
Talking Heads zunindo no som: uh-oh, o amor chegou à cidade. Esses caras queriam criar boas músicas no formato canção. David Byrne confessou tal objetivo nos anos 1970.
As performances ao vivo tornam o grupo norte-americano um dos mais elogiados daquelas noites no lendário CBGB. Byrne (guitarra e vocal), Chris Frantz (bateria) e Tina Weymouth (baixo) foram contratados pelo empresário Seymour Stein. Faltava algo ali, porém.
Chamaram o guitarrista Jerry Harrison, ex-Modern Lovers. Mandava bem, o cara. O ritmo era limpo, a base funcionava bem, as partes se encaixavam. Estavam prontos para gravar o primeiro bolachão, que foi produzido por Tony Bongiovi, primo do pop star Jon Bon Jovi.
Mas logo de cara pintou um certo receio entre o público: talvez o Talking Heads estivesse se arriscando muito na busca insensata pela validação comercial. Ora, aplicar energia criativa nisso faria a música soar fabricada demais, artificial demais, fofinha demais. Chata demais.
Tal receio se dissipou assim que a áspera “Uh-Oh, Love Comes To Town” abrira o disco “Talking Heads: 77”. Ali, Byrne revelou sua paixão pela música produzida nos anos 1960. A voz funky se convulsiona naquele sentimento pelo qual vale a pena jogar-se à vida. Pule, sente-se, pule, sente-se. Relaxe, cara. “O amor chegou à cidade”, contorce-se o vocalista.
Falar o quê? Talking Heads tá ótimo, show de bola, na estica. Tudo deveras amarradinho: a vocalização emitindo tons preciosos de tensão necessária, a guitarra econômica pondo a música lá pra cima com acordes funkeados, o baixo irresoluto costurando a voz de Byrne.
Cordas psicodélicas aparecem no monólogo “Psycho Killer”, hit atemporal. As faixas “New Feeling”, “Don´t Worry”, “About The Government”, com suas linhas de guitarra diferentonas, repentinas mudanças no direcionamento e letras líricas mas desconexas, descortinavam a receita sonora da banda. Você meio que identifica ali punk, funk e disco.
Assim, em grande estilo, o Talking Heads abraçou o sucesso. Depois, a banda beijou-o. Aí, amigo, os holofotes iluminados pela lâmpada pós-punk se voltaram ao grupo, que antevia a febre new wave dos anos 1980. Até o terno de Byrne, nessa época, virou indumentária pop.
Era enorme, a roupa, com ombreiras gigantes, dando à cabeça do músico tamanho reduzido. O clipe de “Girlfriend Is Better” foi exibido zilhões de vezes na televisão. Byrne e seu terno inconfundível foram parar no cartaz do filme-concerto “Stop Making Sense”, dirigido pelo cineasta Jonathan Demme, queridinho do público pelo drama “O Silêncio dos Inocentes”.
Registro do concerto realizado no Hollywood Pantages Theatre, Los Angeles, em 1983, o grupo estava em plena forma. Aparece fácil, fácil dentre os dez melhores filmes sobre rock já feitos. “Stop Making Sense” saiu em 1984, mesmo ano em que foi lançado disco homônimo.
O longa, com duração de 88 minutos, traz interpretações espetaculares para canções eternizadas. “Slippery People”, “Burning Down the House” e “Life During Wartime” são responsáveis pelo auge do show. Há que se elogiar ainda “Genius of Love”, cujo riff de guitarra, totalmente incandescente e excitante, embala casais em pistas de dança.
“Genius of Love”, inclusive, explodiu nas paradas norte-americanas. É uma boa música composta pelo casal Tina e Chris. Ambos tinham criado à época um grupo paralelo ao Talking Heads, o Tom Tom Club. Essa canção é interpretada no exato momento em que Byrne sai do palco para um curto hiato. E a plateia, claro, vai à loucura em Los Angeles.
Abertas as alas para sua última parte, “Stop Making Sense” termina com “Girlfriend Is Better”, “Take me to the River” e “Crosseyed and Painless”. A música boa se preserva atual, como se estivesse sido lançada na semana passada. Talking Heads faz parte desse time.