minha família foi massacrada diariamente, de forma imparcial e violenta – do mau jornalismo – pelos conglomerados de comunicação no Brasil.

 

Miruna Genoíno relata, sem medo, que a mídia, no País, criou uma narrativa única de condenação. Não ouviu a versão dos acusados, os argumentos da defesa, explica. O jeito de superar isso foi buscar não assumir jamais a postura de vergonha ou receio, observa, em tom de indignação, contra os podres poderes, diria Caetano Veloso, ícone da MPB exilado em Londres, Inglaterra.

– Vamos seguir lutando por justiça sempre.

Outro lado

Esse é o outro lado da História, pontua. Um retrato por dentro de como se vive as dificuldades, sublinha. Processos – Kafkianos? – que buscam atropelar o humano, define. As cartas são o eixo central, expõe. Apesar disso, não são de idas e vindas, adianta ela. O meu pai, José Genoíno Neto, não podia responder as mensagens enviadas, relata a dor da ausência da resposta.

 

– Elas foram a minha maneira particular de manter-me próxima a ele, quando esteve na Papuda.

 

A ideia central do meu livro recém-lançado Felicidade fechada, Editora Cosmos, edição do ano de 2017, é a de que é fundamental buscar sempre ‘o outro lado da história’, confidencia ela. Tivemos que encontrar uma editora com coragem e disposição para contar este outro lado da história, destaca. Recebi recusas de editoras e muitos silêncios, desabafa, lamenta, a autora.

 

– Editores simplesmente não me respondiam nada, mesmo tendo eles mesmos solicitado meu material. Eu já tinha desistido de fazer meu livro ser uma verdade quando encontrei a Editora Cosmos.

 

Não é diálogo muito menos catarse em forma epistolar, avalia. É o outro lado da história, dispara. Não fui ver a cela, pois eu sempre me abalo demais com tudo o que se relaciona com meu pai, José Genoíno Neto, informa com exclusividade para o DMRevista, do Diário da Manhã. A minha mãe diz a que a Papuda tinha condições piores que os presídios nos quais ficaram na época da ditadura.

O papel dos conglomerados de comunicação, controlados por sete famílias, no massacre contra José Genoíno, obtiveram centralidade, crê. Ao criarem uma única narrativa: a de que meu pai deveria ser condenado, pois o PT precisava ser criminalizado, conceitua. Além disso, transformaram juízes em pessoas ‘pop’, atira. A referência é a Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal [STF]. O ministro da Suprema Corte já aposentou-se.

 

– Que, com isso, deixaram de lado a necessária imparcialidade que um julgamento justo requer. As manchetes eram tendenciosas e inclusive tentaram insinuar que meu pai não estava em condição de saúde delicada.

 

Saúde

As condições clínicas de José Genoíno Neto, em 2017, são boas, registra. Ele finalmente conseguiu controlar as questões de coagulação de seu sangue e está se cuidando, aponta, animada. Registro: o socialista integrou o PC do B, depois abriu dissidência e ingressou no PRC [Partido Revolucionário Comunista], fundou a socialdemocrata Democracia Radical e compôs o antigo Campo Majoritário do PT, hoje Construindo Um Novo Brasil, a CNB.

A pedagoga possui uma visão crítica dos tempos sombrios no Brasil. A autora de Felicidade Fechada denuncia o que classifica de judicialização da vida política nacional. Mais: ela mostra a gravidade das crises política, econômica e social do País. Cáustica, Miruna Genoíno denuncia a violação dos direitos dos trabalhadores – urbanos e rurais. Com reformas liberais.

Golpe frio

Sem malabarismos teóricos, Miruna Genoíno diz que a então presidente da República, a também ex-guerrilheira Dilma Vana Rousseff Linhares, sofreu um golpe frio, moderno, em 2016. Michel Temer, vice-presidente da República, conspirou e ocupou o Palácio do Planalto, sem votos. Dilma Rousseff obteve 48, 5 milhões de votos válidos. Com ela, sofreu um golpe nossa democracia, fuzila.

 

– Mas o meu papel não é de fazer estas análises…

 

O projeto para o futuro de José Genoíno Neto, segundo Miruna Genoíno, não inclui nada em especial. O companheiro de Luiz Inácio Lula da Silva, dono de um patrimônio modesto, um homem de ideias, que chegou até pegar em armas para defendê-las, quer seguir a vida que lhe resta fazendo suas reflexões, cuidar de seus netos e dedicar-se integralmente à sua família.

 

– O que esperar de Michel Temer? Apenas que ele não destrua, no pouco tempo que tem, tudo aquilo que foi construído em nome do bem-estar social.

 

O presídio da Papuda, em Brasília, oferecia condições piores do que as penitenciárias da ditadura civil e militar

Miruna Genoíno,Autora de Felicidade Fechada

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Perfil

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Nome completo – Miruna Kayano Genoino

Idade – 36 anos

Formação – Pedagogia

Pais – José Genoino Neto e Rioco Kayano

 

SERVIÇO

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Título do livro – Felicidade Fechada

Editora – Cosmos

Número de páginas – 226

Preço – 65 reais

Onde encontrar – Livraria Cultura, Saraiva, Amazon

 


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