‘Lutar, Lutar, Lutar’ retrata a resistência atleticana como time que une branco e preto
Marcus Vinícius Beck
Publicado em 29 de janeiro de 2022 às 15:09 | Atualizado há 4 meses
Até
mais, espera! Aquele abraço, zica! Cinquenta anos em cinco, meu caro Juscelino,
é para os fracos, os desistentes, os que não suportam uma filinha à toa e já
puxam briga. É preciso lutar, se foder, se derramar em lágrimas, se entrambicar
no chão, digo, de divisão, se levantar, acreditar, desacreditar, só então há
dignidade para gritar “somos campeões, porra!” Os atleticanos – que me
desculpem os outros torcedores – a têm.
Drummond,
o poeta que escreveu nas páginas do Correio da Manhã e do Jornal do Brasil
estar aturdido pelo futebol, acerta em parte, não compreende o Galo como outro
Drummond, o Roberto, escritorzão da porra que acertou na mosca com a frase “se
houver uma camisa branca e preta pendurada no varal durante uma tempestade, o
atleticano torce contra o vento”. Essa letra quem me canta em meio a este
batuque futebolístico é o cronista mineiro Fred de Melo Paiva, atleticano de
fé, punk velho.
Fred ama Reinaldo, Sérgio Borges ama Reinaldo, até eu – corintiano com procissão de fé na fila do desespero – amo Reinaldo. “É um time que tem uma história muito grande. Tem Reinaldo como principal ídolo. É ídolo porque foi um dos maiores craques do futebol brasileiro, apesar de não ter conseguido mostrar isso cem por cento por causa das lesões”, afirma o diretor de “Lutar, Lutar, Lutar”, filme disponível na Mostra de Tiradentes a partir desta sexta-feira, 28, na plataforma online do festival.

Ousado,
o doc conta a história centenária do Atlético Mineiro, desde sua fundação, em
1908, até o título da Copa do Brasil de 2014, sem esquecer – como poderia? – da
conquista heroica da Libertadores de 2013, aquela mesma em que Ronaldinho
Gaúcho mostrou ao mundo que não era ex-jogador e comandou o time nos momentos
mais difíceis. Segundo Sérgio, “Lutar, Lutar, Lutar” nasceu da utopia de unir o
branco e o preto, o pobre e o rico, e o que resiste às injustiças dentro e fora
das quatro linhas.
É um time da cidade. Não ligado à elite, como o América, ou aos imigrantes italianos, a exemplo do Cruzeiro. Mas da alma de Belo Horizonte, a jovem capital de Minas Gerais. Reinaldo comemorava seus gols com o punho fechado, como os Panteras Negras norte-americanos, grupo de resistência ao racismo estrutural do norte durante os anos 1960. Pela sua afronta, quando balançou as redes na Copa de 1978, os militares lhe puseram contra a parede: trate de jogar bola, pois de política quem fala somos nós.

Reinaldo
seria melhor que Serginho Chulapa, titular no jogo contra a Itália na Copa de
1982? Com toda certeza, sim. A história do Galo, porém, é marcada por outro
episódio controverso, que por meio da arbitragem duvidosa de José Roberto Wright
disseminou uma tristeza coletiva que figura entre as mais tristes da História
de BH. “Não há nada que justifique ali. O juiz expulsou cinco jogadores do
Atlético”, recorda-se o jornalista Juca Kfouri, em depoimento que faz parte do
documentário.
Alternando
imagens de arquivo da partida contra o Flamengo pela Libertadores de 81 com
depoimentos de personagens do jogo, a partida até hoje não foi esquecida.
Também, pudera: no estádio Serra Dourada, em Goiânia, que desagradava o
Atlético e agradava o Flamengo, como reportou o Jornal dos Sports, o clima
esquentou no primeiro tempo num lance no qual Reinaldo se atirou em Zico,
camisa rubro-negro. Vermelho direto. Zero a zero no placar. Vitória, contudo,
por W.O, dos cariocas.
A taça, como se sabe, foi para o Flamengo, meses depois campeão do mundo diante do Liverpool. Ao Galo, sofredor, uma eliminação precoce. Anos antes, numa partida válida pelo Brasileirão de 1977, o Atlético encantava o torcedor com um futebol vistoso, de encher os olhos, tamanha a beleza, mas faltava pôr a mão no caneco. O desfecho, trágico, não resume a campanha impecável dos mineiros na competição: liderou na primeira fase, na segunda teve vitórias convincentes, bateu o Londrina na semifinal, com triunfo no jogo de ida por 4 a 2, no Mineirão, e empate na volta.
“Reinaldo, no meio do campeonato, foi expulso. Depois de seis meses, julgaram o caso e foi considerado culpado. Em mais de seis meses, foi condenado pela expulsão! É completamente absurdo. Serginho, do São Paulo, foi expulso no jogo anterior e foi pra final. O Atlético com onze pontos na frente teve que disputar um jogo no qual tiraram seu principal jogador”, aponta Sérgio Borges, lembrando que a maior média de gol de um jogador da história é justamente de Reinaldo, cuja consciência política foi adquirida por meio da convivência com Frei Betto, intelectual engajado na luta contra a ditadura.

Na
partida, um jogador do Atlético quebrou a perna. Havia uma festa imensa em BH,
afinal o time era o melhor do país àquela ocasião era o Galo, porém o destino
trapaceou e o episódio é considerado por muitos o dia mais triste da capital
mineira. Em “Lutar, Lutar, Lutar”, Reinaldo confirma que as lágrimas estavam em
todos os cantos, entre ricos, entre pobres, entre branco, entre pretos.
Chorava-se porque o melhor time não venceu. E, como o Galo perdeu, era difícil aceitar
a vitória de um impostor.
“Algumas vezes não ganhou por azar, adversário melhor, mas muitas vezes houve interferências internas. Alimentou frustração. Sou suspeito, sou atleticano, mas é uma das histórias mais incríveis”, afirma Sérgio, que não viu o time de 77 e a mística de Cerezo, Eder, Luisinho, Reinaldo. São seus maiores ídolos e não foram superados por Diego Tardelli e Ronaldinho Gaúcho. “Mesmo quando não ganhava, o Atlético era sempre favorito, jogava pra frente, tinha uma camisa – uma camisa que entorta varal.”
Filmaço
para fãs de futebol, “Lutar, Lutar, Lutar” tenta contar a história de um time
que se assemelha ao brasileiro, com sua resistência, lutas, derrotas e glórias.
Enquanto realizador, Sérgio atesta que foi prazeroso unir duas paixões, como o
ofício de cineasta e a paixão pelo time do coração. “Está muito próximo do
torcedor. Fred Melo Paiva, jornalista, escreve para O Estado de Minas, brinca
que a história do Atlético é tão bonita que é difícil um realizar estragar essa
história, contar mal contada.”
Para o diretor, o futebol é um instrumento muito importante “na nossa cultura”. “Todas as mazelas do capitalismo estão ali envolvidas. Você fala dos jogadores autocentrados, composições mais à direita. O futebol, antes disso ou para além disso, é um lugar de igualdade de condições, vivendo uma coisa a partir de um interesse comum”, reflete Sérgio. A quem interessar possa, “Lutar, Lutar, Lutar” também está disponível para ser alugado nos principais serviços de streaming.