Cultura

Marina Lima chega aos 70 anos com obra moderna e sofisticada

DM Redação

Publicado em 19 de setembro de 2025 às 19:43 | Atualizado há 5 minutos

Cantora criou obra moderna e sofisticada que atravessa gerações - Foto: Candé Salles/ Instagram/ @marinalimax1
Cantora criou obra moderna e sofisticada que atravessa gerações - Foto: Candé Salles/ Instagram/ @marinalimax1

Marcus Vinícius Beck

Com sua voz bluesy, enfumaçada, a cantora Marina Lima escora-se num erotismo empoderado. Chega aos 70 anos como sempre foi: moderna, sofisticada. Abre caminhos para a libertação dos costumes que reverberam na música popular produzida nos dias atuais.

Marina defende o individualismo existencialista, como quando canta em “Fullgás”: “Você me abre seus braços e a gente faz um país.” Dedica-se, ademais, às relações amorosas e seus “Acontecimentos”: “Me diz por onde você me prende, por onde foge e o que pretende.”

Ao lado do irmão, o filósofo e poeta Antonio Cícero, a artista carioca flana por território hedonista. Sente-se guapa, charmosa e cosmopolita, baudelairiana e shakespeariana, entoando os sentimentos — de quase tudo. Manda aquele dane-se para os caretas.

Gosta de Madonna e Stanley Kubrick, prefere Beatles a Rolling Stones, Paul McCartney a Keith Richards, curte Letrux e Filipe Catto. “Sempre foi uma artista que circulou dentro do underground e também dentro das tendências, porque é artista de vanguarda”, diz Catto.

Gata todo dia, perde-se no paraíso artificial e sexual. A voz rouca, deliciosamente temperada no sabor do desejo, languidamente vocacionada para a diluição final dos gêneros, trafica ecos do bardo francês Charles Baudelaire. Sopra: “Eu viajaria muito, mas muito mais.”

Os mares se assanham diante de Marina, por causa das elipses ou do timbre — a escavação da mulher-abismo, a vala comum para enterrar o desejo, segundo o escritor Xico Sá. “Somos todos bissexuais”, atestou, séria e sábia, quando lançou “Todas Ao Vivo”, em 1986.

Quando saiu “O Chamado”, oito anos depois, a tese foi aprofundada. “Temos os dois elementos, uma coisa homo e uma coisa hetero”, afirmou ao jornal “Folha de S. Paulo”. É mesmo? Diga mais, Marina. “Os que conseguem trafegar nesses dois caminhos são felizes.”

Marina Correia Lima veio ao mundo no dia 17 de setembro de 1955. Aos cinco anos, mudou-se para Washington, nos Estados Unidos, acompanhando o pai, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento. O Brasil, no entanto, lhe deixou saudade.

“Tudo iniciou lá nos Estados Unidos. Eu fui alfabetizada em inglês. Cheguei lá no primeiro ano primário. Até falava português também, mas não sabia escrever em português. Eu não gostava de morar lá”, revela Marina ao podcast da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Artista lançou disco ‘Virgem’, em 1987: obra-chave em sua discografia – Foto: Bob Wolfenson/ Divulgação

Como sentia falta da praia, fechou-se. Virou, conforme a própria cantora, “uma criança melancólica”. O instrumento foi um meio para expressar a tristeza. De início, ouvia os discos dos pais — música brasileira, sobretudo —, até que aconteceu o soul e o funk.

Antes de se firmar como cantora, Marina assumiu-se compositora. “Alma Caiada”, parceria com Antonio Cícero, quase foi lançada na voz de Maria Bethânia, mas terminou vetada pela censura. Acabou tendo outra composição, “Meu Doce Amor”, gravada por Gal Costa.

Como fogo

Em disco, Marina apareceu “Simples Como Fogo”, em alusão à obra de 1979. Esse elepê, apesar da pouca visibilidade comercial, fez história na música brasileira por um aspecto transgressor: era a primeira vez que uma mulher assinava contrato com uma gravadora.

Foi aí que telefonou para o irmão, que morava nos Estados Unidos. Disse-lhe: “Volta, porque agora nós vamos fazer músicas para o disco que eu vou gravar.” Sobre não ter estourado logo de cara, Marina é sincera: “Sempre pensei em criar minha obra de forma coesa.”

Ainda assim, discaço. Na capa, aparece num vestido preto, justo e sem mangas, que destaca as curvas de seu corpo, com decote escandaloso para a época (e até para hoje), salientando a sensualidade da cantora. Era, sob as lentes do fotógrafo Antonio Guerreiro, dona de si.

Artisticamente, friccionou discurso poético sofisticado e arranjos elaborados, tornando-a uma espécie de madrinha para o rock brasileiro. Afinal, seu som é pop, é rock, é blues, é bossa nova, é funk (!). É música para gente esperta, gente aberta, gente massa — e livre.

Nos anos 1980, abrindo seus braços e fazendo um país, Marina conheceu o estrelato. Se “O Lado Quente do Ser” (1980) e “Charme do Mundo” (1981) a trazem em busca da voz autoral, “Fullgás” (1984) manifesta individualismo — se a ditadura agonizava, desbundemo-nos.

“Nada de mal nos alcança / Pois tendo você, meu brinquedo / Nada machuca, nem cansa”, vocaliza, ressoando o sentimento juvenil de que a militância política tinha sido superada. De fato, o movimento estudantil, como se vira nos anos 1960, foi reprimido pelos militares.

Sentia-se o calor das Diretas Já, entre 1983 e 1984. Para Marina, seu quinto disco, “Fullgás”, dominava tudo o que queria. “Foi um processo de amadurecimento, inclusive ouvindo pessoas que admirava musicalmente: Cazuza, Renato Russo, meu irmão…”, revela.

De lá para cá, fez seus Registros à Meia-Voz, pôs a voz no peito em Pierrot, expôs suas tormentas em O Chamado. Adoeceu nos anos 1990, deixou de fazer shows, refez o elo com o Brasil no Acústico MTV. Sintonizou-se à MPB nos anos 2010 e 2011: “O que me faz sentir tesão pela vida é me sentir curiosa.” Essa é Marina Correia Lima, a nossa Marina Lima.

Confira íntegra da entrevista de Marina Lima ao podcast da Unesp

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