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Geórgia Cynara: ‘Eu rio de deboche, eu gargalho’

Ao Diário da Manhã, autora fala sobre desafios criativos pelos quais passou para escrever "Memórias Crônicas de uma Mulher Sem Vergonha", livro que lança sábado

Geórgia Cynara, escritora: nova publicação aborda diferentes fases da vida de uma mulher - Foto: Regina Esteves/ Divulgação Geórgia Cynara, escritora: nova publicação aborda diferentes fases da vida de uma mulher - Foto: Regina Esteves/ Divulgação

Tem “Memórias Crônicas de uma Mulher Sem Vergonha” neste sábado, 23, no Tô Bar, a partir das 19h. Boas memórias, aliás. Gigi se empodera frase a frase. Antes de qualquer encontro, avisa, o encontro é com ela mesma. Põe ponto final nas lembranças assistindo ao desfile da escola de samba após beber cervejinhas. Lá pelas tantas, na terceira pessoa do singular, recorda-se de uma mulher que saiu do banheiro e, de repente, viu um “Pikachu grisalho todo exibido sobre a cama do motel”. Ela estava fantasiada de Madonna naquela lendária turnê de 90.

São passagens que estão nas crônicas curtas reunidas na obra “Memórias Crônicas de Uma Mulher Sem Vergonha” (editora negalilu), livro publicado pela escritora Geórgia Cynara. Com linguagem bem-humorada, fluída e sedutora, os textos evocam momentos vividos por Gigi, numa obra em que se desnuda, na verdade, a busca pela ancestralidade, os sonhos realizados, as frustrações pessoais e as transformações existenciais, bem como as descobertas como mãe e filha. Há ainda as desventuras da professora, jornalista, artista e amante.


		Geórgia Cynara: ‘Eu rio de deboche, eu gargalho’
Obra recebeu ilustrações da colagista Eugênia Fraietta. Foto: Divulgação


“Memórias Crônicas de Uma Mulher Sem Vergonha” (R$ 50,00) recebeu ilustrações da colagista Eugênia Fraietta, amiga da autora. Goianiense nascida em março de 1983, graduada em Comunicação Social pela UFG e pós-doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela USP, Geórgia leciona no curso de Cinema e Audiovisual da UEG. Além de “Memórias Crônicas…”, é autora do livro “O compositor-camaleão: A música de André Abujamra no Cinema Brasileiro”, no qual traz informações pertinentes sobre Abujamra.

Geórgia conversou na última semana com este repórter sobre produção literária e de que forma é possível extrair poesia das miudezas cotidianas. Na entrevista que se segue, também revelou o que a personagem Gigi tem de tão especial. Leia os melhores momentos:

Diário da Manhã - O que seria a mulher sem vergonha do título de seu novo livro?

Geórgia Cynara - Brinquei na roda de conversa de pré-lançamento que a Gigi sou eu, mas também não é. Não desminto, nem confirmo. Essa mulher é uma entidade, é um saci e está sempre em busca de si mesmo - não importa o quê. Ela está em busca de viver o melhor da vida. É uma personagem que tem sede de viver, mas de viver da melhor maneira que possa em qualquer idade, em qualquer fase da vida em que esteja. Então, a mulher sem vergonha é a Gigi. E sou eu. Mas também são tantas amigas. Tantas mulheres que têm essa vontade e talvez não tenham despertado pra essa oportunidade: viver o melhor da vida. Sofrer a dor, viver o luto, mas estar viva e seguir em frente.

Se você está ali na praça tomando uma cervejinha e passa uma escola de samba e você tá terminando seu livro de memórias, esse é um grande acontecimento Geórgia Cynara, escritora

DM - A primeira crônica traz imagem comum ao cotidiano: uma mulher inicia seu livro de memórias entre uma cervejinha e outra, assistindo a um desfile da escola de samba. Qual é o segredo para se extrair essa poesia espontânea das miudezas do cotidiano?

Geórgia - Penso que seja você querer viver aquele momento, onde quer que você esteja, sabe? Então, quando você está cem por cento dentro do seu corpo, cem por cento presente, se você está ali na praça tomando uma cervejinha e passa uma escola de samba e você tá terminando seu livro de memórias, esse é um grande acontecimento. E o mais legal é que esses acontecimentos extraordinários estão dentro da situação ordinária, mas pouca gente presta atenção. A minha hipótese é que, quanto mais a gente vive aquele momento que a gente tá vivendo, mais coisas extraordinárias se mostram na nossa frente.

DM - O que a vida de Gigi reserva de tão especial?

Geórgia - É a mulher que eu quero ser, e é a mulher que eu fui, e é a mulher que eu vejo nas minhas amigas, na minha mãe, na minha irmã, na minha bisavô, na minha avó, em mulheres que eu não conheço, mas que acabam me inspirando. Gigi é essa mulher super alegre vivendo sua vida em todas as fases, tocando o terror - no melhor sentido que isso possa ter -, agitando a cidade e agitando as pessoas por onde passa. Gigi tem esse entusiasmo pela vida. Acho que é o que mais temos de especial. Realmente, é a mulher que eu quero ser.

