Cultura

Marcelo Falcão, ex-vocalista de O Rappa, faz show em Goiânia

DM Redação

Publicado em 30 de abril de 2025 às 21:28 | Atualizado há 5 horas

Artista criou obra relevante na música brasileira ao lançar discos elogiados - Foto: Divulgação
Artista criou obra relevante na música brasileira ao lançar discos elogiados - Foto: Divulgação

Músico se apresenta neste sábado, 3, a partir das 20h, durante a etapa do evento Vert Battle, realizado no Oscar Niemeyer, em Goiânia

Marcus Vinícius Beck

Ex-vocalista de O Rappa, Marcelo Falcão aponta sua alma para a cara do sossego. Às vezes, como no show gratuito que fará neste sábado, 3, no Oscar Niemeyer, a partir das 20h, ele leva um papo com a vida: “Qual é a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz?” 

Falcão estapeia os ouvidos moucos da classe média. Com rouquidão, num timbre que ressoa caos urbano e perigo social, descortina-se uma antropofagia de ritmos. O suingue soa indignado, talvez exasperado, e moldura versos sociológicos a respeito da desigualdade.

“As grades do condomínio”, me sopra Falcão, “servem pra trazer proteção”. “Mas também trazem a dúvida/ Se é você que tá nessa prisão”, entona o vocalista, na sétima faixa do disco “Lado B/ Lado A”, lançado em 1999. “Me abrace e me dê um beijo/ Faça um filho comigo.”

Por causa de letras dessa natureza, o álbum salienta o aperfeiçoamento discursivo que tornou o Rappa um grupo socialmente engajado na música brasileira, ao amplificar as injustiças vividas após o Plano Real. A banda, portanto, criou uma obra-prima sintonizada com o espírito daquele tempo em que FHC exercia seu segundo mandato presidencial. 

Tal mérito ocorreu graças aos recursos poéticos depositados pelo baterista Marcelo Yuka em suas letras. Leitor dedicado à prosa de Friedrich Nietzsche e à poesia de Charles Baudelaire, Yuka se abriu para a leitura ainda jovem. Na adolescência, quando se formou leitor, xerocava textos de sociologia. Assim, sua sede literária me parece inesgotável.

Discurso

Isso, sem dúvida, se faz sentir nas canções do Rappa e, de certa forma, contribuiu para a banda ser aceita nas esferas públicas, além de fazê-la respeitada nas periferias. Suas letras são crônicas de um cotidiano empobrecido, assim como o eu lírico indica em “Favela”, de “Lado B/ Lado A”: “É nos terreiros do samba/ Que a molecada cresce e ama sua escola.”

Por isso, como visto até aqui, O Rappa soaria, em “Lado B/Lado A”, diferente de tudo o que se tinha escutado nos discos anteriores. Quando lançou o estreante “O Rappa”, de 1994, a banda demonstrava estilo calcado no reggae, rap e funk, com pitadas de rock ao estilo The Clash e Rage Against the Machine. Mas os caras, não bastasse o som, faziam boas letras.

Já “Rappa Mundi”, publicado em 1996, acelerou a evolução do grupo. Nesse trabalho, conforme o crítico Cassiano Elek Machado, O Rappa não faz reggae, nem rock, muito menos rap e tampouco pop. No entanto, explica Machado, encontra-se em cada um desses ritmos musicais na bagagem e nas influências “tão distintas quanto os camelôs e João Saldanha”.

Como os mangueboys do Mundo Livre S/A e Nação Zumbi, que marcaram a música brasileira nos anos 1990, O Rappa manifesta consciência social. Em comum, as três bandas valorizam o jogo de cintura. Dessa forma, compartilhando a noção de que o tecido social estava na verdade deteriorado, uns se ligam aos outros pela dimensão sociopolítica da arte.

Se mangueboys e manguegirls gostavam de hip hop, sexo não-virtual e conflitos étnicos, para evocar o manifesto “Caranguejos com Cérebro”, escrito pelo mundo livre Fred Zero Quatro, O Rappa alerta para o inimigo público número um da economia informal. O termo “rapa”, gíria bastante utilizada em 1996, designa aquele policial que prendia camelôs no Rio.

Seja lá como for, “Rappa Mundi” expõe — a começar pelo título — certa agressividade estético-discursiva, embora venha, muitas vezes, associada a uma sonoridade adornada por grooves de baixo, riffs tocados na guitarra e batuque percussivo sangue-bom. Até a canção “Hey Joe”, imortalizada por Jimi Hendrix, foi gravada no disco. Ok, mudaram o arranjo. E aí?

Assim mesmo, o repertório de “Rappa Mundi” é perfeitamente classificável de supimpa. Mas o grupo ainda não havia atingido seu auge criativo, apesar da otimista “Pescador de Ilusões” e sua guitarra de efeito wah-wah costurando a composição assinada por Yuka, bem como as excelentes “A Feira” e “Miséria S.A.”. O Rappa melhoraria ainda mais, todavia.

Auge

Publicado em 1999, “Lado B/ Lado A” foi produzido por Chico Neves. Duas canções, a faixa homônima e “Na Palma da Mão”, tiveram o experiente Bill Laswell em estúdio. Ele chegou a trabalhar com Bob Marley e Ramones. Na ocasião, o tecladista Marcelo Lobato disse à imprensa que a Warner Music, gravadora da banda, achou que ter Laswell era um delírio. 

O violão funky tocado por Marcelo Falcão, o vocal recitado de Yuka (bateria) e a cuíca comandada por Lobato (tecladista) avisam o ouvinte: agora, meu amigo, a coisa mudou. Com uma linha de baixo arrojada, “Tribunal da Rua” mistura sons e até parece ser inclassificável. Não há preocupação com rótulos. Ainda hoje, não à toa, é algo novo. 

Além de “Tribunal da Rua” e sua sonoridade incomum, “Lado B/ Lado A” trafega pela via dos hits: “Me Deixa” e “Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero)”. Depois desse disco, a banda foi golpeada pelo destino. Marcelo Yuka, o baterista, deixou O Rappa —em novembro de 2000, levou três tiros no Rio durante uma tentativa de assalto. Ele ficou tetraplégico. 

“A gente continua com o mesmo pessoal, a galera da nossa área. Antes, a molecada só tinha o traficante para admirar, agora vê que tem um jeito bem melhor de tirar onda”, declarou Falcão à “Folha”, em 1999. Em carreira solo desde 2019, é certo que o show de Marcelo Falcão na capital goiana terá os hits de sua antiga banda – ainda que sua carreira solo tenha atraído fãs pelos mesmos motivos que o tornaram conhecido como vocalista de O Rappa. Apreciemos.


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