Paixão e amargura de Augusto dos Anjos
Redação
Publicado em 21 de abril de 2016 às 01:38 | Atualizado há 4 meses
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!”
A primeira vez que me deparei com um trecho deste poema, Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos, me senti invadida por ele, senti como se ele me representasse de alguma forma. Um brado de sentimentos, por vezes enclausurados, ou impensados até, sendo despejados sobre minha cabeça pelo brilhantismo de Augusto dos Anjos. Augusto era um jovem, rebelde e melancólico. Morreu cedo de mais pela idade, mas viveu o bastante para deixar marcado para sempre na História dos escritos brasileiros sua obra, que fulminava em sentimentos profundos. Marcante a presença de elementos como desânimo, desgosto, pessimismo, e uma “quedinha” por falar da tão temida Dona Morte.
Apesar da pouca idade, como todo jovem, Augusto era proativo. Formou-se muito cedo em Direito e exercia a profissão de promotor de justiça, além de também lecionar, quando mudou-se para o Rio de Janeiro, na Escola Normal e no Colégio Pedro II, tradicionalíssimas instituições de ensino da cidade. Sua única obra, Eu e Outras Poesias, fora publicada aproximadamente dois anos antes de sua morte, em decorrência de uma doença pulmonar gravíssima, vitimando o paraibano aos trinta anos de idade, em 1914. Sua expoência deu-se numa época em que o individualismo ganhava força no meio social, sendo característica marcante de sua poesia a crítica ao egocentrismo daquela época.
A aptidão às letras deu-se desde muito cedo. Augusto vinha de uma família abastada, filho de um senhor de engenho, que anos após a abolição e o fim da monarquia ficaria sem nada. Foi educado em casa, pelo próprio pai, e era na biblioteca do mesmo que, Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, deliciava-se. Na adolescência, o poeta já publicava seus versos em jornais da Paraíba. Em razão da carga profunda de sentimento e revolta em seus poemas, Augusto, por vezes era mal visto e interpretado como louco pelos leitores. Na Paraíba, ficou conhecido como o “Doutor Tristeza”.
Augusto dos Anjos casou-se com Ester Fialho, com quem teve três filhos, o primogênito morreu prematuramente. Em seguida, a família mudou-se para o Rio de Janeiro, em decorrência da grave crise financeira que o assolava. O preço da cana de açúcar, principal fonte de renda de sua família, já não garantia mais o sustento. No Rio de Janeiro, antes de empregar-se como professor, Augusto dos Anjos enfrentou o desemprego, e as dificuldades financeiras só aumentavam. O poeta morreu em 12 de novembro de 1914, meses após ter se mudado para Minas Gerais, quando recebeu o convite para assumir a direção do Grupo Escolar Leopoldina.
O Deus Verme
“Fator universal do trasnformismo
Filho da teológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme – é o seu nome obscuro de batismo.
Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação funerária,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.
Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói visceras magras,
E dos defuntos novos incha a mão.
Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção.”