DM - O que a Geórgia Cynara, que é professora universitária, pesquisadora, jornalista e escritora, percebeu de fascinante na jornada existencial vivida por essa mulher?

Geórgia - Posso dizer que a Geórgia Cynara percebeu que a Gigi que existe dentro dela está na professora universitária, está na pesquisadora, está na jornalista, está na escritora, está na musicista, está na compositora. Está em todas as mulheres que ela resolveu ser. Em todas as decisões que resolver tomar, a Gigi estará presente, porque a grande questão com a Gigi é esse senso de oportunidade. A Gigi pistola, que é a mulher na fase adulta, não deixa passar nada. E, nossa, eu sinto semelhança grande entre o meu comportamento em todas situações: congresso internacional, sala de aula, numa entrevista - como esta aqui com você (diz ao repórter) -, tocando com a Trilhas a Go Go. Percebo que tô ligada. E esse ligada vem do não deixar passar nada, que vem da observação. Me permite contemplar o extraordinário.

DM - “Memórias Crônicas de Uma Mulher Sem Vergonha” desperta aquele riso de canto de boca. Como o bom humor pode nos ajudar a refletir sobre assuntos que ainda andam despertando instintos reacionários pela sociedade?

Geórgia - Acho muito importante nós tomarmos posse do bom humor, porque a nossa vida já é muito dura enquanto mulher. São muitas camaradas de desvalorização, de injustiça. Nesse sentido, quando a gente está diante de todas essas situações que nos colocam lá embaixo, a gente ousa levar a vida com bom humor. Não existe nada mais transgressor do que isso. Diante de tudo que há no mundo para nos fazer chorar, eu rio de deboche, eu gargalho na cara de toda essa merda. É nesse sentido que a Gigi é muito poderosa. Ela é muito transgressora. Ela é muito transgressora do início ao fim da vida dela.

A autonomia existencial gera uma autoconsciência na personagem e a autonomia econômica é gerada a partir da autoconsciência: a Gigi aborda as pessoas de maneira diferente Geórgia Cynara

DM - Embora a rotina das mulheres não seja nada fácil e tenha até mesmo algo massacrante nela, “Memórias Crônicas…” proporciona momentos de calmaria e boas risadas, com tiradas que “aterrorizam” os fãs do Nirvana. Por que optou pela concisão?

Geórgia - Sendo pesquisadora de cinema, me interesso em construir cenas. O que eu puder entregar mais rapidamente, com menos palavras e comunicando aquela situação da melhor maneira possível, isso aumenta o impacto daquele texto. Boa parte do tempo - sei lá, talvez 80 ou 90 por cento do tempo de criação dessa obra - vem do pensamento, de fazer um tétris com as palavras. E 10% foi realmente o momento da escrita. Algo que me pega muito, seja na pesquisa em cinema, seja na música, é falar o melhor possível com as ferramentas mais simples, da forma mais direta. Aprendi com o jornalismo. Eu quero é mesmo que essa mulher, que tem uma jornada massacrante (como você diz), sem tempo, eu quero que essa mulher leia duas linhas e se sinta melhor com essa risadinha de canto de boca.

DM - Chama atenção as paisagens urbanas que estão na obra. Entre detalhes goianienses e praças paulistanas, vemos uma mulher inserida no cotidiano das metrópoles. O que as autonomias existencial e econômica de Gigi te ensinaram durante o processo criativo?

Geórgia - Boa pergunta. Gigi não é uma mulher rica. Gigi é uma menina curiosa. Ela dá seus pulos. Ela organiza a própria vida, de modo a viver tudo o que quer. Não à toa, a dona Gigi, que tem 138 anos e é o terror do INSS, vive numa vila que congregou várias pessoas amigas próximas pra viver todo mundo a velhice numa vida que tem instrutor de pole dance e que tem fisioterapeuta. Ela atiça a comunidade ao redor dela pra que seja possível viver essa vida ótima que ela deseja. A autonomia existencial gera uma autoconsciência na personagem e a autonomia econômica é gerada a partir da autoconsciência: a Gigi aborda as pessoas de maneira diferente. Ela afeta, ela toca essas pessoas de uma forma mais íntima, mais próxima, mais desarmada. É por isso que ela monta essa comunidade. As pessoas acreditam nela.

DM - O que é mais desafiador: praticar a escrita em teses, textos críticos ou crônicas?

Geórgia - Posso dizer que, embora todas essas escritas sejam extremamente desafiadoras, a Gigi que habita em mim vai tentar se divertir em todas elas. E eu digo mais: ela vai conseguir.

Lançamento

Memórias Crônicas de uma Mulher Sem Vergonha

Valor de capa: R$ 50

Retirada no lançamento ou frete a R$9,50

Sábado, 23, a partir das 19h

Tô Bar (Rua 20, n. 1078, Centro, Goiânia-Goiás)

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