Nico Rezende nos coloca pra cima: tecladista moderno, criativo, pop. Produziu Cazuza. Assina, meio roquenrou, meio Lupicínio, arranjos do primeiro disco dele pós-Barão.
Trocou pauliceia desvairada pelo humor-amor carioca em 1982. Fizeram-lhe convite para o qual era difícil dizer não: ser tecladista na banda de Ritchie, que explodiria com hit “Menina Veneno”, no ano seguinte. Aí, bom na coisa, chamaram-lhe para acompanhar Lulu Santos.
Na mesma época, criou arranjos para o elepê “Fullgás” (1984), clássico de Marina Lima, e conheceu Barão Vermelho. A banda tinha sido convidada para compor trilha sonora do filme “Bete Balanço”, dirigido pelo cineasta Lael Rodrigues, em 1984. Saiu compacto com duas faixas: canção-título e o rock “Amor, Amor”, que tem colaboração de Nico nos teclados.
Escuto cada vez mais alto o blues “Só as Mães São Felizes”, vizinhança enlouquecida e, na minha cabeça, já é meio-dia no lado escuro da vida. “Exagerado”, o disco de 1985, estimula roubarmos mil rosas. Adoramos um amor inventado. Paixão cruel desenfreada, essa.
Nico destaca-se também pelo trabalho autoral. Taí “Primeira Vez”, 1° álbum publicado desde “Piano e Voz”, de 2012. É coisa boa, dessas escassas no streaming, em que muito se produz — e pouco se ouve. Quando há qualidade. Às vezes, parece, nem isso achamos ali.
Aqui é diferente, porém: pensamos em Chet Baker. Pop jazzificado. Nico abre álbum com faixa-título, parceria com Nelson Motta — antigo “sonho de consumo”. “Dois corações, cada um pro seu lado/ nada nos resta, a não ser o que foi/ foi tão bom que dói lembrar/ o teu corpo em fogo a me fazer amor”, canta, dividindo vocal com cantora carioca Isabella Taviani.
Afável e zeloso, o tecladista conta ao Diário da Manhã que tinha sonho antigo de compor com “Nelsinho”. Diz que o conhece desde o tempo em que tocou com Lulu Santos. “Mandei melodia pra ele. Achei que era coisa meio carioca. E ele tem essa escrita simples falando da alma carioca”, vibra, enfatizando que foi presenteado com “letra incrível, super-encaixada”.
Nelson, por sua vez, descreve canção como “baladaça bem romântica”. “Letra e música se misturam com naturalidade. É de chorar”, comove-se o experiente letrista, apresentado ao público brasileiro nos anos 1960, época em que estabeleceu parceria com Dori Caymmi.
Na 2ª faixa, “Meu Melhor Sim”, a introdução traz progressão de acordes bossa-novistas. É sambeada, digamos. O amor se mostra vivo nos “dias sem lua, noites sem sol”. Já a próxima música, “Um Amor Puro”, versa ainda sobre o mais nobre dos sentimentos, num dueto com a cantora mineira Roberta Campos — que é compositora da faixa em parceria com Nico.
Dessa vez com sotaque funky, metais afiados e guitarra suingada, “De Volta Pro Frio”, parceria entre Nico e o letrista Claudio Rabello, recebe nova versão. Foi gravada, pela primeira vez, no repertório que saiu com elepê “Tudo Ficou Pra Trás”, publicado em 1991.
De lá pra cá, o tecladista a ouviu dezenas de vezes, seja gravação original ou interpretação de Paulo Ricardo. A família também pesou na escolha de repaginar canção. Desiludido no amor, o eu-lírico confessa desassossego sentimental. “Você me fez infeliz/ e eu fui deixando o tempo passar”, diz Nico, entre comentários de metais feitos por Vander Nascimento.
Há método para se escolher parceiros? “Não. Às vezes, eu mesmo faço a letra, às vezes eu escolho, às vezes acontece de alguém estar perto”, detalha o músico. Sobre formas de compor canções, afirma que existem três maneiras. “Você compõe música e letra juntas, você compõe primeiro a melodia e você mesmo faz a letra — ou dá pra algum letrista.”
“Ou, ao contrário, você pega um poema, versos escritos, e musica esses versos. São as três maneiras de compor. Mas eu — em geral — não escolho os parceiros. Essas escolhas acontecem por si só. A vida vai nos colocando frente a frente”, explica o arranjador.
Luau
Em clima de luau, a canção “Esquece e Vem” traz participação da cantora brasiliense Ive Greice, num dos grandes hits assinados por Nico, com letra do saudoso Paulinho Lima. O clipe, disponível no Youtube, foi gravado entre Rio de Janeiro e Lisboa, capital portuguesa.
Com piano delicado, “Pra que Serve uma Canção” descortina talento de Dudu Falcão para garimpar palavras, que letrou melodia emocionante lhe dada por Nico. “Os versos andariam soltos se o amor não fosse uma prisão”, vocaliza, indicando se tratar de “uma das mais belas canções que já escrevi”. Já “Vida que Segue” nasceu de sonho pandêmico, por assim dizer.
Nico, insone, acordou de madrugada. Gravador à mão, registrou melodia no celular e, quando tinha versos escritos, voltou a dormir. Horas depois, pela manhã, deu-se conta de que não era mero devaneio noturno — e sim boa canção. Esperançosa e alto-astral, a letra ganhou moldura musical alegre, num arranjo pop que nos faz cantarolá-la no cotidiano.
Em “Signo de Ar”, parceria com o amigo Jorge Vercillo, o artista escancara “varandas do coração”. “Enviei melodia e fomos construindo a letra, nas ruas do condomínio onde ele mora, com direito a segurança nos abordando na madrugada, questionando se éramos desocupados”, rememora Nico, rindo, orgulhoso da brasilidade imprimida na música.
“Primeira Vez” termina com “Pegadas” e “Melodia Sem Final”. A 1ª foi escrita em parceria com Alex Moreira, músico que morreu no ano passado, enquanto a 2ª surgiu na mesa de bar, sem instrumento, no dia em que Maria Rita, ex-esposa de Roberto Carlos, se encantou. “Escrevi melodia e letra simultaneamente e estou tirando, finalmente, do baú”, conta.
Definindo a vida entre acordes e melodias como “coisa maravilhosa”, Nico reconhece que é um sonho fazer aquilo que ama. Desde pequeno, rememora, percebe-se apaixonado por música. “É uma grande bênção você se desenvolver nessa profissão, ter aprendido música, ser afinado, cantar. Quer dizer, pra mim, foi um grande presente”, agradece.