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Entrevista

“Sou devota das palavras”, admite cantora e compositora Letrux

Com exclusividade, cantora, compositora, atriz e poeta Letícia Novaes se apresenta neste sábado, 13, no festival Goiânia Noise

Letrux, cantora e compositora, fala sobre experiência psicanalítica em levar o divã para a música- Foto: Julia Rodrigues/ Divulgação Letrux, cantora e compositora, fala sobre experiência psicanalítica em levar o divã para a música- Foto: Julia Rodrigues/ Divulgação

Há sete anos, a cantora Letrux, 42, se esmera em vocalizar a noite de climão. Escandaliza. Por vezes, incendeia. Ou inflama. Fala pras pessoas que se apaixonaram. Delicadamente emotivo, o eu-lírico lembra que já teve até conta bancária conjunta com o ex. Isso quando não rememora aquele estrago feito por eles nalguma cama qualquer. Deda, molha, pernas abertas, pernas fechadas. Letícia Novaes acha que o amor é uma “célula revolucionária”.

Após incendiar os palcos brasileiros, em 2017, com “Letrux em Noite de Climão”, a artista deu um passo além no disco “Aos Prantos”, lançado em 2020. O sexo está à flor da pele na faixa “Fora da Foda”, numa profusão de imagens arrepiantes – como “cê tá de fora da foda/ tesão por tabela/ ah o que é com ela/ não sou da galera e nem quero ser”. Dança-se ainda ao som do blues de tempero carioca “Sente o Drama”, gravado em dueto com Liniker.

Três anos depois, Letrux resolveu canalizar instintos animalescos no disco “Letrux como Mulher Girafa”. Pode-se dizer que há nele uma espécie de deboche sobre o mundo animal, inclui-se aí os humanos, em faixas nomeadas de “As Feras, Essas Queridas”, “Louva Deusa”, “Intervalo da Pantera Megera”, “Formiga”, “Zebra” e por aí vai. Mas – com uma rápida consulta à discografia da artista – nota-se um requinte textual, do tipo que a levou, ainda no duo Letuce, a batizar canções como “Ballet da Centopeia”.

Antes dessa dupla formada nos anos 2010 por ela e o então namorado Lucas Vasconcellos, houve um CD com a primeira banda de rock da artista. O rock, aliás, se faz presente na vida de Letrux. Fã da cantora estadunidense Patti Smith, enlouqueceu ouvindo Nirvana e Janis Joplin, até que conheceu a música politizada do grupo Rage Against The Machine, pela MTV. Em 2019, dividiu os vocais com Rodrigo Suricato, no disco “Viva”, o primeiro do Barão Vermelho sem Frejat.

Na entrevista que se segue, Letrux conta da experiência psicanalítica em levar o divã para a música, o que fez no clipe de “Louva Deusa” – as atrizes Alice Carvalho e Andréia Horta participam do trabalho. Carioca da gema, com 1,85 metro e amante das palavras (topou conversar com Diário da Manhã por email), a cantora, compositora, poeta e atriz fala ainda sobre amor e discografia, literatura e artes cênicas, política e descobertas artísticas recentes. Leia a íntegra:

Diário da Manhã - No clipe de “Louva Deusa”, canção lançada do álbum “Letrux Como Mulher Girafa”, observa-se que você põe o amor no divã. Como foi levar a psicanálise à música?

Letrux - Levo tudo da minha vida pra música e a psicanálise faz parte da minha vida, então foi natural colocar um divã ali. Algumas letras ou poesias já nasceram depois de alguns insights que tive depois da análise. Essa letra de "Louva Deusa" é super simples, bem direta, mas por trás dela têm muitos desdobramentos e complexidades, então tive essa ideia de um clipe no divã, e Pedro França e eu fizemos o roteiro e ficou muito lindo o clipe, intenso e chic, e com a participação fenomenal da Alice Carvalho.

