Lenda do reggae, Linval Thompson cancela show em Goiânia
DM Redação
Publicado em 23 de setembro de 2025 às 20:51 | Atualizado há 29 minutos
Marcus Vinícius Beck
Muita coisa — você sabe — vem de lá: Bunny Wailer e Peter Tosh (legalize total). Sem falar de Jimmy Cliff, o cara do reggae a noite inteira. Nem Bob Marley, o rastaman das vibrações.
Ao longo das décadas, a Jamaica agraciou o mundo com um som desacelerado, flutuante, pra lá e pra cá, ska com soul, baixo e bateria em primeiro plano. A guitarra sassarica-se na cozinha rítmica, numa sensação enganosa de que a construção dos acordes é simples.
No som, o cantor Linval Thompson declara-se à marijuana: “Eu gosto de fumar maconha / Isso me dá uma profunda meditação / Adoro desenhar maconha / Ela me dá uma profunda meditação / É manter meus dreadlocks pulando / É manter meus dreadlocks no balanço.”
Ouvir reggae é fácil. Difícil mesmo é mostrar o gênero além de Bob Marley. Goiânia não receberá Linval nesta sexta-feira, 26, no Lowbrow. O produtor do evento teve a casa incendiada em Pirenópolis. No incidente, a mãe dele sofreu queimaduras.
A noite ganharia o suingue goianiense — com Mandingaman e as peripécias sonoras do Selectta.Kbc. Como ensinou Peter Tosh, a música deve penetrar no coração, na alma, no corpo e na mente das pessoas. “O reggae é algo que você sente”, disse certa vez o ídolo.
Na semana passada, Camisa de Vênus e Plebe Rude frustraram o público ao terem seus shows cancelados na Arena Multiplace. Fãs contaram ao Diário da Manhã que se deslocaram até o local, quando foram informados de que não haveria apresentação.
É preciso fazer a cabeça com ganja, queimar um collie, acender um herb. Há quem prefira um sensi, outros curtem kaya, mas se tiver, uai!, vai chalice. Sim, muitos termos na Jamaica aludem àquele cigarro que, por aqui, dá cana — sobretudo se fumado em público.
Alheio às nossas leis, Linval não mediu palavras. Expressou, em 1978, seu apreço pela planta verde: “I Love Marijuana.” Como se acendesse um e nem se preocupasse com a polícia, a música nomeia o segundo LP do artista nascido em outubro de 1954, em Kingston.
Por isso, tornou-se um símbolo do reggae. Deixou-se levar pela erva sagrada da religião rastafári: “Oh, eu amo isso.” E, no entanto, mostrou-se crítico à apropriação cultural: “O homem branco ama fumar maconha / O negro gosta de cultivá-la.” É isso mesmo, Linval.
O reggaeman diz que a música foi gravada no One Studio. “Um dia eu estava no estúdio e simplesmente saiu. Foi lançada pela Trojan, a maior gravadora da Inglaterra na época. Houve muita promoção”, explica o artista à versão hispânica da revista Rolling Stone.
Assim que a faixa saiu, lembra Linval, converteu-se rapidamente em hit. “Naquela época, se a polícia te visse com um baseado, você ia para a cadeia. Você tinha que se esconder”, recorda-se, vasculhando a memória para pinçar um retrato da opressão à cultura rasta.
“Quando as pessoas ouviam aquela música, ficavam muito surpresas. Mas, ao mesmo tempo, dizer aquilo era perigoso, muito perigoso”, pontua o compositor. “Não era como agora, quando a maconha é legalizada no mundo todo e você pode até comprá-la em lojas.”
Nos anos 1970, o reggae roots estava em seu auge. Eclodia Johnny Clarke, aparecia Sugar Minott, pintava Dennis Brown. Linval Thompson era o mais novo, mas sacava “os grandes” e admirava o estilo deles. Terminou, não à toa, produzindo-os durante os próximos anos.
Linval nos aconselha: prestemos atenção no baixo e na bateria. Bbuh-dum, chák, buh-dum, chák. Esses instrumentos, explica, têm de estar no tempo correto. Ainda assim, o músico volta a um conselho que nunca sai de moda: “Você precisa ser profissional”, receita.
Isso se faz necessário, segundo o reggaeman, por uma razão natural: “Nem todo artista consegue pegar o groove da música. De alguma forma, mesmo que a banda não esteja tocando bem, o cantor consegue preencher esse espaço com sua voz e emocionar o público.”
Homem de fé, critica os que “só pensam” em grana. “Deus me deu talento. Tenho que usá-lo. O tempo todo eu penso e fico surpreso por ainda ter aquele mesmo som. O som das raízes. O som positivo. É a única língua que sei falar”, afirma à revista Rolling Stone.