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Guitarra brasileira perde as notas certeiras de Lanny Gordin

Morre instrumentista que criou os timbres da tropicália, aos 72 anos. Ele marcou a cultura brasileira com riffs e solos inconfundíveis

Mestre: músico deixou riffs e solos marcantes - Foto: Divulgação Mestre: músico deixou riffs e solos marcantes - Foto: Divulgação

Entristeceu-se a guitarra brasileira: Lanny Gordin morreu na madrugada desta terça-feira, 28, em São Paulo, no dia em que completava 72 anos. À reportagem, Bob Gordin, irmão do guitarrista, diz que ele estava internado há cerca de 40 dias para tratar problemas de saúde. Gordin, cujo nome de bastismo era Alexander Gordin, nasceu em Xangai, na China.

Era filho de um russo com uma polonesa. Até os seis anos, viveu em Israel. Seu pai era dono da lendária casa noturna Stardust, na Praça Roosevelt, em São Paulo. Lá, o Gordin se apresentou ao lado de músicos como Pepeu Gomes, Hermeto Pascoal, Paulinho da Costa e Heraldo do Monte. Nessa época, já demonstrava técnica, audácia e ecletismo.

Exímio guitarrista, no fim dos anos 1960, participou do grupo Brazilian Octopus, ao lado de nomes como o pianista Cido Bianchi, o violonista Olmir Stocker, o contrabaixista Nilson da Matta e o multi-instrumentista Hermeto Pascoal. Gordin despertou a atenção do maestro Rogério Duprat, que o chamou para tocar e criar arranjos a discos fundamentais do tropicalismo, como a obra-prima “Tropicália Ou Panis Et Circencis” (1967), ao lado de nomes como Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão e Rita Lee.

Com Gal, o músico gravou as guitarras do disco “Gal” (1969) e participou dos arranjos de “LeGal” (1970). Ele tocou também no histórico shows “Gal - Fatal”, de 1971, no qual foi substituído por Pepeu Gomes. É peça-chave também do disco “Jards Macalé”, lançado em 1972 pelo cantor e compositor carioca, no qual se revezou no baixo e na guitarra. Essa obra reúne as maiores qualidades do artista como instrumentista: som singular e pegada única.


		Guitarra brasileira perde as notas certeiras de Lanny Gordin
Estrelas: Luiz Carlini, Roberto Frejat, Lanny Gordin, Edgard Scandurra, Sergio Dias e Pepeu Gomes. Foto: Marcos Hermes/ Divulgação

Conhecido como “Hendrix brasileiro”, Gordin também foi importante na carreira de Caetano e Gil, com os quais criou bases de guitarra distorcidas, então pouco usuais no Brasil - tinha um timbre essencialmente brasileiro. Com Caetano Veloso, gravou o álbum branco lançado em 1969, o que tem músicas como “Atrás do Trio Elétrico” e “The Empty Boat”. O toque de sua guitarra está eternizado também no disco “Expresso 2222”, de Gilberto Gil.

O músico também participou do encontro histórico de Gal, Caetano e João Gilberto, em 1971, na TV Tupi. Ele acompanhou a cantora ao violão. A gravação do especial ainda permanece inédita, vetada por João à época. Nos anos 70, colocou seu talento à disposição do cantor Erasmo Carlos no disco “Carlos, Erasmo”, de 1971, obra hoje tida como cult. Delicia-se com a pegada do músico em músicas como “É Preciso Dar um Jeito Meu Amigo”, cuja textura distorcida adicionou sabor docemente roqueiro ao repertório de Erasmo.

Em algumas ocasiões, chegou a fazer uso de LSD, droga que descobriu no começo dos anos 70, em Londres. Isso acabou por agravar o quadro de esquizofrenia que levou Gordin a ser internado pelo pai num sanatório. Neles viveu o inferno: eletrochoques, por exemplo. Por anos, ficou afastado do meio musical, voltando a ele nos anos 80 e 90, quando trabalhou de forma esparsa com Itamar Assumpção e Chico César. Na última década, gravou os discos “Auto-Hipnose”, “Lanny´s Quartet & All Stars", esse uma obra-prima da guitarra.

Gordin chamou as estrelas do instrumento no Brasil. Ex-Barão, Roberto Frejat toca em “Back in Bahia”. Tem também o tutti-frutti Luiz Carlini, com quem manda ver uma versão delicada de “London London”. No mesmo álbum, juntou-se a Sergio Dias em “Eu Preciso Aprender a Ser Só”. Edgard Scandurra abrilhanta “Burning Of The Midnight”, versão de Lanny Gordin para a música de Jimi Hendrix, uma de suas grandes influencias. Lançou ainda álbuns como “Projeto Alfa, volume I” e “Projeto Alfa, volume II” (2004) e “Duos” (2006).

Transitando por diferentes estilos e sonoridades, Lanny Gordin também tocou ao lado de outros nomes pesos pesados da música popular brasileira, como Tim Maia, Wanderléa e Arnaldo Antunes. Em 2017, o guitarrista assistiu sua trajetória ser revisitada no doc “Inaudito”, dirigido pelo cineasta Gregorio Gananian. “Estudei todos os estilos diferentes e transformou num estilo só, que é a música pura, é o som”, disse o músico, no filme.

Na noite desta segunda-feira, 27, durante a apresentação do show Transa em São Paulo, o músico e compositor Jards Macalé, sem saber da morte de Gordin, fez uma homenagem para o guitarrista, dizendo que ele e Hendrix faziam aniversário no mesmo dia. Lanny Gordin era fã do músico norte-americano, o maior guitarrista já visto a passar pela Terra.


		Guitarra brasileira perde as notas certeiras de Lanny Gordin
Coincidência: Gordin morre no dia em que Hendrix nasceu. Foto: Divulgação

No X, antigo Twitter, Caetano Veloso se despediu do músico: “Lanny era músico total. Sempre tocou com o pai na noite. Veio a ser guitarrista crucial da tropicália. Era uma pessoa doce e um grande artista da música. Saudade.” Já Scandurra, no Instagram, publicou um emocionante texto: “ Nosso grande gênio da guitarra partiu para o Vale dos Guitarristas. Obrigado por ser meu amigo e ter dividido momentos que para mim sempre serão inesquecíveis. Seus momentos na guitarra iam da técnica apurada aos improvisos inimagináveis! Siga voando alto, mestre!”

Lanny Gordin, suas notas certeiras ficaram pra sempre conosco, gravadas em discos preciosos, grudadas em nossos tímpanos e fixados em nossos dedos. Vá em paz. (Com informações da Agência Estado)

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