Cultura

SNI espionou, Euler Ivo e Ivan Ornellas sao presos

Redação DM

Publicado em 4 de abril de 2017 às 02:47 | Atualizado há 5 meses

  • Novo cálculo aponta que 250 mil pessoas e não 500 mil teriam participado de ato contra a ditadura civil e militar
  • Jornalista relata que, em 12 de abril de 1984, a Praça Cívica estava “coalhada” de bandeiras vermelhas do PT
  • Pesquisador afirma que Vilmar Rocha teve ascensão vertiginosa na Frente Liberal, que formulava transição à democracia
  • Tancredo Neves brilhava e discursou: “Nunca me dou conta se sou mineiro dentro de Goiás ou se sou goiano dentro de Minas”

 

– 250 mil participantes !

 

Esse seria o novo cálculo de pessoas que compareceram ao comício nacional por eleições diretas à presidência da República, em abril de 1984. É o que relata o jornalista . O Serviço Nacional de Informações [SNI], criado pelo bruxo Golbery do Couto e Silva, que admitiu ter fabricado um ‘monstro’, espionou políticos de Goiás e do cenário nacional. Tempos sombrios da ditadura civil e militar no Brasil.

 

– Euler Ivo Vieira, vereador em Goiânia e velho comunista com origem na Ação Popular, além do deputado estadual Ivan Ornellas, teriam sido presos.

 

Nem Henrique Santillo escapou da vigilância e punição dos órgãos de informação e repressão dos fardados e civis que haviam deposto o nacional-estatista em sua versão trabalhista João Belchior Marques Goulart, em primeiro de abril de 1964 e instalaram uma ditadura que durou 21 anos.  Iris Rezende Machado, cassado em 17 de outubro de 1969, eleito governador de Goiás, teria cutucado a onça com a vara da democracia, ironiza o pesquisador

 

– As bandeiras vermelhas do PT, com a estrela branca ao meio, invadiram a Praça Cívica, no dia em que Goiânia parou para exigir a volta da democracia.

 

Ministro da Justiça de Getúlio Vargas, um dos primeiros a chegar aos aposentos presidenciais do Palácio do Catete, às 8h30, do dia trágico de 24 de agosto de 1954, data do suicídio do Pai dos Pobres, Tancredo Neves fez um discurso antológico no palanque lotado que ameaçava desabar: “Nunca me dou conta se sou mineiro dentro de Goiás ou se sou goiano dentro de Minas”. Vilmar Rocha obteve protagonismo nacional na Frente Liberal, aponta.

 

Leia a íntegra da entrevista

Diário da Manhã – Qual a principal revelação sobre o comício das Diretas já, em Goiânia, em abril de 1984?

Iuri Godinho – Goiânia, ao contrário do que se pensava, não foi a primeira cidade a realizar manifestação pela volta das eleições livres. Busquei documentos que mostram como o Serviço de Informação da ditadura espionou os políticos goianos no período e fala das polêmicas prisões do então vereador Euler Ivo e do deputado estadual Ivan Ornelas, além das invasões da Câmara e Assembleia durante o Estado de Emergência. Conto também como o então senador Henrique Santillo foi barrado em uma viagem para Brasília e pediu para ser preso.

DM – Iris Rezende sofreu ameaças da ditadura civil e militar ainda vigente no país à época?

Iuri Godinho – Iris Rezende sabia que o regime estava nos últimos suspiros, mas que ainda tinha o poder das armas e as instituições do governo federal, militar, funcionavam. Ele nunca deixou de exigir democracia, eleições diretas. Fazia isso com prudência, tomando cuidado para não cutucar o regime com a vara da democracia.

DM – Tancredo Neves, um dos oradores, teria recebido ameaça de morte?

Iuri Godinho – Esse é um equívoco comum. Não foi durante o comício das Diretas que Tancredo foi ameaçado, mas em um outro, logo em seguida, quando já era candidato a presidente da República pelo Colégio Eleitoral.

