Luis Fernando Verissimo mostra que beleza mora na concisão
DM Redação
Publicado em 31 de agosto de 2025 às 19:10 | Atualizado há 3 horas
Morto no fim de semana, aos 88 anos, em Porto Alegre (RS), escritor sabia que falta de tempo desanimava leitor diante de textos exigentes
Marcus Vinícius Beck
Saxofonista das ideias, o escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo, morto no fim de semana, se achava gigolô das palavras. A gramática, ensinava, “precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda”. Escrevia para dizer, não enfeitar — e, ainda assim, encantava.
Em poucas linhas, Verissimo ria de figuras caricaturais da política. Ironizava a ditadura militar em seus anos terminais com a Velhinha de Taubaté — “a única pessoa que ainda acredita no governo”. Ela representava a ingenuidade diante do general João Batista Figueiredo, o último presidente fardado, aquele que preferia cheiro de cavalo ao de gente.
Também fazia o Brasil gargalhar com O Analista de Bagé, esse freudiano ortodoxo que carregava os costumes típicos dos rincões do Rio Grande do Sul. Seu humor morava exatamente na contradição entre a intelectualidade e a rudeza do gaúcho da fronteira.
Verissimo sabia que a falta de tempo desanimava o leitor diante de textos exigentes. Era adepto da frase três-em-um (a que diz no mínimo três coisas com um verbo só). “Sabemos que um advérbio de modo ou uma firula desnecessária podem atrasar a vida”, dizia.

Apaixonado por futebol, achava que o Rei Pelé era o melhor professor de português do Brasil. No livro “Banquete Com os Deuses”, diz que “quem o viu jogar ou hoje vê seus teipes sabe que Pelé jamais fez uma jogada que não fosse parte de uma progressão para o gol”.
Sua lição? “Tente chegar lá como Pelé chegaria, com poucos mas definitivos toques, sem nunca deixar que os meios o desviem do fim. E se, no caminho para o gol, você fizer alguma coisa espetacular, esforce-se para dar a impressão de que foi apenas obrigação”, afirmava.
Embora seja o maior cronista pós-Rubem Braga, com um estilo que ficcionalizou a crônica e a fez se aproximar da arte do conto, Verissimo demorou a se achar na vida. Ia mal nos estudos, depois ficou sem emprego fixo (limitava-se a bicos na publicidade e traduções), era casado, filha pequena, outra vindo. Chateou-se ao não ver perspectiva profissional.
Tinha 30 anos. Fizeram-lhe, então, um convite: escrever para o jornal porto-alegrense “Zero Hora”. Ih, argumentava, será um vexame. Afirmava-se péssimo na escrita. Quase declinou. Mas o editor Paulo Amorim, chefe no recém-criado matutino gaúcho, propôs um teste.
Quando piscou o olho, dominava todas as posições da redação: inventava o horóscopo e produzia, sob pseudônimo, textos opinativos. Certa vez, contava, suas duas personas debateram fortemente, já que manifestaram visões opostas acerca de determinado tema.
Verissimo foi escalado para assumir a função do cronista Sérgio Jockymann, um dos mais lidos da capital gaúcha. Na coluna “Entrando em Campo”, que saiu em 19 de abril de 1969, o novo autor se apresentava aos leitores: “Luis com ‘esse’ Fernando dos Verissimo de Portugal e Cruz Alta. Admirador do Internacional em geral e do Ivo Corrêa Pires em particular.”
Credenciais? “Muito poucas”, atestava. Recorreu, sem escolha, à metáfora futebolística: “Sei que estou entrando em campo para substituir um astro mas vamos suar a camiseta, tentarei corresponder, futebol é assim mesmo e, no fim das contas, que diabo, são onze contra onze.”
No ano seguinte, foi para o tabloide “Folha da Manhã”. Expunha-se, bem-humorado, aos leitores. Dizia ser “branco, brasileiro, colorado”. “Sexo: sim. Estado civil: satisfatório. Sinais particulares: dois. Públicos: quatro. Convicções políticas: você deve estar brincando.”
Como um Garrincha da crônica, Verissimo driblava a marcação dos censores. Acostumou-se a escrever dois textos — um mandava à redação, outro deixava na gaveta. Não foram poucas as vezes que o material engavetado precisou sair. Regra básica: era bom evitar política.

Sobre cinema, uma de suas paixões, escreveu: “é a arte dos sentidos, não do intelecto. O drama humano e social pode ser contado numa sucessão de poses.” Para o escritor, a obra do cineasta Federico Fellini joga com luz e sombra. “É o melhor diretor italiano justamente porque é o mais superficial, o mais egocêntrico, o mais posudo, o mais filha da mãe.”
Se Woody Allen — a quem chegou a ser comparado pela autoironia — tocava clarinete, Verissimo soprava o sax. Jazzófilo, satisfazia-se ao ouvir o tom melancólico de Chet Baker e impressionava-se com as revoluções de Miles Davis. “O essencial está na música”, falava.
Filho do escritor Érico Verissimo, não escreveu um romance monumental como o pai, autor de “O Tempo e o Vento”. Mas politizou gerações satirizando a classe média brasileira com “Família Brasil”, “As Mentiras Que os Homens Contam” e as “Comédias da Vida Privada”.
Por isso, é um dos maiores humoristas que o Brasil conheceu. Seu texto era diferente do estilo verborrágico de Nelson Rodrigues e da objetividade de Millôr Fernandes. E, mesmo assim”, mostrou que há beleza na concisão. Aos 88 anos, Luis Fernando Verissimo está encantado.