Cultura

Celeiro do mundo (II)

Redação DM

Publicado em 24 de janeiro de 2017 às 00:49 | Atualizado há 8 anos

Na última crônica, falamos sobre o tão desvalorizado quanto vilipendiado proprietário de terras – o fazendeiro, o brasileiro que se dedica a plantar, colher, produzir alimentos, mediante o exercício de atividades agropastoris.

Ninguém mais do que esse abnegado cidadão é visto com desconfiança pelos profissionais da mídia e/ou pelos ideólogos e estudiosos da assim chamada realidade nacional. Muito embora taxado de ignorante, inescrupuloso, desalmado explorador da terra e dos seus semelhantes, o proprietário e produtor rural – o pequeno, o médio ou o grande – tem sido o sustentáculo da economia brasileira. Enquanto a indústria e os serviços encolhem na crise, as atividades do setor primário da economia vêm crescendo, em decorrência da modernização dos padrões e dos métodos empregados.

Isso não significa, é claro, que tudo esteja perfeito e que os avanços aconteçam sem mazelas e erros. Sendo o primeiro deles a devastação das florestas, a começar pela outrora luxuriante Mata Atlântica, da qual hoje sobrevivem apenas remanescentes que atestam o que foi sua pujança e beleza em outros tempos.

Seguindo o costume indígena, o agricultor – durante gerações – optou pela formação de roças em terrenos antes submetidos a queimadas, com as quais se pretendia facilitar a destoca e extinguir os espécimes daninhos. Ainda vigentes nos dias de hoje, as queimadas continuam a extirpar a cobertura vegetal nativa – mata ou cerrado – e substituí-la por lavouras ou pastos destinados ao “boi verde”, valorizado no mercado de carnes e derivados.

No Nordeste brasileiro, a continuada exploração predatória do cinturão fértil próximo ao litoral resultou na desertificação de parte dessa região, agravando os problemas de escassez de chuvas e secas intermitentes. Em regiões do cerrado de Minas Gerais, de Goiás e de ambos os Mato Grosso, a devastação faz-se sentir na derrubada criminosa das matas ciliares e dos capões de mato, onde vicejavam madeiras de lei, portentosas árvores de imponente majestade e durabilidade secular.

Em muitos estados – inclusive em Goiás, onde nascem cursos de água que demandam as bacias do Amazonas, do São Francisco e do Prata – córregos e ribeirões estão reduzidos a inexpressivos filetes, ou secaram completamente. A vegetação está sendo devastada, até mesmo as árvores típicas do bioma, nodosas e retorcidas, cujas raízes profundas asseguram a permeabilidade do solo. Com a diminuição desta, é afetado o lençol freático. E o clima está mudando, com o regime de chuvas irregular quando não escasso, as temperaturas elevadas e a umidade relativa do ar menos favorável à vida.

Isso não significa, é claro, que se deva diminuir ou frear a expansão da atividade agropastoril, mas racionalizá-la e compatibilizá-la com a preservação do solo, matas, rios e mananciais. No momento atual, quando tudo indica que a política isolacionista de Donald Trump irá hostilizar a China, corremos o risco de uma corrida para o Brasil em busca de alimentos e até de água para um bilhão e trezentos milhões de chineses. E para dourar a pílula, dirão que somos “o celeiro do mundo”…

Na verdade, eles – os interessados – já estão aí, adquirindo terras, pontificando tecnologia e instalando infraestrutura para atenderem seus compatriotas, necessitados de comida e de água, depois de inutilizarem parte do seu próprio território. Até mesmo poluindo e quase matando seu maior rio – o Rio Amarelo – cujas águas minguaram e já não alcançam a antiga foz, no oceano.

Ninguém ignora que os grandes ases do agronegócio são poderosos investidores, bancos e multinacionais sequiosas de lucro. Os fazendeiros tradicionais, apegados à sua gleba e os produtores de pequeno e médio porte voltam-se para o mercado interno e são mais comedidos. O perigo está na ganância e na sede de lucro que se sobrepõe ao interesse comum, qual seja o respeito à mãe-terra, às águas e ao solo, fonte inesgotável de alimentos e de vida.

Pensando bem, vem em boa hora a denúncia contida no samba-enredo da escola de samba Imperatriz Leopoldinense: “Xingu, o clamor que vem da floresta”. Na Marquês de Sapucaí o assunto terá ampla repercussão e levará ao debate, de modo a que se defendam os interesses do Brasil, alvo de permanente ameaça de internacionalização de seus recursos naturais. Como a Amazônia – lembram-se?

Uma pergunta se impõe: haverá lideranças esclarecidas neste País, capazes de equacionar tais problemas e levá-los a bom termo?

 

(Lena Castello Branco ,[email protected])

 

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