Cultura

Realidades manuscritas

Diário da Manhã

Publicado em 25 de junho de 2016 às 03:11 | Atualizado há 4 meses

Existem obras de arte que podem ser vistas como ininteligíveis por fugirem de um padrão tradicional de sentido. É o caso da enciclopédia ‘Codex Seraphinianus’, criada pelo artista italiano Luigi Serafini e publicada originalmente em 1981. Através de ilustrações e de escrituras em uma espécie de alfabeto codificado, o artista distribui em 360 páginas alguns insights que alimentam a imaginação de uma maneira pouco comum, colocando o público diante de uma certa artificialidade existencial compulsiva. Em 2009, durante uma conversa na Universidade de Oxford, Serafini revelou que, através de sua escrita, quis causar ao leitor a sensação que as crianças sentem diante de livros que não conseguem entender, apesar de verem que suas letras fazem sentido para adultos.

Durante as primeiras décadas após o lançamento da obra, Luigi Serafini manteve-se em silêncio sobre possíveis significados de sua escrita, o que colocou linguistas na missão de decifrá-lo por anos sem sucesso. Quando decidiu abrir o jogo, o autor confessou que não existe um significado oculto por trás daquilo que está escrito no Codex. Afirmou ainda que o processo de composição utilizado por ele foi bastante similar ao da escrita automática. A comunicóloga Laila Razzo escreveu um artigo dedicado ao Codex para a revista virtual Litera Tortura. “Dividido em 11 capítulos, Codex Seraphinianus detalha, em desenhos feitos à mão com lápis de (muitas) cor(es), as características de seres surreais, a natureza e os objetos (ou bugigangas) que os circundam.”

 

Tlön

Apesar dos inúmeros mistérios, ‘Codex Seraphinianus’ não é a primeira nem a única publicação que tenta causar tal sensação do compreensão involuntária. Um outro exemplo é o conto ‘Tlön, Uqbar, Orbis, Tertius’, do escritor argentino Jorge Luis Borges, publicado em 1940. “O conto relata a história de uma sociedade secreta, que escreve a enciclopédia de um mundo imaginário chamado Tlön. Quando essa enciclopédia sai do anonimato, o mundo imaginário de Tlön imiscui-se no mundo real, minando-o e pondo em perigo a sua suposta ordem anterior”, explica o linguista José Bertolo, colaborador da revista virtual Falso Movimento, especializada em estudos sobre escrita e cinema. O conto aborda questões como linguagem, epistemologia e criticismo literário.

 

Voynich

Outra obra bastante comentada data provavelmente do início do século XV. Nomeada como ‘Manuscrito de Voynich’, em referência ao bibliófilo russo Wilfrid Voynich, que apresentou o manuscrito ao mundo afirmando tê-lo adquirido em 1912. Esse documento também possui uma série de desenhos e letras (possivelmente oriundas de escrita automática ou alfabeto fictício), e intriga pesquisadores do mundo todo. Nos últimos 100 anos nenhum especialista foi capaz de decifrar os códigos. O manuscrito é considerado uma das maiores influências de Luigi Serafini na construção do ‘Codex Seraphinianus’. Existem várias hipóteses sobre a autoria do manuscrito. Algumas sugerem que seria o próprio Voynich o autor de tudo: manuscrito e história.

O manuscrito pode ser acessado na íntegra e gratuitamente através da página dedicada a ele, Wikipédia em língua inglesa. A interpretação do material pode ser dividida em temas: sobre ervas (112 páginas), sobre farmacêutica (34 páginas), sobre astronomia (21 páginas), sobre biologia (20 páginas), e receitas (22 páginas). Segundo pesquisadores, existe uma impressão geral de que os manuscritos tendem a servir como um tipo de farmacopeia –livreto com um conjunto de informações técnicas sobre substâncias medicinais. Também pode ser visto como uma tentativa de resgate de tópicos da medicina medieval e do início da idade moderna. Algumas das plantas ilustradas no documento são reais, e foram identificadas por estudiosos da área.

 

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