“Pra sua segurança, pra sua proteção”
Diário da Manhã
Publicado em 17 de dezembro de 2016 às 02:22 | Atualizado há 4 mesesNa terça-feira desta semana, dia 13, no Distrito Federal, pessoas de todo o País se organizaram em manifestação devido a aprovação em segunda votação no Senado da PEC 241/55. Para corroborar com a criminalização das movimentações sociais e causar pânico entre os ativistas, uma velha lei foi cogitada, após a prisão de mais de 70 manifestantes em campo, a Lei de Segurança Nacional (LSN).
As medidas federais apontam para um futuro próximo de austeridade que tem causado uma série de atos de revolta da população brasileira. A Proposta de Emenda Constitucional que limita os gastos públicos em um período de vinte anos traz nas entrelinhas um severo corte de verba que atinge áreas como a saúde e educação. Tal fato iniciou um processo de luta principalmente nas universidades brasileiras, ocupações aconteceram em todo o País, assim como manifestações regionais de rua e atos unificados na Capital Federal.
Entre o final do mês passado e este mês de dezembro foram duas manifestações tendo como pauta a luta contra a aprovação da proposta de emenda. A primeira, no dia 29 de novembro, contou com a participação de mais de 10 mil pessoas, confirmados pela Polícia Militar, e 12 mil de acordo com a organização.
Este ato foi marcado por forte repressão da polícia e grande resistência dos manifestantes, que seguraram horas de confronto. No final da tarde do dia 29, o ato saiu do Museu Nacional em marcha até o Congresso, e quando alcançou a rampa de acesso do prédio, a polícia abriu o conflito com balas de borracha e gás de pimenta.
Nesta última terça ocorreu o segundo ato unificado em Brasília, novamente o caráter da manifestação foi de revolta. Desta vez a repressão estava com um maior preparo e o ato que tentava caminhar rumo ao Congresso não cumpriu seu objetivo. Na concentração, que aconteceu também no Museu Nacional, o conflito foi instaurado.
A polícia organizou um cordão para impedir que os manifestantes cumprissem a rota original. O primeiro isolamento foi quebrado, mesmo com a ação da polícia à base dos clássicos spray de pimenta e cassetetes. Porém atrás já estavam posicionados o Choque e a Cavalaria.
O ato então foi retrocedendo e acabou se dividindo em blocos que se espalharam pelas ruas de Brasília. Durante os trajetos seguidos por diferentes grupos ficaram rastros da revolta popular, vidraças e ônibus foram quebrados.
Com a dispersão do ato e a separação dos manifestantes, acabaram acontecendo diversas prisões de pessoas de todo o País. A princípio as pessoas foram levadas pela polícia sob o artigo 20 da Lei de Segurança Nacional. Mas nenhum dos manifestantes está de fato respondendo por tal acusação, mas sim por dano. A LSN foi usada durante a ditadura militar para repressões ideológicas, apesar de não vigorar mais em sua totalidade, ela permanece como um resquício da repressão.
Lei de Segurança Nacional
Essa lei foi criada na década de 30, mas ganhou dose de reforço na década de 60 para atender as aspirações da ditadura militar instaurada em 64. A grande questão é o porquê dessa lei ainda existir mesmo que em um certo desuso. É uma lei infraconstitucional que fere os conceitos de democracia defendidos pela Constituição de 1988.
O texto Lei de Segurança Nacional (7.170/83) frente à Constituição de 1988 esclarece alguns pontos e apresenta a resposta mantida pelo Estado para não extinguir tal lei: “Essa é a razão principal da Lei de Segurança Nacional não ter sido revogada em sua totalidade pela atual Constituição brasileira, tendo apenas derrogado resquícios do militarismo, embutidos em alguns artigos contidos na referida lei infraconstitucional, que não condiziam com os princípios democráticos de direito”.
O texto continua: “Conclui-se que a referida lei tem sua importância e real aplicação nos dias atuais, uma vez que nenhum Estado/nação está imune a atos terroristas e crimes que ponham em risco a ordem social e política”. Ou seja a razão da sua não extinção é a mesma de seu reforço na década de 60, um mecanismo de manutenção de uma situação política e social mesmo que cause descontentamento da população e consequentes revoltas.
O texto legal tem a seguinte descrição do que se enquadra nesta lei: “Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas”. Todos estes atos já estão tipificados em outras leis brasileiras, mas, de acordo com a LSN, tais práticas com finalidade política merecem uma outra interpretação.
400 Contra Um
O cinema nacional tem uma boa ilustração dos anos intensos da Lei de Segurança Nacional, como no caso do filme 400 Contra Um, que conta a história da criação do Comando Vermelho. A história do filme é de um assalto a banco para financiar mantimentos para a população pobre -amigos e familiares do futuro Comando Vermelho – sentenciou o bando de William, preso à época da ditadura. O crime estava no hall dos ilícitos da Lei de Segurança Nacional, que definiu as condutas que atentaram contra a “segurança” do Brasil, durante o regime militar.
Os vários assaltos a bancos financiaram ações de militâncias políticas contrárias ao regime, motivo que levou o legislador a dar tratamento diferenciado aos militantes. Todos os condenados por crimes da “LSN” ficaram reclusos no “Fundão”, área do presídio de Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Não tinham direito a banho de sol e não dispunham de comida e roupas suficientes.