Goiânia Mostra Curtas homenageia atriz Marcélia Cartaxo
DM Redação
Publicado em 5 de outubro de 2025 às 19:43 | Atualizado há 16 minutos
Marcus Vinícius Beck
A atriz Marcélia Cartaxo será homenageada durante a abertura da 23ª edição do Goiânia Mostra Curtas, amanhã, a partir das 20h, no Teatro Goiânia. Referência no cinema brasileiro, Cartaxo se destacou sob a direção de Suzana Amaral em “A Hora da Estrela”, de 1985.
“Sou muito atraída pelo cinema. Minha experiência toda vem dele, embora, quando fiz Macabéa em ‘A Hora da Estrela’, eu ainda não tivesse experiência nenhuma com a câmera”, declarou a atriz, em depoimento para a “Revista E”, editada pelo Sesc de São Paulo.
O filme, baseado em romance de mesmo nome assinado por Clarice Lispector, retrata a história de Macabéa, migrante nordestina que, com a morte da tia, vai para o Rio de Janeiro. Chegando lá, consegue emprego como datilógrafa e se apaixona por um homem que a trai.
“A Hora da Estrela” foi editado em 1977, ano em que Clarice morreu, aos 56 anos. Na pena clariceana, emerge uma mulher miserável, desprovida de consciência existencial e sem elo com o mundo (sua tia morreu). Trata-se, sobretudo, de uma obra literária sobre desamparo.
Quando o longa retornou aos cinemas restaurado, no ano passado, Cartaxo foi procurada pela imprensa para relembrar a importância do filme em sua trajetória artística. Rápida nas ideias, declarava que a película definiu sua carreira e, por isso, moldou seus sonhos.
Macabéa foi o primeiro papel relevante de Cartaxo na tela grande. Em certo sentido, a personagem a espelha: ambas são nordestinas (a atriz nasceu na Paraíba, enquanto a outra veio ao mundo em Alagoas), decidem se arriscar na metrópole e enfrentam dificuldades.
Nos anos 1980, eram corriqueiros os questionamentos sobre atores formados no teatro que iam atuar no cinema. Esses profissionais, dizia-se, tinham expressividade exagerada. Portanto, na lógica dos detratores, seriam desastrosos diante de uma câmera.
Amaral, contudo, pensava diferente. Para ela, o maior atrativo de Cartaxo consistia no fato de ela não saber ao certo como se comportar num set. Ninguém lhe pedia que olhasse para determinado lado. A cineasta queria que a atriz atuasse como se estivesse no teatro.

Por “A Hora da Estrela”, Cartaxo acabou indicada ao prêmio de melhor atuação no Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em 1986. No ano seguinte, esteve em “Césio 137 — O Pesadelo de Goiânia”, do cineasta Roberto Pires. Fazia a esposa de Vavá.
De lá para cá, a atriz dividiu-se entre teatro, TV e cinema, trocando a atuação pela filmagem — dirigiu quatro curtas. Antes disso, destacou-se em “Madame Satã”, de Karim Aïnouz, “Pacarrete”, de Allan Deberton, e “A Mãe”, de Cristiano Burlan, que lhe renderam o Kikito.
Nas palavras
Se a atriz Marcélia Cartaxo trouxe à tela grande a mulher brasileira oriunda de classe social vulnerável, o crítico marxista Jean-Claude Bernardet (1936-2025) pensou o Brasil pelo cinema. Foi um escritor profícuo, autor de clássicos como “Cineastas e Imagens do Povo” (1985), “Voo dos Anjos: Bressane, Sganzerla” (1990) e “Os Histéricos” (1993), dentre outros.
Crítico, professor, historiador, escritor, roteirista, ator e diretor, Bernardet foi um dos fundadores da Universidade de Brasília (UnB). Afirmou, em 2021, no livro “O Corpo Crítico”, que parte da sociedade queria acabar com o grupo social ao qual pertencia.
“Negam o Renascimento e se voltam para uma pretensa Idade Média totalmente inventada, masculina, branca, cristã, despojada de todo espírito crítico”, disse, numa obra na qual revelava ter interrompido o tratamento contra o câncer — vivia também com HIV.

Bernardet marcou ainda a cultura brasileira com seus ensaios sobre cinema. Intelectual de esquerda, dissertava que o cinema novo se limitava a mostrar situações comuns à classe média. “Buscava abrigo no escudo do passado”, refletia o autor, com sua pena mordaz.
Ainda assim, conforme disse ao jornalista Claudio Leal, Bernardet nunca se afastou de Glauber Rocha, que o chamou na “Folha de S. Paulo” de “canalha” e o definiu como “o crítico mais reacionário do Brasil”. O intelectual contemporizava: “Nunca brigamos.”
Nos anos 1990, ao publicar “O Autor no Cinema”, esmiuçou o conceito de criador de filmes. Era uma herança da nouvelle vague que se fortaleceu na revista “Cahiers du Cinéma”, em cujas páginas escreviam os cineastas Jean-Luc Godard e François Truffaut. Participou do filme “Utopia Distopia”, com Jorge Bodanzky, em 2020. Vamos pensar na tela grande?