Cultura

Mural sobre Anne Frank

Redação DM

Publicado em 5 de outubro de 2016 às 02:19 | Atualizado há 5 meses

O brasileiro Eduardo Kobra concretizou domingo, dia 2 de outubro, em Amsterdã, Holanda, um de seus maiores sonhos: ele entregou o mural “Let me be myself”, que pintou desde o 20 de setembro sobre a menina Anne Frank, morta aos 15 anos ,em fevereiro de 1945, pela barbárie nazista no campo de extermínio de Bergen-Belsen. O mural de 240m² fica em NDSM-werf, na parede de um prédio em que será construído o maior museu de arte de rua de todo o mundo, na região norte de Amsterdã, na Holanda. “Sempre quis fazer um mural sobre Anne Frank. A sua triste história leva a uma profunda reflexão, já que a intolerância ainda persiste no mundo. Ao mesmo tempo, Anne inspira muitos jovens do mundo inteiro pela sua coragem e sabedoria. Apesar de tudo, ela nunca perdeu sua fé na humanidade e se manteve viva através da literatura para transmitir sua história e legado”, afirma Kobra, que acrescenta: “Escolhi como título e tema do mural justamente uma de suas frases mais representativas e universais, que é ‘deixe-me ser eu mesma’, fundamental em um mundo onde a identidade de cada um deveria ser respeitada”. Ontem, 4 de outubro, Kobra voltou para o Brasil.

Anne Frank, menina judia alemã, que viveu grande parte de sua breve vida em Amsterdã, se tornou conhecida após sua morte, depois da publicação de seu diário – “O Diário de Anne Frank” –, que foi publicado em cerca de 60 países traduzido para 70 idiomas, com 30 milhões de exemplares vendidos e serviu de tema para inúmeros filmes e peças de teatro.

Para fazer o mural, Kobra, que estava na Holanda acompanhado por dois artistas do Studio Kobra, Agnaldo Brito e Marcos Rafael, utilizou 450 latas de spray e 35 litros de tinta acrílica.

Com o novo mural, Eduardo Kobra mantém o foco nos temas que marcam suas obras nos últimos anos. Em uma das suas séries mais representativas, o artista destaca em murais feitos em diversos países personalidades icônicas que contribuíram para paz, a liberdade, a arte e o humanismo, como Nelson Mandela, Martin Luther King Malala Yousafzai, Dalai Lama, Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá e John Lennon. Pouco antes dos Jogos Olímpicos deste ano, Kobra encantou o mundo ao fazer no Rio de Janeiro o belo e relevante mural “Etnias – Todos Somos Um”, monumental trabalho, com 2.646,34m², no Boulevard Olímpico, no Porto Maravilha, Rio de Janeiro. No mural estão representados os cinco continentes: Ásia – Karen, da Tailândia; Oceania – tribo Hulis, da Papua Nova Guiné; América – os Tapajós, da região amazônica; Europa–tribo Chukchis, da Sibéria e África – os Mulsi, da Etiópia. A obra foi reconhecida pelo Guinness World Records como o maior mural grafitado do mundo.

“Sempre disse que esse seria o maior painel grafitado no mundo e que era o único recorde já garantido antes do início dos jogos. Mas é claro que esse número – que estar no Guinness – só é importante para dar ainda mais visibilidade à obra. O importante é a mensagem! Infelizmente há no mundo uma intolerância cada vez maior, onde pessoas de diversos continentes, especialmente da Europa, rejeitam o imigrante ou o ‘diferente’. Espero que esse mural, dentro do espírito olímpico dos Jogos, tenha ajudado e continue a ajudar a lembrar que todos temos origens ‘semelhantes’, que todos somos diferentes, mas iguais; que a diversidade é bela, mas que no fundo Todos Somos Um: a espécie humana”, diz o artista, que acrescenta: “Este novo mural, o ‘Deixe-me ser eu mesma’, também busca sensibilizar as pessoas para o humanismo e talvez despertar para que tenham uma atitude mais proativa diante dos problemas da humanidade. Fico emocionado quando vejo uma multidão observando meu trabalho, mas também é fantástico e emocionante quando vejo que uma única pessoa parou na correria do dia a dia para observar minha pintura e talvez tenha se tornado mais sensível ou até mais ativa como transformadora da sociedade.”

