Cultura

Filme retrata transfobia com linguagem nonsense

Diário da Manhã

Publicado em 4 de fevereiro de 2021 às 20:23 | Atualizado há 4 meses


O cinema, enquanto instrumento artístico, eleva as possibilidades para abordar questões pertinentes ao mundo contemporâneo. É o que os diretores Matheus Farias e Enock Carvalho fizeram com o curta “Inabitável”, filme que foi exibido no Festival de Sundance, nos Estados Unidos. 

A produção, com pouco mais de 15 minutos, se vale de elementos narrativos nonsenses para retratar uma situação dramática: a transfobia no País que mais mata LGBTQIA + no mundo. No centro da trama, a personagem Marilene (Luciana Souza) vive em meio à dor de uma mãe que não sabe se sua filha trans vai ou não voltar para a casa. Em outras palavras: é um filme que defende a vida contra o preconceito e o ódio.

“O Brasil infelizmente tem se mostrado um país ainda retrógrado na aceitação e acolhimento dessas pessoas”, lamenta Enock Carvalho, em entrevista ao Diário da Manhã. Nesse sentido, “Inabitável” é um passo à frente na discussão sobre lgbtfobia, racismo, machismo, respeito e tolerância. O que está em pauta, ao longo do curta, é a existência dessas pessoas e o direto à vida: o real e o não real se misturam porque a presença da ficção-científica proporciona novas realidades e novos futuros. 

Para Enock, a exibição em Sundance volta os olhos dos norte-americanos para o “Inabitável” e para tudo o que está representado na obra e que faz parte do Brasil, como a violência de gênero, questões étnicas e raciais, bem como “nossas mazelas ainda sem reparação”. “As atenções se voltam também para situações da política brasileira, que tem feito muitas vítimas em virtude da pandemia e dos descasos com a população LGBTQIA +, além das populações negras, indígenas e quilombolas”, diz.  

Desde sua estreia em agosto do ano passado, o curta construiu uma empolgante carreira em festivais brasileiros e internacionais, com 10 prêmios. Em Gramado, a atriz Luciana Souza – conhecida pelo público por causa das atuações em “Bacurau”, “Ó Pai Ó” e “Flores Raras” – recebeu prêmio e conquistou ainda troféu no Festival Mix Brasil, além de Brasília, onde também todo o elenco (formado pelas atrizes pernambucanas Sophia William, Erlene Melo, Laís Vieira e Eduarda Lemos) teve menção honrosa.




“O filme acumula uma série de boas impressões nos festivais brasileiros em que é exibido desde a estreia. E em Sundance, nos Estados Unidos, ganha uma nova força e alcança o público norte-americano. É incrível ter um filme feito no Nordeste do Brasil, com elenco quase que inteiramente composto por mulheres, ocupar um espaço de destaque na programação do maior festival de cinema dos Estados Unidos”, explica ao DM o diretor Matheus Faria, que já dirigiu os curtas-metragens “Caranguejo Rei” (2019) e “Quarto Para Alugar” (2016).

Os filmes foram exibidos em 80 festivais e, atualmente, Matheus prepara seu primeiro longa, ainda sem data para ser lançado. Para esse novo filme, a ideia é flertar com o cinema de gênero, aprofundando a crise brasileira e costurando o passado, presente e futuro da sociedade brasileira. O projeto chegou a participar do Laboratório Novas Histórias, do Sesc e Senac São Paulo. 

De fato, ter a oportunidade de integrar a programação de um dos festivais mais importantes do mundo não é um feito qualquer. No entanto, há pouco o que se comemorar ao olhar para a forma com que o cinema e a cultura vêm sendo tratados no Brasil, com crise na Cinemateca e falta de incentivo: o documentário “Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, de Bárbara Paz, por exemplo, não teve incentivo estatal para custear despesas referentes à campanha para o Oscar. 

Segundo o diretor Enock Carvalho, que é parceiro de Matheus desde “Quarto Para Alugar”, o descaso em torno da Cinemateca Brasileira, que conta com crise financeira a ponto de não ter recurso para pagar despesas básicas, é um bom resumo sobre a falta de cuidado ou preocupação das autoridades com um setor que emprega muita gente e gera renda para o País. “Inabitável”, vale dizer, contou com 40 profissionais pernambucanos e de outros estados. “Cultura é educação”, afirma o cineasta.

“Acho que o maior desafio é fazer com que o Governo entenda de uma vez por todas que os artistas merecem respeito e que querem continuar trabalhando, e que precisamos da cultura para formação da nossa sociedade”, argumenta. A cultura é tão necessária que, em cada festival que “Inabitável” é exibido, a aceitação do público é diferente, nova e mostra que o Brasil – muito além de velhas narrativas comandadas por privilegiados – é diverso e precisa dela para contar sua própria história. 

Definitivamente, o fato de “Inabitável” ser exibido online permite que mais pessoas assistam a um curta tão necessário e importante. Afinal, precisamos falar sobre transfobia: então que tal começar vendo esse curta e refletindo sobre ele?


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