Cultura

Moça, eu não sou obrigada

Diário da Manhã

Publicado em 7 de junho de 2017 às 02:34 | Atualizado há 4 meses

Na segunda-feira (5), a pauta em voga aqui em Goiânia foi o feminismo. No Bar da Tia, conhecido local na Praça Universitária, ocorreu uma Roda de Articulação dos Feminismos de Goiânia. Simultaneamente, acontecia a palestra de Thaís Godoy Azevedo, criadora da página no Facebook “Moça, não sou obrigada a ser feminista”. A palestra, intitulada “Desmascarando o Feminismo”, aconteceu na Faculdade de Direito da UFG.

Na Roda de Articulação dos Feminismos, tudo ocorreu bem, o evento abordou diversas pautas. Inclusive entraram em debate pontos que envolvem as mulheres trabalhadoras, como as reformas propostas pelo atual governo. De acordo com Jane Darley Alves dos Santos, presente no evento, o público era diversificado. “No debate estavam presentes mulheres e homens de vários coletivos feministas e também autonomistas. As pautas principais giraram em torno do ataque por parte do Estado aos direitos das mulheres. O tema principal foram as reformas trabalhistas e previdenciária e como esta retirada de direitos é um acontecimento histórico e mundial”.

Já na palestra “Desmascarando o Feminismo” o clima foi bem diferente. Thaís, ao apresentar sua fala, causou indignação na plateia, que exigiu o fim do evento. A estudante Helena Bittencourt relata como aconteceu o episódio: “Bem, no dia, algumas meninas que se organizaram subiram para satisfazer a curiosidade de ver o que uma antifeminista defenderia. Eis que ela provocou as feministas e exigimos espaço de debate, que dizem ser garantido pelo estatuto da UFG. Em algum momento, ela mandou alguém da plateia ‘calar a boca’ e daí pra frente perdeu toda sua pose de ‘palestrante’ e ficou brigando como uma criança com as pessoas que discordavam dela, soltando todo tipo de ódio por quem estava lá para discordar”.

Helena continua o relato dizendo que o público começou uma discussão entre si após a possibilidade de debate ter sido extinta pela palestrante, que inclusive distribui insultos a plateia. “Ela chegou a rebaixar seus argumentos a atacar as feministas falando que todas tinham pelos no sovaco”. Helena continua: “A plateia que parece que concordava com o discurso antifeminista dela começou a atacar a plateia pró-feminista. Percebemos que ela queria o ‘barraco’ tanto que na hora em que ela perdeu a razão, ela já havia desligado sua transmissão ao vivo por conta do que ela chamou de sinal ruim, o celular de todo mundo estava funcionando bem lá dentro”.

Helena prossegue o relato contando que depois do desentendimento o grupo que se manifestou contra o conteúdo da apresentação de Thaís seguiu para outro espaço. “Quando algumas pessoas perceberam que aquela bagunça generalizada que ela causou podia colocar em risco o bem-estar físico das mulheres feministas, decidiram levar o som para o salão nobre para pelo menos transformar aquilo em uma grande festa feminista e levaram o som para cima e transformou tudo aquilo em uma pequena festa feminista. Ela saiu com seu grupo e todos os curiosos e pró-feministas ficaram lá dentro mais calmos e seguros”.

Alguns grupos haviam preparado uma recepção em clima de boicote à palestra, espalhando pelo prédio diversos cartazes com personagens e pensamentos feministas. A palestrante ao chegar ao local se mostrou incomodada com a manifestação. “Então, quando eu cheguei o jardim tava lindo, vários cartazes lá, na escada pro salão nobre e dentro dele. Aí enquanto rolava um som lá no jardim, umas manas subiram pra assistir a palestra. O salão estava meio cheio, tanto de alunos da faculdade quanto de manas. O clima antes mesmo da palestra começar era de boicote, não por parte do que foi deliberado na reunião que fizemos, mas por parte do Coletivo Pagu e de outros estudantes”.

Carine diz que o evento seguiu de forma tensa e que tanto a palestrante quanto seu advogado se mantiveram “armados” durante o acontecido. “Ela começou a palestra contando sobre a trajetória acadêmica e política dela, de que participou de parada tal e não sei o que, o tempo todo lendo um texto pronto. Começou a provocar algumas manas quando citou uma teórica qualquer perguntando ‘vocês já estudaram isso?’ e etc. Nisso o clima já esquentou, mais pessoas começaram a contestar o que ela tava falando, em especial um estudante da casa que foi convidado a se retirar do salão pelo advogado dela”.

 

O conteúdo  da página 

O motivo pelo qual ocorreram as manifestações contra o evento é o conteúdo da página que Thaís alimenta no Facebook. A página “Moça, eu não sou obrigada a ser feminista” utiliza posts considerados desrespeitosos e propagação de discurso de ódio por mulheres feministas e apoiadores da luta. A página com postagens diárias dedica-se a renegar casos de violência física, sexual e psicológica sofridas por mulheres e ridicularizar suas lutas. Thaís não produz sozinha o conteúdo, a página conta com vários administradores, mas ela emprestou sua figura como símbolo do movimento.

Entre os posts estão coisas como imagens de manifestações de cunho feminista com observações como “Alguém fluente em mimimi ou empoderedês pode traduzir?”. Ou um vídeo dizendo “Mulher com comportamento feminista arma barraco com homem que olha a bunda pelo retrovisor”.

Casos de estupro são frequentemente abordados pela página em tom de zombaria e descrédito. “Tava pesquisando no Twitter sobre nossa página e encontrei gente reclamando que falamos todo dia sobre falsas acusações de estupro. Às vezes dá vontade de por essas femimi com permissão de ler nosso inbox por algumas horas pra terem noção da chuva de notícias que chegam incessantemente sobre o assunto. Assim talvez bostejariam menos”. Apesar do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ter apresentado números oficiais informando que 47,6 mil pessoas foram estupradas em 2014. Como apenas 30% a 35% dos casos são registrados, a previsão é de que a relação seja de um estupro a cada minuto.

Helena conta que a mesma palestra aconteceu mais cedo na Pontifícia Universidade Católica e foi alvo de críticas. “Amigos que assistiram a mesma palestra na PUC contaram que ela tem argumentos muito fracos, pra isso basta uma breve pesquisa. Quando ela sabe que vai “perder” um debate ela parte pra táticas pouco éticas como exposição de mulheres, sarcasmo, xingamentos, etc. Sabíamos disso mas pensei que numa universidade poderíamos debater idéias. Mas acho que não é a prática dela.”

Grupos de estudantes se manifestaram contra a implosão da palestra alegando que não foi oferecido um espaço de diversidade ideológica, já outros grupos mantiveram que discurso de ódio não se trata de um posicionamento. No grupo da UFG no facebook um estudante fez o seguinte post: “E na federal é o seguinte se você tem idéias contrárias de certos movimentos, você passa a ser chamado de fascista”.

Sátiras foram produzidas em resposta as defesas da fala de Thaís. Como uma imagem simulando a seguinte notícia “Membros da Ku Klux Kan são expulsos de universidade. Os negros pedem igualdade e liberdade racial, mas não toleram nem uma palestra nossa”. Ação do movimento negro foi considerada agressiva e intolerante por membros da comunidade acadêmica”.


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