Cultura

Guerra dos mundos: a pegadinha mais bem feita da história

Redação DM

Publicado em 28 de outubro de 2015 às 21:45 | Atualizado há 5 meses

Hoje em dia as rádios não tem tanto impacto na vida das pessoas quanto a sete décadas atrás, quando eram praticamente o único meio de comunicação e informação além dos jornais impressos. Imagine você caro leitor, que liga o noticiário na TV hoje em dia e assiste a cenas de guerra transmitidas ao vivo, imagine ser na rua de sua casa, qual teria sido sua reação?

Para os americanos que sintonizaram a rádio naquela fatídica noite de 30 de outubro, a experiência de choque, pânico e depois alívio, foi realmente marcante. O roteirista e ator Orson Welles, que já era conhecido pelas peças e novelas radiofônicas, fez a sua melhor interpretação. Depois de descartar O Mundo Perdido, de Arthur Conan Doyle, o Mercury Theater preparou a adaptação de Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, atualizando a história para o presente e alterando o formato para o de noticiário.

Para envolver ainda mais os ouvintes,John Houseman e o roteirista Howard Koch transportaram a história da Inglaterra para os Estados Unidos, utilizando a região em torno de Nova York como cenário. Foi Koch quem comprou um mapa, fechou os olhos e bateu com o lápis num ponto qualquer para escolher o local do desembarque das naves alienígenas, transformando Grover’s Mill em cabeça de ponte da invasão.

No início da apresentação, a CBS anunciou tratar-se de uma adaptação de da obra de H.G. Wells. O problema, é que nem todos estavam ouvindo. Às 20h de 30 de outubro, alguns programas das sete horas ainda não haviam acabado, o que fez muitos ouvintes perderem o aviso.

As estimativas dizem que entre um e dois milhões de ouvintes zapeavam seus rádios naquela noite. Os que chegaram à CBS encontraram Guerra dos Mundos a pleno vapor, com a música da Ramon Raquelo Orchestra, transmitida direto do Meridiam Room do Park Plaza Hotel em Nova York interrompida abruptamente pela notícia da queda de um meteoro e a entrevista com um astrônomo da Universidade de Princeton sobre estranhas explosões na superfície de Marte.

Poucos notaram que o famoso professor Richard Pierson, de quem ninguém poderia ter ouvido falar, pois não existia, tinha a voz de Orson Welles. Já a música era tocada pela orquestra da rádio sob a regência de Bernard Herrman, futuro autor da trilha sonora de Psicose.

A transmissão continuava interrompendo a programação normal de forma crescente até que o repórter Carl Phillips passava a transmitir em tempo integral de Grover’s Mill, onde descobriu-se que o meteoro era um cilindro de metal. A tensão foi construída cuidadosamente, utilizando entrevistas com autoridades e uma nervosa descrição do monstro saindo do cilindro, que o ator Frank Readick baseou na transmissão do incêndio do dirigível Hindenburg.

O primeiro confronto terminou com 40 mortos. No segundo ataque, 7 mil homens do exército, armados com rifles e metralhadoras, foram aniquilados com raios de calor. Novos cilindros foram localizados. Os marcianos prosseguiram para Manhattan, destruindo e matando com gás venenoso, enquanto a Inglaterra, França e Alemanha ofereciam ajuda. A situação era desesperadora.

O tamanho do medo 

77 anos depois, é difícil saber o que realmente ocorreu naquela noite e qual o tamanho da reação do público. Permanece a ideia de pânico generalizado, telefonemas desesperados para a polícia, grupos armados saindo pela noite em busca dos marcianos, pessoas cobrindo as janelas com panos úmidos e americanos preferindo o suicídio à morte por gás venenoso, como se todo o país tivesse acreditado estar ouvindo uma descrição real de uma invasão do espaço.

Welles chegou a dizer que a polícia foi ao estúdio. Davidson Taylor, supervisor da CBS, queria que Welles interrompesse a transmissão e tranquilizasse os ouvintes que bloquearam as linhas da rádio. Welles teria recusado, dizendo que o público tinha mesmo é de ficar apavorado. Como Edgar Allan Poe, Welles sabia que o efeito sobre o público seria perdido com um corte que tiraria os ouvintes do mundo de fantasia em que ele os havia envolvido.

Um mundo tão digno de crédito que impediu que os ouvintes reconhecessem no som dos foguetes alienígenas que partiam, o prosaico barulho da descarga do banheiro da rádio. Dois avisos de que a transmissão era uma ficção ainda foram dados antes do discurso final em que Welles avisa que aquela é a maneira do Mercury Theater comemorar o Dia das Bruxas, mas o medo, uma vez liberado, tem pouca possibilidade de retornar ao seu esconderijo sem luta.

A polícia da região de Grover’s Mill de fato teve uma noite ocupada, relatando que as três linhas telefônicas tocavam ao mesmo tempo com perguntas sobre o meteorito, número de mortos, ataques com gás e convocação de militares. Um casal de Newark contou ter pedido abrigo no porão de um morador antes de ligar para o jornal da cidade e descobrir que tudo não passava de um programa de rádio.

Era de se esperar que a notoriedade de Welles e da versão de 1938 tornariam impossível repetir o efeito com uma nova transmissão de Guerra dos Mundos nos mesmos moldes. Em 12 de novembro de 1944, no entanto, uma transmissão em Santiago, Chile, que incluía um ator interpretando o Ministro do Interior, levou à mobilização de tropas de infantaria. Cinco anos depois, em 12 de fevereiro de 1949, uma transmissão da Radio Quito com atores interpretando políticos locais, jornalistas e testemunhas, levou o povo a incendiar a rádio, matando 15 pessoas.


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