Onze anos sem J Dilla
Diário da Manhã
Publicado em 7 de fevereiro de 2017 às 01:16 | Atualizado há 5 meses
Considerado um dos maiores mitos da cena hip-hop independente dos Estados Unidos, J Dilla é lembrado principalmente por Donuts, álbum que escreveu e produziu enquanto encontrava-se no hospital, lutando contra uma incurável doença sanguínea chamada TPP (Púrpura trombocitopênica trombótica). O álbum é composto por 31 canções curtas, quase todas com menos de dois minutos. Donuts é interpretado como uma justaposição de momentos, humores e devaneios, bem como uma despedida consciente do músico. É considerado uma das obras mais importantes do chamado hip hop instrumental, vertente do estilo que oferece ao produtor maior flexibilidade para criar bases complexas, ricamente detalhadas e variadas, com menos ênfase em vocais.
Donuts são rosquinhas fritas e açucaradas bastante populares nos Estados Unidos. A sensação de escutar o disco, dividido em pequenas faixas, remete ao prazer momentâneo de apreciar uma quitanda. É como se cada canção demonstrasse a percepção do músico diante da proximidade da morte, quando não há mais muito tempo para apreciar as sensações da vida. Cada memória, no disco, cabe no tempo que se leva para apreciar um donut. Quando Dilla começou a trabalhar no álbum, na segunda metade de 2005, ele ainda não tinha nome. A mãe do músico, Maureen Yansey, que esteve com ele durante todo o período de tratamento, revelou à imprensa que Dilla era apaixonado pelo doce, e que durante seu período de internação levava dezenas deles para o filho.
Bastidores
O diagnóstico da doença sanguínea de Dilla veio em 2002, algum tempo depois do músico descobrir que tinha lupus. Na época, o músico compunha a formação do grupo Slum Village, um dos destaques da cena hip hop da época. De acordo com Karriem Riggins, amiga de Dilla, a ideia de criar um álbum novo surgiu durante uma longa internação. Ele foi presenteado com um pequeno sampler para que pudesse criar música enquanto estivesse hospitalizado. Das 31 canções que compõem Donuts, 29 foram concluídas enquanto ele estava internado. A mãe de Dilla relata que ele não revelava detalhes sobre o álbum. “Sabia que ele estava trabalhando numa série de beats antes de vir para Los Angeles. Na época, Donuts era um projeto especial que ainda não tinha nome”, contou.
“Musicalmente, ele passou por diferentes fases. Eu o observava todos os dias. Estava lá na hora do café da manhã, viajava para Detroit para cuidar de negócios, depois voltava para o almoço e jantar”, explicou Maureen, que deu detalhes sobre seu primeiro contato com o material que ainda estava em progresso. “Eu não sabia sobre o álbum até me mudar definitivamente para Los Angeles. Pude ouví-lo enquanto ele passava por uma hemodiálise, perto de seu aniversário de 31 anos. Ele ficou furioso quando descobriu que eu estava ouvindo, pois não queria que eu escutasse nada até tudo estar pronto”. A mãe do músico também falou sobre sua canção favorita: Lightworks. “Era uma das especiais. Tão diferente. Misturava música clássica, comercial e underground ao mesmo tempo”.
Maureen, que também cuidou da carreira póstuma do filho, disse que Dilla tinha uma grande preocupação com o legado que deixaria através de Donuts. “Uma das coisas que Dilla queria que eu fizesse com seu legado era usá-lo para ajudar pessoas doentes e crianças que eram musicalmente dotadas, mas que tinham pouca esperança devido à pobreza”. J Dilla completou 32 anos no dia 7 de fevereiro de 2006, data que marca também o lançamento de Donuts. Ele morreu três dias depois, no dia 10, após uma parada cardíaca. O álbum foi imediatamente aclamado pela crítica especializada. Onze anos depois, sua importância segue aumentando. Em maio de 2006, foi criada a Fundação J Dilla, com o objetivo de proporcionar a cura de pessoas diagnosticadas com lupus.