Gal Costa reaparece em single triplo extraído de último show
DM Redação
Publicado em 25 de setembro de 2025 às 19:33 | Atualizado há 2 horas
Marcus Vinícius Beck
Na noite do dia 17 de setembro de 2022, quando performara sua rebeldia e alegria pela última vez, a cantora Gal Costa se pôs diante de 16 mil pessoas durante o Coala Festival, no Memorial da América Latina, em São Paulo. A maioria era 50 anos mais nova do que ela.
Gal reinou absoluta naquele dia ameno na capital paulista. Como fizera até ali, equilibrou-se entre técnica e emoção. Enquanto entoava “Um Dia de Domingo”, composição de Michael Sullivan, o telão mostrava mãe e filha chorando no refrão: “Faz de conta que ainda é cedo.”
A cantora, contudo, não se prendia ao passado. No show, recebeu os pupilos Rubel e Tim Bernardes, ambos com 31 anos à época, junto dos quais gravara faixas para o seu último álbum, “Nenhuma Dor”, de 2021. “São meus namorados”, disse, referindo-se aos artistas.
Dona de voz trovejante, Gal sabia-se capaz de alastrar as labaredas da transgressão. Partiu de João Gilberto para encontrar, na música de Janis Joplin e Jimi Hendrix, o som perfeito. Nunca se perdeu em preconceito, reinventando-se disco a disco e experimentando ideias.

Soa, por isso, assertiva a aposta da gravadora Biscoito Fino, que disponibilizou ontem no streaming o single triplo “Como 2 e 2 + Vapor barato + Brasil”. Trata-se de um registro extraído do show no Coala. Gal morreria no dia 9 de novembro daquele ano, aos 77 anos.
Com Rubel, emerge interpretando “Como 2 e 2”, de Caetano Veloso. A voz, cristalina, está acima de qualquer suspeita: canta com o mesmo desejo com que cantava nos anos 1970, quando a criatividade encontrou resposta na repressão provocada pela ditadura militar.
“[A voz] acompanha minha alma, meu coração e meu espírito. Canto com o mesmo tesão. Quando eu estrear, você vai dizer se assina embaixo do que estou dizendo”, declarou Gal antes de um show com o qual pretendia “matar a saudade” de Salvador (BA), em 2010.
Como intérprete sentimental, Gal senta-se à mesa sem dever nada para Ella Fitzgerald, Billie Holiday e Nina Simone. A baiana exibe, segundo a historiadora Tânia Costa Garcia, professora na Universidade Estadual Paulista (Unesp), uma versatilidade “ímpar”.
Na faixa “Vapor Barato”, a 2ª do single triplo, a postura imponente se revela ao cantar o primeiro verso do poeta Waly Salomão. A guitarra, sobrepondo-se aos sussurros de bateria, pontua a voz afinadíssima da artista. De repente, Tim Bernardes entrega-se à música.
O refrão, como num clímax, explode: “/Oh, minha honey baby/ Baby, honey baby/ Oh, minha honey baby/ Oh, minha honey baby/ Honey baby.” Gal, correspondendo-se com um rapaz que é o tal, desdenhando dos defeitos do dito-cujo, atravessa gerações.
Assim como no pré-espetáculo soteropolitano, realizado há 15 anos, o tempo (esse senhor de destinos) a glorificou. O sucesso, conforme disse ao jornalista Marcus Preto, produtor de “Como 2 e 2 + Vapor barato + Brasil”, lhe garante a qualidade que mostra ao público.
Anistiada pela história, Gal refletia sobre seu repertório. “Todos gostam de ouvir músicas antigas, principalmente aquelas que tiveram papel importante na história da música popular brasileira”, analisou em bate-papo com Preto, então repórter do jornal “Folha de S. Paulo”.
Por fim, o samba-rock “Brasil”, de George Israel e Cazuza, surfa na onda de “Vale Tudo”, já que é o tema de abertura da novela. A composição, retrato da elite brasileira, serve como um sopro político terminal da voz que estabeleceu revoluções musicais desde os anos 1960.
Quando despediu-se de Goiânia, com show no Rio Vermelho, em 21 de maio de 2021, Gal tirou o público de seus assentos para solfejar os versos que desmascaram uma certa classe abastada: “Brasil, mostra a tua cara/ Quero ver quem paga/ Pra gente ficar assim.”
Ao DM, Gal declarou: “A música me dá equilíbrio. Vou trabalhar até quando puder. O atual momento da minha carreira é estar no palco e já pensar em coisas novas.” O disco completo do show no Coala sairá no próximo dia 17. Que tal desnudar as várias faces de uma estrela?