DM – Com os instrumentos de hoje é possível quantificar o número de pessoas presentes ao ato político em Goiás?

Iuri Godinho – Fiz uma análise minuciosa dessa questão. Tão logo terminou o comício os números finais daquela aglomeração de gente começaram a aparecer. Duzentos e cinquenta mil, 300 mil, meio milhão. Escolha um número aproximado que é possível encontrá-lo em qualquer pesquisa rasa no Google. Dados mais confiáveis, porém, levam a uma quantidade mais modesta e perto do real. O livro Goiânia Global, publicado em 1980 por Oscar Sabino Júnior, estima 817 mil pessoas na capital em 1980, o autor sempre se baseava em fontes fidedignas, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se levarmos em conta o crescimento populacional médio brasileiro de 1% ao ano, teríamos em 1984 cerca de 850 mil moradores. Estudo do Instituto de Planejamento Municipal (Iplan) garantia que na área em frente ao palanque caberiam 120 mil pessoas, e ela estava tomada. Também cheias estavam as avenidas Araguaia, Tocantins e Goiás pelo menos por três quarteirões. Cada um deles tem cerca de 100 metros de largura, seis metros de calçada, três de cada lado, e mais oito de pista. Na Goiás aumenta-se o canteiro central, com cinco metros. Somando as três avenidas por três quarteirões temos 11.400 metros quadrados. Como em cada metro quadrado cabem nove pessoas, nestes três locais estariam 102 mil. Chegamos a um resultado de 222 mil espectadores. É razoável supor que outras 27 mil estivessem na altura das ruas 1, 2, 3 e 10, sem conseguirem nem ver a Praça Cívica. Assim chegamos a um número redondo,e bastante citado na época, de 250 mil. De longe foi a maior concentração pública dos 50 anos de Goiânia, comemorados em 24 de outubro de 1983.

DM – Quais figuras nacionais participaram do evento?

Iuri Godinho – Gerson Camata, do Espírito Santo; Wilson Martins, Mato Grosso do Sul; Jáder Barbalho, Pará; José Richa, Paraná; Franco Montoro, São Paulo; Tancredo Neves, Minas Gerais. Mário Juruna e Ruth Escobar. Artistas como Ziraldo, Fafá de Belém, Cristiane Torloni, Carla Camuratti, Paulo José, Leci Brandão, Braguinha.

DM – Bandeiras vermelhas tremularam na Praça Cívica: de quem eram?

Iuri Godinho – Naquele 12 de abril de 1984 a Praça Cívica estava coalhada de bandeiras vermelhas do PT. Ficou patente a força de mobilização do Partido dos Trabalhadores, que não completara nem cinco anos de fundação. Com uma estrutura incomparável com relação ao PMDB, conseguiu se fazer notar para as câmeras de televisão. Mas o partido de Iris Rezende, claro, mostrava quem mandava ali e, além disso, trabalhara direitinho. Havia pelo menos 15 grandes faixas mandadas confeccionar pelo PMDB, nenhuma delas com menos de dois metros de largura por um de altura. A maior de todas instaladas próximas do início da Avenida Goiás, tão grande que só terminava no canteiro esquerdo da Praça Cívica. Devia ter uns 15 metros de largura com os dizeres ‘Vamos Nessa Goiás, Iris e Nion’

DM – Deputado estadual em 1984 e arquiteto da Frente Liberal em Goiás, Vilmar Rocha teve qual participação na eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, no processo?