DM - Fiquei curioso: é disciplinada para compor? Conte como nasce uma música sua.

Letrux - Sou e não sou. Passo meses apenas vivendo, absorvendo, observando. Anotando uma ou outra coisa que pinta, mas sem organizar nada. Caos puro. Depois me bate um senso mais cósmico do que caótico e aí é a hora de organizar. Junto meus escritos, minhas melodias. Mas não dou mole pro acaso, sei que a vida não é apenas inspiração. E sim a famosa "transpiração". Posso pegar um caderno de 2015 e ler uma frase que acende uma vontade de criar uma melodia, aí pego o violão ou piano (não sou instrumentista) e vou brincando. Posso fechar a ideia da canção depois de ver um filme, ler um livro ou apenas ouvir um homem na rua gritar uma frase absurda. Sou bem afetada por tudo. Crio meu mundinho, mas a anteninha é ligada e presto atenção em tudo.

DM - A canção pode ser entendida como uma paixão não correspondida, embora o ato sexual em si seja prazeroso. O que o amor tem de tão fascinante que continua te inspirando a compor?

Letrux - A constância e a transformação do amor. É tão estranho que me fascina. Há milênios estamos amando e falando sobre amor, escrevendo sobre o amor. No entanto, muuuuitas transformações ocorreram nesses milênios e isso me intriga muito. A sensação é parecida com a de Shakespeare, mas há novas dinâmicas, novas formações. Isso é maravilhoso.

DM - Você está com disco novo, mas continua demonstrando sensibilidade às questões sentimentais. O que mudou da Letícia de 2019, de “Letrux em Noite de Pistinha”, pra cá?

Letrux - “O Climão” foi lançado em 17, “Aos Prantos” em 20 e “Mulher Girafa” em 23. E antes disso lancei três discos como Letuce. E antes ainda lancei um cd com minha primeira banda de rock. Sempre fui sentimental, emotiva, e felizmente achei na música um lugar para poder extravasar isso. Mudei, mas continuo a mesma. Acho que a gente é a mesma pessoa do que quando tínhamos cinco anos de idade. Acrescente aí pentelhos e traumas, apenas. Mas de resto, somos quem sempre fomos. Ao longo da vida, vamos nos libertando de máscaras e medos e vamos nos tornando quem a gente quer ser, e isso é libertador e maravilhoso. Mudo porque sou um ser vivo e me relaciono com pessoas que me dão feedbacks das minhas atitudes, cabe a mim querer tentar mudar, tentar melhorar. Mas continuo curiosa, emotiva, palhaça. E isso eu também era aos cinco anos.

Sou devota das palavras. Admiro muito o silêncio e preciso dele, sem dúvida, mas ao mesmo tempo sou fascinada por linguagens, línguas, traduções, expressões, gírias Letrux, cantora e compositora

DM - A partir de 2017, com o “Letrux em Noite de Climão”, você incendiou os palcos de dezenas de cidades brasileiras, inclusive os daqui de Goiânia. Como será, então, o show no Noise?

Letrux - Estamos bem animades pra voltar pra Goiânia. O show aí foi bem quente e astral. Tocar agora num festival importante como o Noise vai ser um reencontro bonito e especial. Vamos tocar músicas dos nossos três discos. Queremos matar essa saudade!

DM - Seus shows evidenciam uma forte ligação com a poesia, com a arte literária. Quando o prazer pela leitura aconteceu na sua vida? Por que as palavras te fascinam tanto?

Letrux - Minha mãe é professora e isso fez toda diferença na minha vida. Ela me estimulou muito a ler e escrever e sou muito grata porque isso foi muito importante na minha criação e até hoje é. Sou devota das palavras. Admiro muito o silêncio e preciso dele, sem dúvida, mas ao mesmo tempo sou fascinada por linguagens, línguas, traduções, expressões, gírias. Pra quem gosta de escrever, ser observadora das palavras e como elas se mexem e vivem e se transformam, é muito especial.

