Goiás perde cartunista que desafiou ditadura com caneta e humor
Redação Diário da Manhã
Publicado em 1 de julho de 2025 às 20:53 | Atualizado há 7 horas
Artista iniciou carreira no semanário ‘Cinco de Março’. Nos últimos anos, retratou cotidiano nas páginas de ‘O Popular’
Marcus Vinícius Beck
O cartunista Jorge Braga, que morreu nesta terça (1°/07), em Goiânia, era profissional do desenho há cinco décadas — sempre com carteira assinada. “São praticamente todos os dias fazendo charge, mas também faço cartum, caricatura, histórias em quadrinhos”, afirmava o artista.
Braga foi velado no Complexo Vale do Cerrado, na capital goiana, das 18h às 23h de terça. Embora a cerimônia tenha sido restrita, a família agradeceu manifestações de solidariedade, sobretudo o “reconhecimento ao grande profissional e ao homem afetuoso e honrado”.

Como o conterrâneo Guimarães Rosa, Braga está encantado. O mineiro nascido em Patos de Minas encantou-se aos 68 anos. Enfrentava há oito meses um câncer no pulmão, agravado por enfisema. Nos anos 1980, esteve nas páginas do DM com seu humor sinuoso.
Personagens como Super Badião, Romãozinho e Perebão tornaram-se símbolos no cenário cartunístico brasileiro. Badião vendia pequi na Praça do Bandeirante. “Era um personagem bem bagunceiro”, conceituava o artista, autor da primeira revista em quadrinhos de Goiás.
Iniciou-se no humor aos 13 anos, ainda no interior de Minas Gerais. Um tio o incentivava a desenhar, enquanto o pai lhe comprava gibis. Desde criança, cultivava um grandioso acervo, que doou nos anos 1990 à Gibiteca Jorge Braga, no Centro Cultural Marietta Telles Machado.
Quando entrou na escola, já lia, escrevia e desenhava. No colégio, sabendo-se vocacionado à linguagem gráfica, transformava professores em personagens. Em seguida, distribuía-os e mimeografava-os. Nessa época, foi convidado a participar de um jornal como ilustrador.
“A revista em quadrinho é o começo. A história em quadrinhos começou tudo. Aqueles desenhos das pedras, feitos pelos homens das cavernas, não eram nada mais nada menos do que uma história em quadrinhos”, afirmava, ciente da origem ancestral de seu ofício.
O jornalista Valterli Guedes, presidente da Associação Goiana de Imprensa (AGI), refere-se a Braga como “profissional brilhante”. Declara que o mineiro adotou Goiás para viver e no estado construiu carreira que o inseriu dentre os mais importantes cartunistas do país.

Para Guedes, a sociedade goiana perdeu “um educador em sua arte de traduzir, em traços marcantes, os fatos mais importantes do país e do mundo”. “Começou em jornal escolar, quando aflorou por intuição a profissão de uma vida inteira”, lembra o presidente da AGI.
Em 1972, Braga estabeleceu-se na capital goiana, onde começou no “Cinco de Março”. No combativo semanário, debochava de tudo. “Era época de ditadura. Tive muito problema – inclusive me deram uns cascudos porque eu estava brincando com os generais”, contava.
“Naquela época qualquer coisa que você fizesse agredia o regime”, dizia o cartunista, que chegou a passar dois dias presos. “Depois me pegaram numa [Chevrolet] Veraneio azul. Os caras me bateram a noite inteira: ‘ah, é aquele engraçadinho do jornal’. E pá: porrada.”
Diante disso, viu-se com a polícia política no encalço. Só que, descapitalizado e muito jovem, não possuía os recursos necessários para custear um exílio no Chile, na França ou na Alemanha. Restou-lhe, então, esconder-se em Porto Diamante, no interior mineiro.
Gozador contumaz, sentenciava que pobre sofre até para fugir da polícia. Costumava comparar-se com a elite intelectual, cujo privilégio econômico a levou ao desterro no estrangeiro durante a ditadura. Era o caso de pensadores e artistas que viviam no eixo Rio-São Paulo.
“Então fica todo mundo botando nesses currículos ‘porque ele foi exilado em Londres’. Caetano Veloso foi pra Londres, Gilberto Gil pra Londres, Fernando Henrique pro Chile, [José] Serra pro Chile e depois pra França — eu fui pra Porto Diamante”, dizia, irreverente.
Causas populares

De acordo com Jorge Braga, o cartunista precisa engajar-se em causas populares, porque senão “vai ser um puxa-saco”. “A receita do humor tem que ter um pouquinho de pequi”, ensinava, em depoimento pinçado do doc “A Vida é um Risco”, de Ângelo Lima.
Ainda assim, Braga explicava que não gostava de ofender. “Agora, existem algumas questões que eu ofendo, porque, em um país cheio de corrupção como esse, eu tenho que ofender”, justificava-se Braga, que começou no “Cinco de Março, em 1972, e atuou também nos jornais “Folha de Goiaz”, “Jornal Opção” e “Jornal do Tocantins”.
Além da imprensa local, o cartunista publicou charges em “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Pasquim”, “Correio Braziliense”, “Jornal de Brasília”, revista “Veja” e “The World News”, de Orlando, nos Estados Unidos. Há anos, Braga produzia diariamente para “O Popular”.
Segundo o governador Ronaldo Caiado, em nota de pesar, Braga retratou — com humor e crítica refinados — os principais acontecimentos das últimas cinco décadas, da política ao esporte, passando pela cultura e comportamento — não apenas em Goiás.
“Há muito se consolidou como uma das maiores personalidades culturais da história de Goiás. Ainda em 1994 foi justamente homenageado com a criação da Gibiteca Jorge Braga, no Centro Cultural Marietta Telles Machado, mantida pelo Governo de Goiás”, diz Caiado.
Jorge Braga tinha “humor pra mais de metro”. “Me chamava de Liminha. Vá em paz, amigo! Sigamos aqui. Vai deixar muitas saudades. ‘A Vida É Um Risco’. Obrigado pela vida realizada”, lamentou o amigo Ângelo Lima. Foram décadas de humor, agora fica a saudade.