Cultura

Nas paredes da memória

Diário da Manhã

Publicado em 24 de junho de 2021 às 15:27 | Atualizado há 4 anos

Nas paredes da memória: as lembranças no curta-metragem goiano “Presente de Casamento” partem de um acervo familiar entre pai e mãe. Dele, sucedem-se imagens coloridas, impressas, analógicas, em preto e branco ou numa Super 8. É um filme documental poético, mas que demonstra todo o amor da diretora Viviane Goulart pela fotografia. “Fotografo no cinema”, diz ao Diário da Manhã, em entrevista realizada na tarde de ontem, véspera da estreia do curta na 16ª Mostra de Cinema de Ouro Preto.

“Dentro desse contexto da pandemia, quando consegui produzir o filme, eu tinha saído de um processo de documentário e acabou que foi surgindo a oportunidade de fazer a produção de “Presente de Casamento”’, relata a diretora. O filme nasceu de uma provocação da própria Viviane, ao convidar seus pais para participarem da produção: foi um processo construído a partir de perguntas por telefone ou whatsapp, além de conversas e memórias, para só depois ser costurado na ilha de edição.

Exibido neste ano no Instituto Federal de Goiás (IFG), o filme estabelece um encontro com a subjetividade, num suporte imagético que já não existe mais e parece ter ficado para trás numa sociedade hiper-conectada Vem do interesse, afirma Viviane, de pegar retratos analógicos, transformá-los em conteúdo audiovisual e deixar o filme ir se narrando. “Por mais que a gente tente se distanciar, não é qualquer casal”, reconhece.

A começar pelo título, uma memória. Ou melhor, uma declaração de amor da filha para os pais, mas com um carinho que se desnuda na linguagem cinematográfica de cinema de arquivo. “O gatilho é o acervo, e a memória, mas não necessariamente esse registro do cotidiano como a gente vive nas redes sociais”, compara Viviane. “No caso das imagens, eu acho que elas podem trazer essa referência de álbum de família e, se fizermos um paralelo, pode ter relação com as mídias sociais.”

O curta, fruto do edital do IFG Inspirarte de 2020, foi construído por Viviane como uma memória de afeto. “Eu trago imagens de arquivo de janeiro de 2020, de Minas Geais (estado, aliás, em que a diretora nasceu), e numa dessas visitas, trouxe esse álbum de 15 anos da minha mãe que tinha meio que se desfeito com o tempo”, lembra.

Curiosa e apaixonada pela história dos progenitores, achou que deveria se apropriar do material e, com isso, realizar uma produção na qual o afeto está na costura das imagens, no suporte analógico e no cuidado ao contar a história dos pais. Nesse sentido, garante Viviane Goulart, o apoio do IFG, câmpus Cidade de Goiás, foi essencial. “A gente tem que se desdobrar com as oportunidades que vão surgindo.”

“Presente de Casamento” será exibido na mostra Curtas Mostra Contemporânea TV Ufop – Sessão 2. A grade de programação contará com duas sessões de curtas produzidos em universidades e escolas de formação em cinema e audiovisual. Além do filme de Viviane Goulart, o público assistirá a saudade do irmão mais velho e vestígios de memórias em fotografias, VHS e textos que fazem parte do Centro Universitário UMA, “Dose”, de Clara Tempone, que abre a segunda parte da TV Ufop.

De Fortaleza (CE), realizado no curso de Realização de Audiovisual do Centro Cultural Bom Jardim, “Bize” é um ensaio dos cineastas Dan Jonathan, Gil Sousa e Pedro Higor e reflete sobre as imagens, o que está ao redor delas e toda a complexidade social que as envolvem. Já “Reduto”, de Michel Santos, retrata as consequências das ações do agronegócio na cidade de Luís Eduardo Magalhães, oeste da Bahia.

A sessão termina com “Visões de Copacabana – Uma Breve Trilogia do Acaso”, de Rita Brás, cuja produção ocorreu na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em meio ao isolamento social provocado pela pandemia de coronavírus, a diretora reflete sobre a situação do país em suas vivências como portuguesa que reside e estuda no Brasil.

ABERTURA E HOMENAGEM
Na abertura do Cine OP, realizada pelo segundo ano consecutivo no ambiente virtual, o público assistiu ontem ao longa-metragem “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, novo filme do diretor português João Botelho que conta com Chico Diaz no elenco – o ator, aliás, é homenageado nesta edição do evento. O longa, adaptação do romance do escritor José Saramago inspirado na obra de Fernando Pessoa, é estrelado por Diaz.

Bem costurada e com fotografia em preto e branco, a trama passa- -se na década de 1930. Reis, personagem do ator brasileiro, volta a Portugal depois de passar uma temporada autoexilado no Brasil e é levado a tomar um partido dos eventos históricos da época. Corria o ano de 1936, e o fascismo de Mussolini estava no auge, bem como o nazismo de Hitler, a Guerra Civil Espanhola e o Estado Novo de António Salazar dava a cara.

Nascido na Cidade do México, mas filho de mãe brasileira e pai paraguaio, Diaz fixou residência no Rio no final dos anos 1960. A experiência transnacional lhe garantiu, por talento e dedicação, a construir uma carreira no Brasil e no exterior. Nas últimas quatro décadas, tornou-se um dos atores mais conhecidos da TV, teatro e cinema.

Sobre a década de 1990, escolhida pelos curadores para reflexões nesta edição, o ator disse que foi na ocasião quando teve os primeiros sinais de que estava no caminho certo. “Quando veio a retomada e esses filmes vêm à tona, eu também vim à toa, num momento em que eu estava fora do panorama da mídia muito forte (a televisão). Aquela solidão, aquele abandono, aquele silêncio que levei por tanto tempo estavam construindo algumas capacidades e potências de decodificação para os personagens”, declarou Chico Diaz, em entrevista à Universo Produção.

Muito mais do que mostrar a produção feita em universidades e escolas, a mostra perfila até segunda-feira (28) a diversidade, originalidade e inventividade do cinema brasileiro. Sem contar que, óbvio, nos provoca a refletir. No obscurantismo, toda e qualquer reflexão é bem-vinda. (Marcus Vinícius Beck)

16ª Mostra de Cinema de Ouro Preto
Até quando: segunda-feira (28)
Onde: https://cineop.com.br/ Gratuito

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