DM - Li numa entrevista que você é uma leitora contumaz, fã da escritora Clarice Lispector e da cantora Patti Smith. O que apareceu primeiro na tua vida: literatura ou rock?

Letrux - Ah, a literatura veio antes porque fui alfabetizada aos 6 e aí já era. Minha mãe me deu um diário e isso mudou tudo. Comecei a praticar a escrita ali já. O rock chegou com a MTV e foi uma pancada fenomenal, que agradeço muito. Nirvana e Janis Joplin, todo esse pacote veio depois. Antes, eu ouvia músicas que meus pais gostam, e que eu amo até hoje, Chico, Bethânia, blues e pagode. Essa era minha casa. Mas rock não rolava tanto. Beatles talvez. Mas aí com a MTV descobri Rage Against The Machine e outras pedradas e foi DEMAIS!

A história do mundo é horrorosa. A história do Brasil é das mais tristes. A gente se agarra nas pequenas esperanças e fés, mas ainda falta muito pra termos uma democracia de verdade Letrux, cantora e compositora

DM - Assisti a um show seu no Porão do Rock, em Brasília, no ano de 2018. Observei que se utilizava muito da expressividade corporal. Como foi a construção dessa artista cênica?

Letrux - Estudei teatro. Tentei faculdade de Letras, mas não rolou. Eu já estava com uma chama interna que precisava de palco e lá fui eu estudar teatro e foi no teatro que entendi que talvez eu fosse trabalhar com música. É engraçado mas pra mim fez muito sentido. A gente tinha aula de voz, de corpo, aprendi muita coisa. Por exemplo, eu sou super estabanada na vida, é uma loucura. Cada semana, um roxo. Mas eu nunca me machuquei num palco, de tanta noção que aquele espaço me provoca. Isso veio da minha educação teatral. Amo rock mas sou disciplinada. Algumas vezes me dou abertura pra ficar mais altinha mas me comporto tipo atleta (até porque cantar e fazer shows é quase atletismo mesmo, muita dedicação corporal, física). Eu me protejo muito porque não quero ficar rouca, nem doente, nada. Quero fazer shows pras pessoas que querem ver meus shows. E pra isso preciso estar bem. Então me cuido.

DM - Sendo uma artista de latente sensibilidade, como tem sido acompanhar os desdobramentos do 8 de Janeiro, evento político que quase destruiu a jovem democracia brasileira?

Letrux - A história do mundo é horrorosa. A história do Brasil é das mais tristes. A gente se agarra nas pequenas esperanças e fés, mas ainda falta muito pra termos uma democracia de verdade. A milícia comanda o país desde sempre. Quando eu era criança, previa muitos avanços e agora tenho 42 anos, as notícias se repetem e ainda estamos longe de algumas mudanças importantes. Esse ano faz 60 anos do golpe militar no Brasil e é preciso que a juventude saiba da nossa história para que ela nunca se repita.

DM - Por que o amor sempre é capaz de resistir, mesmo que vivamos diante do horror?

Letrux - Porque o amor é uma célula revolucionária. Acho que essa frase é daquele filme Edukators. Medicina, filosofia, ciência, algumas pessoas especialistas tentam explicar, mas ninguém consegue. Amor é algo meio milagroso mesmo. Muita gente não acredita, mas que acontece, acontece. Então resisto por essa tentativa de milagre amoroso. Sinto.

DM - Quais livros e músicas descobriu recentemente?

Letrux - Descobri duas cantoras recentemente e gostei muito: uma alemã chamada Ami Warning e uma suíça Sophie Hunger. Recomendo. E terminei agora de ler “Funk Delas - A História Contada Pelas Mulheres", da Michele Miranda. Sou carioca e claro que o funk fez parte da minha criação, e Michele conta sobre as mulheres no funk, livro muito importante e gostoso de ler. Recomendo também.

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