Cultura

Gilberto Gil diz adeus aos palcos em Brasília com ‘Tempo Rei’

Redação Diário da Manhã

Publicado em 6 de junho de 2025 às 23:52 | Atualizado há 11 horas

Gilberto Gil percorre discografia em turnê na qual se despede do palco - Foto: Pridia/ Instagram
Gilberto Gil percorre discografia em turnê na qual se despede do palco - Foto: Pridia/ Instagram

Tropicalista revisita carreira neste sábado, 7, no Mané Garrincha. Artista manda aquele abraço para público em Brasília, num concerto que agrega diferentes linguagens artísticas

Marcus Vinícius Beck

Brasília (DF) – Assobio a melodia: “Tempo Rei”, que música linda, “tempo rei”, saio cantando, não me iludo, tudo haverá de permanecer do jeito que tem sido, “tempo rei, ó tempo rei”.  

Ilusão pensar que algo perdure pela eternidade. A vida permanece — transcorrendo, transformando — e se mistura às velhas formas do viver. O tempo se revela nobre compositor de destinos. Diz o ensaísta José Miguel Wisnik: erro achar a ilusão um engano. 

Lembra-te que tempo e espaço navegam por todos os sentidos, que o amor da gente é como um grão, que Gil sobe neste sábado, 7, às 20h30 ao palco do Mané Garrincha com sua alma cheirando a talco. Sim, o artista manda aquele abraço a Brasília em sua turnê de despedida. 

Gil faz vida permanecer e se misturar às velhas formas do viver – Foto: Pridia/ Instagram

És um orixá, Gil. Vieste ao mundo naquela cidade que se chamou Roma negra, a admirável Salvador, Bahia, onde a música se abre à síncope, ao sincretismo e à ancestralidade — não à toa, amigo, você consta que o cantor optou por iniciar seu “Tempo Rei” na capital baiana.

Prestes a se findar, a carreira do tropicalista nos palcos percorreu um caminho próprio. Em 1964, formou-se administrador de empresas pela UFBA. Mas já admirava o balanço cheio de saudade que João Gilberto inventou em seu violão e o xote sanfonizado de Luiz Gonzaga.

Ao escutar “Samba Esquema Novo” (1963), confessou ao camarada Caetano Veloso todo seu arrebatamento pela música de Jorge Ben. “Caetano, eu acho que vou deixar de compor, porque eu acho que Jorge preenche tudo. Acho que vou me dedicar a cantar as músicas dele, tentar aperfeiçoar o estilo dele, ou qualquer coisa desse tipo. Vou me tornar discípulo dele.”

Jorge Ben e seu violão-tambor-afro impactaram o autor de “Expresso 222”. No balanço beniano, havia uma contundência corporal e rítmica. Golpes desferidos pela palheta estilhaçam o lirismo das escalas e dos acordes em cachos (notas tocadas com as pontas do dedo). O baiano reavaliou tudo: nada daquela harmonia rebuscada da bossa nova.

Ou seja, Gil se esquematizou no samba novo. Seu estilo, agora, seria ondulado: acordes em sétima ao violão, notas em sussurros instrumentais, murmurando — absoluta sedução da brasilidade. Reggae retumbando consciência social, punk da periferia, freguesia do ó. 

Concerto abrange diferentes períodos da carreira construída pelo tropicalista – Foto: Pridia/ Instagram

Estética gilbertiniana em estado lapidado. Ou, melhor dizendo, trajetória condensada. Como se fosse uma ópera tropicalista, o artista deve abrir o concerto com “Palco”, canção lançada nos anos 1980 como forma de dizer adeus à carreira. A recepção, claro, será incensada. 

Na sequência — tem sido assim até aqui na turnê de despedida —, Gil tocará “Banda Um” e “Tempo Rei”. A essa altura, possivelmente, estaremos arrebatados e lembraremos daquilo que disse o cineasta Renato Terra: “O que acontece no palco não é apenas um show. É como se a música fosse vestida pelo cinema e, dessa fusão, brotasse uma terceira forma de arte.”

Do disco “Um Banda Um” (1982), é certo que o tropicalista nos fará ciciar com “Andar com Fé”. Palmas compassadas ressoarão pelo Mané Garrincha quando ouvirmos os primeiros acordes. “Andá com fé eu vou/ que a fé não costuma faiá”, avisará Gil, espirituoso. 

Espetáculo se revelará político ao rememorar canções do exílio em Londres – Foto: Pridia/ Instagram

Sensações

Imagine você, amigo, a sensação deste repórter diante de tal momento: êxtase. Mas o show — a gente sabe — tem de continuar. Irá em frente, quase certo, com versões do baião de Luiz Gonzaga, do samba de todos os santos do mestre Dorival Caymmi e da bossa nova de João Gilberto. Ao que tudo indica, cantará também “Eu Só Quero um Xodó”, de Dominguinhos. 

Não te esqueças: “Drão”, imenso monolito, nossa arquitetura. Essa canção — me desculpa — desperta memórias daquele amor, da tua caminha dura, cama de tatame pela vida afora. “Nossa arquitetura/ quem poderá fazer aquele amor morrer?”, entoará o artista baiano. 

A ditadura, sendo Gil ser político em sintonia com a história, permeia o repertório: “Afasta de mim esse cálice, pai”. Isso mesmo, aplausos ecoarão. Dos tempos de exílio londrino, o artista interpretará “Back in Bahia”, cuja acentuação roqueira evoca os Rolling Stones.

Tal e qual uma peça operística, o show entrará na trilogia “Re”, constituída por “Refazenda” (1975), “Refavela” (1977) e “Realce” (1979). Gil te dirá para que “Não Chores Mais” em sua versão do reggae “Woman no Cry”, de Bob Marley. A música, aliás, virou hino odara de resistência ao regime fardado, sob o qual ninguém aguentava viver no fim dos anos 1970.

Entre samba e reggae, assobio e penso no Brasil. Gil diz adeus aos palcos, mas sua arte não. “Tempo Rei”, que música linda, “tempo rei”, sairei eu cantando do estádio Mané Garrincha.


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