Cultura

Ditadura, guerrilha, amor, lágrimas

Diário da Manhã

Publicado em 22 de dezembro de 2020 às 19:32 | Atualizado há 4 meses


Diretora: Isa Albuquerque

Avaliação: Visceral. Indispensável





Ana Maria Nacinovic, militante da Ação Libertadora Nacional, a ALN, alvo de 348 tiros. De agentes do Estado. Sob a ditadura civil e militar no Brasil. ‘Ditabranda’. Como anotou a Folha de S. Paulo. Trata-se da primeira mulher de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. Estuprada. Espancada. Socos no rosto abalaram-lhe a mandíbula e dentes. Com choques elétricos. No ânus. Na vagina. Presa em 1974, no DOI – CODI DP, com curso em Cuba, a sua mãe Maria Sarmento Coelho da Paz conheceu a sucursal do inferno. Não entregou o filho. O último comandante militar  da organização  de luta armada fundada pelo mulato baiano Carlos Marighella.

Não houve aula. Nem no dia primeiro muito menos em dois de abril do ano de 1964. No Rio de Janeiro. Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz possuía apenas 13 anos de idade. O garoto avisa a sua mãe, Maria Sarmento Coelho da Paz. A informação é veiculada pelo rádio. Motivo: golpe de Estado civil e militar. Com a deposição do nacional-estatista, em sua versão trabalhista, João Belchior Marques Goulart, ex-zagueiro das categorias de base do Internacional de Porto Alegre e ex – ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. Secundarista, do Dom Pedro II, ao lado de Iuri Xavier Pereira e de Marcos Nonato da Fonseca testemunham as revoltas de 1968.

Filme é selecionado para os festivais de Toulouse e BordeauxIsa Albuquerque, cineasta

Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, menor de idade, encontra-se com Carlos Marighella. Na Cidade Maravilhosa. A esquerda em armas. A primeira operação, no Cine Ópera. O batismo de fogo. Primeiro, o  levantamento preliminar. Saldo: saíram sem uma mísera moeda e com o segurança baleado com mais de dez tiros. O balanço foi feito em uma pelada de futebol. Domingos Fernandez, que acaba de morrer, em 2020, vascaíno, é quem estabelece o codinome de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. A saber: nom de guerre Clemente. Para um apaixonado no Clube de Regatas Flamengo. Ari Clemente era um lateral cruzmaltino.

Convocado para o alistamento militar, em 1968, Clemente, que faria treinamento em Cuba, opta em consultar Carlos Marighella. O ex-deputado federal constituinte, eleito em 2 de dezembro de 1945, pelo Estado da Bahia, na breve legalidade do PCB do século XX, orienta-o a treinar no Forte de Copacabana [RJ]. O único a ministrar cursos de contraguerrilha. De comtrainsurgência. O revolucionário da ALN vira o Soldado Paz, 810. Segunda Bateria. Vibrador. Consórcio estabelecido entre MR-8 e ALN, como registra Franklin Martins, em Codinome Clemente, captura o embaixador dos EUA, no Brasil, Charles Burke Elbrick. Caçada à ALN.

Documentário obteve os prêmios da crítica e júri popular, Aruanda

Isa Albuquerque, cineasta

Carlos Marighella morre em 4 de novembro de 1969. Clemente transfere-se para São Paulo. Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, delatado, cai em 23 de outubro de 1970. Morto sob tortura. Henning Albert Boilesen é justiçado. Clemente deu o tiro de misericórdia. No dinamarquês radicado no Brasil, presidente da Ultragaz, que financiava e testemunhava sessões de torturas a presos políticos. Data: 15 de abril de 1971. Já Márcio Leite Toledo, treinado em Cuba, membro da Coordenação Nacional da ALN, sumira 40 dias após a morte de Joaquim Câmara Ferreira. Sem entrar em contato com a organização. Depois, em ação militar, com uma metralhadora nas mãos, deixa a área de cobertura dos militantes. A ALN lhe propõe sair do Brasil. O  ativista nega a oferta. É justiçado. Era um risco para a ALN. Não me arrependo, atira.

Após um breve ponto, Clemente resolveu seguir o cabo José Anselmo dos Santos. Um ‘cachorro’. Homem que passa a colaborar com a repressão política e militar. Ele se encontra com o delegado do Deops SP Sérgio Paranhos Fleury, de olhos azuis e consumidor compulsivo de cocaína. Clemente dispara um tiro que acerta, de raspão, o nariz do torturador e integrante do Esquadrão da Morte. Um dos responsáveis pelas 1049 ossadas em sacos encontradas em 4 de setembro de 1990,Cemitério Dom Bosco, Perus, São Paulo, sob uma vala clandestina.  Com um instinto de gato, sobreviveu aos tempos sombrios da luta armada _ 1967-1973. Sem cair.

A ALN e o MRT, infiltrado, programaram capturar, em um domingo, na entrada da Igreja Batista, São Paulo, o Comandante do II Exército Brasileiro, Canavarro Pereira. Antes de uma celebração evangélica. Da Igreja Batista. Em São Paulo. Ninguém morreu, saiu ferido, caiu ou capturado. Homem que amava as mulheres, não era duro. Apenas nas lutas. Contra a ditadura civil e militar. Um poço de ternura. Lágrimas e sorrisos. Um ser humano que queria tomar de assalto os céus. O projeto de luta armada não encontrou eco na sociedade, que a rejeitou. Ex-MR-8, Franklin Martins já dava o recado desde 1972. Em Santiago. Chile. De Salvador Allende.

A sua cabeça estava estimada em um milhão de dólares. Pelo DOI-CODI [SP], Deops [SP] e a ‘caixinha gorda’ da ditadura civil e militar. Antes da crise do Petróleo. De outubro de 1973. A direção nacional da ALN vota a aprova o seu exílio. Primeiro, o Chile. Em seguida, a URSS. Por último, a França. Em Paris, trabalhou como instalador de carpetes. A anistia é promulgada. Em 28 de agosto de 1979. A sua volta ao Brasil ocorre somente em fevereiro de 1981. Para encontrar-se com Carlos Coelho, o seu pai, que não concordava com as ideias do filho e nunca lhe delatou, apesar das pressões dos agentes policiais, com câncer, no leito de sua morte. Multifacetado. Clemente era assim. Como?  Meio tropicalista,  Caetano Veloso e Mutantes. (Renato Dias/ Especial para o DM)

Serviço

Filme: Codinome Clemente

Gênero:Documentário



Diretora: Isa Albuquerque

Avaliação: Visceral. Indispensável





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