O anjo de Zuzu
Redação DM
Publicado em 11 de janeiro de 2016 às 23:34 | Atualizado há 6 meses
“Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar”
Este é o trecho da música Angélica, de Chico Buarque de Hollanda, em homenagem à estilista brasileira Zuzu Angel, que morreu num “acidente” automobilístico em 1976. A moda de Zuzu, sempre colorida, cheia de vida e folclore nacional fora trocada por manchas vermelhas, remetendo à sangue, pássaros engaiolados, motivos bélicos. E o símbolo de sua marca, o anjo, passou a aparecer em suas confecções amordaçado e ferido. Este anjo era Stuart, seu primeiro filho, de apenas 25 anos. Stuart Edgart Angel Jones era militante da luta armada contra a repressão do Regime Militar. Membro do grupo MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), Stuart foi capturado pela ditadura e torturado durante interrogatórios que visavam saber o paradeiro do ex-capitão Carlos Lamarca, chefe do Movimento, em 1971.
Stuart foi dado como desaparecido, mas seu vizinho de cela, Alex Polari, que também era preso político, revelou que o jovem havia morrido em decorrência dos maus tratos sofridos no cárcere. Stuart teria sido amarrado em um veículo e arrastado pelo pátio do quartel, em alguns momentos fora obrigado a colocar a boca no escapamento do carro e inalar toda a fumaça tóxica expelida. Em carta destinada à Zuzu, entregue no Dia das Mães, Polari contou detalhes da tortura do companheiro, relatando que Stuart passara a noite jogado no pátio, clamando por água. Uma das hipóteses para o desaparecimento do corpo de Stuart, que a polícia declarava como “Procurado”, é de que ele fora jogado no mar por um helicóptero da Marinha Brasileira.
De posse da carta de Polari, Zuzu Angel foi atrás do senador norte-americano Edward Kennedy, que tornou pública a morte e desaparecimento do corpo de Stuart em discurso no senado americano. Stuart tinha além da nacionalidade brasileira, também a americana por parte de seu pai, Norman Jones. Em outra ocasião, Zuzu furou a segurança para entregar ao secretário de estado dos Estados Unidos, Henry Kessinger, que estava de visita ao Brasil, um dossiê com documentos sobre a prisão, tortura, morte e ocultação do corpo de seu filho. A estilista passou a realizar desfiles-protesto mundo a fora para tornar de conhecimento de todos as práticas da repressão do Regime da Ditadura contra estudantes brasileiros. Suas roupas passaram a conter estampas com motivos bélicos e manchas “ensanguentadas”. Celebridades hollywoodianas, clientes de Angel, aderiram a causa.
A luta de Zuzu pelo direito de enterrar o filho foi parar nos tribunais e nas manchetes dos principais jornais estrangeiros da época. Certa vez ela entregou um documento a Chico Buarque com a orientação de que deveria publicá-lo caso algo lhe acontecesse. Uma semana depois, na madrugada do dia 14 de abril de 1976 a estilista morreu em um acidente automobilístico na saída de um túnel no Rio de Janeiro. Em 1998, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos julgou que a morte de Zuzu Angel não fora acidente, mas sim que ela havia sido assassinada, já que a mesma confrontara o governo da época.
Zuzu e Stuart não foram as únicas vítimas deste terrível período da política nacional. Documentos disponíveis no Arquivo Nacional mostram que Stuart foi dado como desaparecido em 14 de setembro de 1971, arquivos do dia 16 mostram que ele e outros 89 presos políticos haviam sido executados. A Comissão Nacional da Verdade listou exatamente 434 pessoas, entre mortas e desaparecidas. A Presidente Dilma Rousseff é uma das várias pessoas presas políticas da Ditadura Militar que foram submetidas à tortura. Outra sobrevivente é a jornalista e ex-militante do PCdoB Míriam Leitão, que foi presa e torturada pela ditadura durante a gravidez.
A história da família Angel virou filme em 2006. Intitulado Zuzu Angel, o longa-metragem dirigido por Sérgio Rezende trás Patrícia Pilar no papel da estilista e Daniel de Oliveira interpreta Stuart. O romance de José Louzeiro, Em Carne Viva também foi inspirado na tragédia que assolou a família. No fim de 2014 a Comissão da Verdade levantou novas pistas sobre a localização dos restos mortais de Stuart Edgart, uma ossada foi localizada e enviada para análise na Universidade de
Northumbria em NewCastle, Inglaterra. Quarenta e cinco anos depois e o desaparecimento do corpo de Stuart ainda é um mistério.