Meu pão de queijo, meu Vila Nova, minha Goiânia
Redação DM
Publicado em 20 de janeiro de 2017 às 22:05 | Atualizado há 8 anos
Pão de queijo com café parece tão fundamental para nós, mineiros e goianos, quanto o chocolate quente para o suíço. Nessa inusitada manhã fria de janeiro saio mais cedo de casa. Gosto de zanzar em silêncio pela cidade em busca do nada. Apenas ver, sentir e ouvir as pessoas. Sentado na cadeira de uma lanchonete da Praça Tamandaré, me dou conta de que há muitos anos não vou ao rio Araguaia no mês de julho. Nem em agosto ou em setembro, quando o rio é mais piscoso e os cardumes sobem o rio num espetáculo indescritível de cores e movimentos.
Antes eu ia ao Araguaia umas dez vezes ao ano. Naquela época meus amigos tinham tempo para me acompanhar nessas aventuras. Na verdade, o Araguaia tornou-se para mim um monte de lembranças fugidias. Surpreendo-me pelo fato de que não faço muitas das coisas que fazia antes. Deixei de lado os pequenos vícios, como o de fumar os cigarros ‘Charm’. Nem me ofereço à tradicional cerveja no fim de tarde com os colegas. Esses vícios me acompanharam por longos anos até quando enjoei deles e os abandonei de vez. Hoje, de vez em quando ouso uma taça de vinho.
Aos poucos, sem perceber, alterei rotinas, costumes e o jeito de ver as coisas; menos a convicção de torcer pelo Vila Nova. De contador a jornalista foi um pulo de pião que roda a trezentos e sessenta graus até encontrar o ponto em que o giro parece estático. Percebo, no correr sem freios do tempo, que mudei minhas personagens e máscaras. Não aquelas arrumadas para me esconder da vida. Mas o jeito de ver as coisas com o desapego dos prazeres e vaidades para uma melhor compreensão sobre as coisas mais importantes como a amizade verdadeira e a família. Percebo que o outro está do meu lado muitas vezes precisando de uma conversa amiga.
Viver o dia a dia é simples. Basta prestarmos atenção ao que acontece a nossa volta no sentido de não confundir o osso da asa de um pássaro enterrado recentemente no quintal com o crânio de um réptil extinto há milhões de anos. Ou então assistir um complicado professor de literatura ensinar gramática aos alunos, sendo que o certo é mostrar a simplicidade da escrita de Machado de Assis, ou ensinar temas como a história e filosofia em vez de mostrar erudição estéril. Os poetas da Renascença, quando estavam muito ocupados, convocavam seus alunos para dar o acabamento final aos seus poemas. Assim, os professoram assinavam os poemas e assumiam a responsabilidade pelas aulas. Deus nos fez do mesmo modo para darmos o retoque final à vida por meio do livre arbítrio. Desta maneira o mundo espiritual avalia as nossas atitudes.
Distraído nesses pensamentos temperei um pão de queijo com pimenta. Pimenta não combina com pão de queijo. Nessas abstrações descubro que as coisas simples são as melhores. Vem o vento que me lembra de que não devo, pelo menos hoje, ‘empilhar agonias’ como diz o americano dos Estados Unidos. Prefiro ser bombástico como o foi Shakespeare: “Meu reino, minha terra, minha Inglaterra.”
Meu pão de queijo, meu Vila Nova, minha Goiânia. O resto é silêncio.
(Doracino Naves, jornalista; editor do Portal Raízes)