Qual o Caminho do Cerrado?
Diário da Manhã
Publicado em 14 de setembro de 2016 às 02:27 | Atualizado há 4 meses
“$er ErradoA sociedade caminha de olhos fechados,
o cerrado está sendo aberto.
Às corredeiras caminhamos para o Abismo,
somente da Janela nos protegemos desses Saltos.
O caminho tem Segredo
e não se encerra em Silêncio.
Diante do Encontro das Águas
rogamos aos Anjos e Arcanjos.
Que não parem o Moinho,
Pois há de haver outro caminho,
onde sejamos sementes e não dementes.
Da estrada, a toda mirada vê-se os impactos a olhos nus,
fruto sem semente da monocultura caolha e vesga.
Agroescárnio do homo $apiens $apiens.”
(Marcos Guedes)
Este é um dos vários poemas que ilustram o blog do Projeto O Caminho do Cerrado, acompanhados das fotografias de Melissa Maurer. O projeto, lançado na Semana do Meio Ambiente, em junho de 2016, culminando na Semana do Cerrado (8 a 11 de setembro), e realizado no percurso que liga Brasília, Capital Federal, ao Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, cerca de 230 quilômetros, via GO-118, tem como objetivo alertar a população e autoridades responsáveis para o crescente número de desmatamento do Cerrado em prol da expansão agrícola na região. Nesta segunda edição do projeto, além de poemas e fotografias inéditas, formou-se ainda um coletivo de “guardiões” do Cerrado. O coletivo é composto por ilustradores, músicos, cineastas e o próprio Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.
Elementos do projeto
Alguns elementos significativos foram utilizados com cunho representativo, a fim de despertar a consciência do público. Entre eles devemos salientar os seguintes:
A mulher: representa a mãe natureza, que tem o poder e capacidade de gerar a vida, de nutrir seus filhos e sustentá-los com o poder do seu “leite”. A mulher representa a delicadeza, a fragilidade, a beleza, assim como a transformação, a renovação da vida, a proteção que toda mãe tem por seus filhos, a força que as mulheres possuem para seguir mesmo diante das adversidades.
Com sabedoria e sensibilidade podemos fazer uso dos recursos naturais de maneira sustentável, sem utilizar os recursos de maneira inconsequente.
O nu: representa a exposição que estamos sofrendo ao estar em contato com todas as degradações. O contato da pele nua, sem vestimenta, sem nenhuma proteção, com as degradações encontradas, demonstra a fragilidade da humanidade diante do desmatamento e do uso de agrotóxicos. A pele em contato direto com a destruição durante toda a trajetória remete à pouca durabilidade do nosso corpo e da sociedade diante dos excessos cometidos arbitrariamente.
A estrada: representa “O caminho do Cerrado”, a trajetória de desaparecimento desse bioma entre o trecho Brasília e o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, na estrada GO-118. Remete ao caminho real que o cerrado está seguindo, assim como os outros possíveis caminhos que devemos percorrer para manter e preservar a nossa savana brasileira.
A máscara: representa a proteção necessária para se seguir no meio de toda degradação. É a única maneira de respirar, sem se contaminar, nesse cenário de agressões e destruições que se apresenta pelo “O caminho do Cerrado”.
A bota: representa a proteção necessária para a longa caminhada, 230 km de devastação.
As tarjas pretas: representam a contaminação do leite, que antes gerava o sustento sagrado, e que não poderá ser utilizado para alimentar as gerações futuras. Remete às degradações em excesso que poluíram o corpo e o leite da mãe natureza.
(fonte: https://ocaminhodocerrado.blogspot.com.br/)
Melissa Maurer
A fotógrafa Melissa Maurer é natural de Brasília e desde 2004 reside em Alto Paraíso, na Chapada dos Veadeiros. Tem como foco principal de seu trabalho como fotógrafa a nudez do ser humano, procurando estabelecer parâmetros entre o corpo e a natureza. Ao longo de suas viagens entre Brasília e Alto Paraíso, ao longo dos últimos 12 anos, desde sua mudança da agitada Capital Federal para o contato imediato com a calmaria que proporciona a linda Alto Paraíso, Melissa Maurer pôde presenciar o avanço do agronegócio por esta região, o que, diretamente e consequentemente, vem provocando o desaparecimento do Cerrado Nativo às margens do caminho que a leva de seu atual lar para onde nascera.