“O projeto de Kobra em Amsterdã surgiu de uma visita do prefeito Van der Laan a São Paulo, no início de 2016, e é parte integrante da cooperação entre as duas cidades”, diz Joelke Offringa, presidente do Instituto Plataforma Brasil, que idealizou a ida de Kobra à Holanda. Segundo Joelke, a NDSM-weerf era uma área de estaleiros de Amsterdã, onde estava situada a maior companhia de construção de navios da Holanda, que faliu no século 20. “Agora é uma área de inovação, com muitas incubadoras de projetos artísticos”, afirma.

O local foi escolhido juntamente com Kobra e a Tekton Architekten, de Amsterdã. “O NDSM-werf tem uma reputação internacional como um refúgio artístico, inovador e experimental, de modo que a mensagem de liberdade e coragem, que Kobra defende em seus trabalhos, combina com o lugar”, diz Peter Ernst Coolen, que, em nome da Street Art Today, organizou toda a produção em Amsterdã. Kim Tuin, diretor da Fundação NSDM-werf, também acolheu de imediato a ideia da ida de Kobra ao estaleiro para a produção de seu novo mural.

Antes de ir para Amsterdã, Kobra esteve de 12 a 18 de setembro em Ravenna, na Itália, para pintar um mural de quatro metros quadrados sobre Dante Alighieri, em um pequeno prédio na região central da cidade italiana. Kobra também fez uma gravura de 35X50cm para uma exposição sobre o escritor italiano na Casa Oriani, também em Ravenna, na qual diversos artistas pintaram suas ‘leituras’ sobre o notável escritor italiano.

Pouco antes, no dia 5 de setembro, Kobra entregou em São Paulo um mural, ainda sem nome definido, inspirado no ciclismo e na necessidade da apropriação de espaços urbanos pela população. A obra fica na empena (parede lateral) do Ibis Styles São Paulo Faria Lima (Rua Tavares Cabral, 61, em Pinheiros). A parede que recebe o mural do artista, de 60 metros de altura por 13 de largura, é voltada para a Av. Faria Lima. Kobra é apaixonado por bicicletas, que usa há mais de uma década em São Paulo. É a segunda vez que destaca o veículo em suas obras. Em maio de 2015 pintou na Rua Oscar Freire, em São Paulo, o mural “Genial é Andar de Bike”, onde mostra uma divertida cena do cientista Albert Einstein pedalando uma bicicleta.

O muralista brasileiro viajou no início de agosto aos EUA para pintar um mural de 44 metros de largura por 16,15 metros de altura sobre o astronauta Neil Armstrong (falecido em agosto de 2012, em Cincinnati).

Em Cincinnati, Kobra, que se encontrou com a família do astronauta, descobriu durante o processo de criação do mural que o cineasta Steven Spielberg é nascido naquela cidade norte-americana. Decidiu incluí-lo, com uma referência na obra. O trabalho ficou lindo e criativo. No mural vemos Armstrong com uma câmera, olhando para a Terra e, na frente do “Planeta Azul” a clássica cena do filme E.T. sob um novo ângulo (a bicicleta com o E.T. e o menino passa em frente à Terra, ao contrário do filme, em que passa em frente à Lua). “Coloquei uma câmera no Neil Armstrong e deixei-o olhando para a Terra, para reforçar a mensagem de que por mais que novos mundos sejam descobertos e conquistados, temos que ter nosso foco principal voltado para nosso pequeno, conturbado, mas sempre belo planeta Terra”, diz o artista, que acrescenta: “Agora, depois de mostrar o planeta inteiro, visto da Lua, foco minha atenção na minha cidade, São Paulo, a minha grande paixão, que é a minha base de tudo. Espero que este mural ajude a sensibilizar às milhares de pessoas que passam pela região ou mesmo que verão a obra pelas redes sociais, de que é fundamental uma vida mais saudável, com mais lazer, mais esportes, menos poluição, mais segurança para a população e a conquista e apropriação dos espaços urbanos pela população.”

 

Amsterdã– São Paulo

São Paulo e Amsterdã trabalham juntas desde 2012 e em 2014 foi assinado um acordo para fortalecer essa cooperação. Durante a última visita do prefeito Van der Laan, em junho de 2016, foi organizada uma homenagem a Johan Cruyff na Cruyff Court Ermelino Matarazzo, fundada em novembro de 2010, em São Paulo. Joelke Offringa, do Instituto Plataforma Brasil, convidou o artista Eduardo Kobra para a ocasião. Kobra, após pesquisar sobre a vida do ex-jogador holandês, aceitou participar do projeto, pintando um mural na Cruyff Court, em São Paulo. A realização deste mural está planejada para março de 2017, no aniversário de um ano da morte do holandês. Kobra se colocou à disposição para trabalhar essa ideia, justamente por causa da importância social do projeto, que está em 200 países. “Graças a esse ícone do futebol holandês, 300 crianças da periferia de São Paulo têm um lugar seguro onde podem se exercitar e receber uma boa educação escolar”, diz Kobra.

