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Entrevista

"Quase todos nós fotografamos", afirma o artista visual Benedito Ferreira

Artista encerra neste domingo, 25, exposição que estava em cartaz desde outubro. Ao Diário da Manhã, Benedito fala sobre fotografia na contemporaneidade

Benedito Ferreira, artista, diz que tecnologia transformou a fotografia - Foto: Acervo Pessoal Benedito Ferreira, artista, diz que tecnologia transformou a fotografia - Foto: Acervo Pessoal

O artista visual Benedito Ferreira se prepara neste fim de semana para encerrar a exposição “Pantera Solidão”, em cartaz no Centro Cultural Octo Marques, em Goiânia, desde outubro do ano passado. Com curadoria assinada pelo crítico Divino Sobral, a exposição apresentou ao público goiano um mergulho do artista em arquivos fotográficos e audiovisuais. Benedito os coletou em mais de uma década e o resultado é uma narrativa comovente.

São sete obras inéditas a partir das quais desnudamos o interesse beneditianiano, por assim definir, em torno de fotografias familiares e cliques capturados pelo artista durante viagem à Islândia e França. Em “Alfabeto de Gelo”, um dos destaques na galeria Samuel Costa, é possível identificar a singularidade do país insular nórdico, com sua paisagem enevoada, aquele branco gélido de neve caída e um contexto sociopolítico absolutamente diferente.


		"Quase todos nós fotografamos", afirma o artista visual Benedito Ferreira
Exposição realiza paralelo cultural com país insular nórdico. Foto: Benedito Ferreira


O artista fez - por meio de recursos gráficos em letras minúsculas do alfabeto latino - uma interferência nas paisagens islandesas, de modo a torná-las ligadas a um mundo distante, numa narrativa que conecta culturas e idiomas. “A obra também serve como um portal para o cancioneiro popular islandês, uma tradição lírica e musical conhecida como ‘rímur’, caracterizada por poesias e canções que frequentemente enfocam temas relacionados à natureza, à vida cotidiana, à história e à mitologia dessa terra remota”, explica o artista.

Na exposição, Benedito mostra ainda arquivos e álbuns fotográficos de famílias desconhecidas que garimpou em sebos, livrarias, leilões e feiras espalhadas por cidades como Goiânia, João Pessoa, Rio de Janeiro e São Paulo. Evidencia-se todo o interesse poético do artista para desconstruir criativamente a memória visual: extrai sua essência, fragmenta-a e desossa-a. É imprescindível lembrarmos que vivemos num mundo convulsionado por tantas imagens, mas é interessante nos imergir nos 33 álbuns datados de 1930 e 1980.

Paulo Duarte-Feitoza, professor de História da Arte e Estética na Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que os álbuns se constituem, na realidade, uma história narrativa criada com o objetivo de construir uma história. “Ferreira dispõe os álbuns na parede da galeria e intervém nessas histórias, situando imagens intrusas, deslocando o que poderíamos considerar personagens que se transformam em visitantes às outras histórias fazendo que, através do gesto do artista, a realidade documental da imagem se misture com a ficção.”


		"Quase todos nós fotografamos", afirma o artista visual Benedito Ferreira
Benedito mostra arquivos e álbuns fotográficos de famílias desconhecidas. Foto: Divulgação


Na última semana, o artista conversou com o Diário da Manhã sobre a finalidade da imagem numa era de rede social, como foi o processo de deslocar-se para compreender realidade distintas da sua e de que maneira o registro imagético explica o mundo e os enigmas por atrás da narrativa interrompida. A seguir, leia a íntegra do bate-papo:

Diário da Manhã - Num mundo convulsionado por tantas imagens, em que há uma proliferação delas nas redes sociais e nos aparatos tecnológicos que tanto usamos, qual é o papel da fotografia?

Benedito Ferreira - A tecnologia digital transformou a natureza da fotografia. Nos relacionamos com a imagem de uma outra maneira e isso reverbera no compromisso da fotografia na contemporaneidade, suas formas de expressão e capacidade de circulação imediata nas redes sociais. O que me encanta é que quase todos nós fotografamos diariamente. Então, é provável que um dos desafios da fotografia seja a constante atualização, muito em razão das tecnologias de inteligência artificial, de seu compromisso integral na sociedade.

"Eu intenciono mostrar a solidão em ambos os locais, na ausência de protagonistas na paisagem gélida e monótona que parte da capital Reiquiavique rumo ao desconhecido e nos turistas vorazes que fotografam insistentemente as principais atrações da capital francesa"

DM - Você apresentou para o público na sua exposição sete obras inéditas e, com elas, nos mostrou registros realizados em viagens pela Europa. Como foi se deslocar até aqueles países, compreender as disparidades culturais entre nós e eles e retratá-los?

Benedito - Quando um artista parte para outra paisagem, ele pode se iludir. É preciso cautela quando se faz esse movimento. Em “Pantera Solidão”, França e Islândia surgem no turbilhão das imagens propostas. Eu intenciono mostrar a solidão em ambos os locais, na ausência de protagonistas na paisagem gélida e monótona que parte da capital Reiquiavique rumo ao desconhecido e nos turistas vorazes que fotografam insistentemente as principais atrações da capital francesa. Uma relação evidente dos efeitos do capitalismo.

DM - A memória visual costuma dizer muito sobre nós na condição de civilização. Por que num mundo sufocado imageticamente devemos refletir sobre aspectos civilizatórios?

Benedito - As imagens não podem dar conta de tudo. Elas são documentos, mas também são ficção. Pensar sobre todo o arcabouço visual que produzimos ao longo de séculos acaba por mostrar como temos conduzido a nossa história como civilização.


		"Quase todos nós fotografamos", afirma o artista visual Benedito Ferreira
A fotografia bastarda é aquela intrusa, degenerada. Foto: Divulgação


DM - Chama atenção a inserção de uma “fotografia bastarda” no meio da coleção. O que o diferente tem a nos mostrar esteticamente no meio de um “álbum original”?

Benedito - A fotografia bastarda é aquela intrusa, degenerada. O público precisa deslizar o olhar nas superfícies dos 33 álbuns que compõem a instalação para detectar as intromissões. Às vezes, esse diferente está muito evidente. Em um dos álbuns, eu combino as figurinhas da Copa Mundial de futebol feminino de 2023 com fotografias de mulheres formandas do curso de administração no ano de 1957. Esse efeito mostra que a diferença só existe quando as imagens são colocadas em perspectiva, movidas por um gesto comparativo e habilidoso.

DM - Afinal de contas, qual é o enigma a ser desvendado nessa narrativa interrompida?

Benedito - Que bonita a sua pergunta. Para mim, um dos enigmas que salta na galeria é a relação com a morte. “Pantera Solidão”, afinal, é uma exposição sobre dar fôlego a esse imenso cemitério de imagens.

DM - Você tem se notabilizado no meio das artes visuais como um dos artistas mais profícuos. Quais são as próximas novidades que o público pode esperar - criativamente falando?

Benedito - Fazer uma exposição individual é sempre um desafio. A gente coloca muita energia na produção das obras e, em seguida, na montagem do trabalho. Depois de 4 meses em cartaz, parto para um novo desafio que é a montagem de um trabalho que reunirá fotografias coletadas em “mercado de pulgas” de países que têm o espanhol como língua oficial, como Paraguai, Guatemala, Equador, Chile, Argentina, Uruguai, Peru e Cuba.

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