“Muitas vezes não enxergamos o que está a nossa frente”, salienta a fotógrafa, que também é turismóloga por formação. “Muitos turistas visitam a região da Chapada dos Veadeiros em busca de contato com a natureza e espiritualidade, mas, na ânsia de ter suas expectativas atendidas, não conseguem perceber que durante todo o caminho (aprox. 230 km), na maior parte do trajeto a paisagem é de devastação, horizontes recortados pela monocultura, desertos após as colheitas, máquinas trabalhando para esse fim e um crescente movimento de caminhões carregados de máquinas, grãos e madeira”, afirma Melissa. E a partir desta sensível percepção fez nascer o Projeto O Caminho do Cerrado. Para concretizar, Melissa fez convite a uma amiga pessoal, a modelo, educadora e atleta amadora MMG, para que pudesse servir de modelo para suas fotografias.
Entrevista com Melissa Maurer, idealizadora do Projeto O Caminho do Cerrado
DMRevista- O que te levou, literalmente, para a Chapada dos Veadeiros?
Melissa Maurer- Sou nascida em Brasília, conheço a região há 20 anos e fazem 12 anos que vivo em Alto Paraíso. Vim em busca de uma vida mais simples e conectada com a natureza. Minha formação acadêmica é bacharel em Turismo e pude trabalhar em várias áreas do Turismo aqui na Chapada dos Veadeiros, inclusive exercendo o cargo de secretária municipal de Turismo em 2008. Hoje sou autônoma e trabalho com fotografia, divulgação e produção de eventos. Na área da fotografia tenho outro projeto chamado NUde-se, que busca conectar o ser humano à natureza e retratar a nudez de forma natural, onde os corpos são camuflados ou interagem com a natureza. Muito além de um ensaio fotográfico, o NUde-se é um processo de autoconhecimento, onde trabalhamos a aceitação, entrega, confiança e gratidão, trata-se de uma experiência para despir-se das vergonhas, julgamentos, preconceitos, auto imagem, traumas e medos, partindo da certeza de que todos somos belos e perfeitos da forma que somos.
DM Revista- Quais os rumos serão tomados para a captação de recursos para levar o projeto adiante?
Melissa Maurer- Até agora todos os investimentos para a realização do O Caminho do Cerrado foram feitos pela fotógrafa, pela modelo e por cada pessoa que tem somado de forma voluntária. Nessa 2ª fase do projeto estamos reestruturando o projeto para buscarmos recursos financeiros para uma exposição física e uma publicação. Ilustradores, músicos, designers, poetas, cineastas, tradutores, jornalistas, guias regionais da Servitur e o próprio PNCV – Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros tem apoiado o projeto.
DMRevista- O Caminho do Cerrado chegou à sua segunda etapa esta semana. Como tem sido o feedback do público em relação à iniciativa? Alguma autoridade responsável tem se manifestado?
Melissa Maurer- Infelizmente nenhuma autoridade se manifestou até agora. Sabemos que trata-se de um projeto polêmico e o objetivo foi exatamente esse, causar impacto e gerar reflexão. A nudez e a autoresponsabilidade ainda são tabus na nossa sociedade, mas sentimos que o objetivo está sendo atingido. O retorno do público e o da mídia geral têm sido favoráveis e nos motivam a continuar neste caminho em prol do Cerrado.
DMRevista- Quais são os planos para o futuro, e qual o legado você pretende deixar com O Caminho do Cerrado?
Melissa Maurer- Em breve teremos um documentário sobre O Caminho do Cerrado realizado pela Kanarô Produções. Seguimos no O Caminho do Cerrado registrando o contraste da devastação e das belezas dessa “savana com maior biodiversidade do planeta”. Por meio da arte queremos gerar a reflexão: Qual o caminho do Cerrado? Qual caminho estamos seguindo? Cadê o Cerrado que estava aqui?