Sobre Eduardo Kobra

Kobra é um expoente da neo-vanguarda paulistana. Seu talento brota por volta de 1987, no bairro do Campo Limpo, com o pixo e o graffiti, caros ao movimento hip hop, e se espalha pela cidade. Com os desdobramentos, que a arte urbana ganhou em São Paulo, ele derivou – com o Studio Kobra, criado em 95 – para um muralismo original – inspirado em muitos artistas, especialmente os pintores mexicanos e no design do norte-americano Eric Grohe – beneficiando-se das características de artista experimentador, bom desenhista e hábil pintor realista. Suas criações são ricas em detalhes, que mesclam realidade e um certo “transformismo” grafiteiro.

É interessante ressaltar que Kobra não faz intervenções sem pedir antes a autorização do poder público ou do proprietário do imóvel. Kobra é autor do projeto “Muro das Memórias”, que busca transformar a paisagem urbana através da arte e resgatar a memória da cidade. Os desenhos são a síntese do modo peculiar de Eduardo Kobra criar – através do qual pinta, adere, interfere e sobrepõe cenas e personagens das primeiras décadas do século XX. Essas obras são uma junção de nostalgia e modernidade, por meio de pinturas cenográficas, algumas monumentais. Através delas cria portais para saudosos momentos da cidade “A ideia é estabelecer uma comparação entre o ar romântico e o clima de nostalgia, com a constante agitação de hoje”, diz o artista.

Desde 2006 já foram entregues cerca de 30 murais em avenidas e ruas de São Paulo. Em janeiro de 2009 entregou para o aniversário de São Paulo um mural de 1000 metros quadrados na Av. 23 de Maio, que mostra cenas da década de 20. Kobra, que nunca faz uma intervenção sem pedir antes a autorização do poder público ou do proprietário do imóvel, pediu a autorização para a a obra. O então prefeito Gilberto Kassab (“Lei da Cidade Limpa”) prestigiou a inauguração do muro da Av. 23 de maio, o que é visto como um marco para a arte de rua, porque pouco antes os fiscais de Kassab andavam destruindo várias obras de artistas urbanos. Em janeiro de 2013, Eduardo Kobra fez a impressionante obra “Oscar Niemeyer”, para o aniversário de São Paulo.

Kobra, inquieto, estudioso e autodidata, também faz pesquisas com materiais reciclados e novas tecnologias, como a pintura em 3D sobre pavimentos (muito difundida por nomes internacionais, como Julian Beever e Kurt Wenner). O artista realizou diversas obras em 3D, como na Praça Patriarca, no centro da cidade, a primeira no Brasil; e na Avenida Paulista, símbolo da megalópole. A técnica anamórfica consiste em “enganar os olhos”. A pintura é distorcida ou mesmo incompreensível na maioria dos ângulos de visão, mas ao ver do ângulo correto, estipulado pelo artista, se torna um 3D com incrível variação de profundidade e realismo.

Paralelamente, Kobra desenvolve sua produção pessoal, que passa pela pesquisa de materiais reciclados e novas tecnologias. Recicla e recria momentos e formatos das histórias da arte e das cidades, especialmente de São Paulo. Kobra tem sido muito procurado para pintar restaurantes, bares e residências. Participou de várias edições da Casa Cor São Paulo e da Bienal de Arquitetura de São Paulo.

Eduardo Kobra começou como pichador, tornou-se grafiteiro e hoje se define como um muralista. Tornou-se conhecido pelo seu projeto Muro das Memórias, onde faz releituras de cenas da São Paulo antiga, como o muro de 1.000m2 na Av. 23 de maio. Nos últimos anos também se dedicou muito a outros projetos, como surpreendentes obras em 3D e o projeto Greenpincel, onde mostra (ou denuncia) imagens fortes de matança de animais e destruição da natureza; e homenagens a personagens que marcaram a história, em diferentes áreas, como Albert Einstein, Nelson Mandela, Madre Teresa de Calcutá, Abraham Lincoln, Maya Plisetskaya Salvador Dali, Barquiat (grafiteiro), Frida Kahlo e Andy Warhol.

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