Iuri Godinho – Vilmar Rocha era a ala moderada do PDS, o pessoal que dava para conversar. Já naquela época, deputado estadual em primeiro mandato, foi um dos escolhidos para votar na convenção nacional do PDS. Como a votação era apenas no Colégio Eleitoral, no Congresso, onde o partido tinha maioria, naquele momento tudo indicava que o escolhido na convenção seria o próximo presidente da República. Ele teve uma ascensão vertiginosa dentro do partido. Foi um dos nomes fortes na articulação nacional da Frente Liberal, que formulava uma transição para a democracia pela via da composição com parte do PMDB e fez a leitura certeira do momento político: havia uma enorme chance da emenda de Dante de Oliveira não ser aprovada no Congresso Nacional. Apostou nesse cenário e traçou com o grupo da Frente Liberal novos rumos para o futuro: se as Diretas passassem e Ulysses Guimarães fosse o candidato, não haveria composição. Mas se a emenda fosse derrotada, seu grupo já estava conversando com o senador Tancredo Neves para que, em havendo eleição no Colégio Eleitoral, faria-se uma aliança com parte do PMDB para consolidar a transição democrática. Como se viu depois, a estratégia foi 100% acertada.

DM – Fotografias inéditas compõem o livro?

Iuri Godinho – Resgatei fotos históricas do evento, nunca antes publicadas, que estavam com o fotógrafo Kim-Ir-Sem. Também pesquisei jornais da época e consegui reunir uma farta documentação iconográfica.

DM – Quais personagens deram depoimento para o livro?

Iuri Godinho – Queria os bastidores políticos e a impressão da população. Recebi pelo Facebook e no inbox mais de 50 mensagens de gente que tinha uma história bacana e emocionante para contar. Tenho depoimentos de Afonso Lopes, Carla Monteiro, Edilberto de Castro Dias, Fleurymar de Souza, Geraldo Coelho Vaz, João Unes, Luiz de Aquino Alves Neto, Marco Antônio da Silva Lemos, Rogério Bernardes, Renato Monteiro, Rogério Lucas, Ubirajara Galli e até do ex-presidente do Vila Nova Wilson Balzacchi Brito.

DM – É possível dizer que foi a maior mobilização de pessoas em um ato político na história de Goiás?

Iuri Godinho – Sem sombra de dúvidas foi. Era como se de cada três moradores de Goiânia, um tivesse ido à Praça Cívica naquele 12 de abril de 1984.

DM – Qual orador no comício eletrizou o público?

Iuri Godinho – De todos os governadores, Tancredo Neves brilhava com mais fulgor. Foi nesse comício que ele pronunciou a frase que se tornaria antológica e ainda é citada, 33 anos depois, por entrevistados do livro: “Nunca me dou conta se sou mineiro dentro de Goiás ou se sou goiano dentro de Minas ”

DM – Como surgiu a ideia de contar a história do comício de abril de 1984?

Iuri Godinho – Estava eu de férias olhando o mar do Ceará quando uma voz ordenou: “escreva um livro sobre as Diretas em Goiânia”. Na hora a ideia pareceu maluca. Por que Diretas? O que esse momento histórico teve que os outros não tiveram? Ele foi assim tão importante? Quando voltei a Goiânia aquela voz ainda martelava. Resolvi olhar sem compromisso os arquivos do maior jornal do Estado até os anos 80, a Folha de Goiaz, e encontrei um universo oculto. A efervescência da volta da redemocratização estava ali para ser contada. A luta de novos players que chegavam no cenário político, a renovação de antigos quadros e um momento de mudança onde nada mais seria o que era e nem seria o que se transformaria depois. O Brasil borbulhava, Goiás explodia de renovação em uma administração estadual que o povo tinha escolhido. No meio disso tudo, um regime político moribundo e um novo mundo nascendo.

 



“Henrique Santillo foi barrado em uma viagem para Brasília e pediu para ser preso”

“Vilmar Rocha era a ala moderada do PDS”

“Resgatei fotos históricas do evento, nunca antes publicadas, que estavam com o fotógrafo Kim-Ir-Sem”

 

 

 

SERVIÇO

1-2

Lançamento do Livro: Diretas Já em Goiânia

Autor: Iuri Rincon Godinho

Data: hoje, 4 de abril de 2017

Horário: 20 horas

Local: Hyundai Caoa [Avenida Mutirão com T-7]

Preço: R$ 45


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