“Sou um escritor realista porque na América Latina tudo é possível, tudo é real”
Redação DM
Publicado em 19 de abril de 2016 às 03:18 | Atualizado há 8 meses
Dentre os grandes nomes que representam a literatura latino-americana do século XXI, não há dúvidas de que o do colombiano Gabriel García Márquez aparece em destaque devio à sua popularidade mundial. O escritor morreu em 17 de abril de 2014, deixando obras atemporais como os romances ‘Cem anos de solidão’ (1967) e ‘O amor nos tempos do cólera’ (1985). Considerado um dos maiores gênios do realismo fantástico, recebeu em 1982 o Nobel da Literatura, “pelos seus romances e contos em que o fantástico e o real se combinam num mundo densamente composto pela imaginação, refletindo a vida e os conflitos de um continente”.
O Nobel da Literatura é um dos mais prestigiados prêmios que um autor pode receber pelo conjunto de sua obra, e foi oferecido a outros grandes escritores como José Saramago, Pablo Neruda e Gabriela Mistral. García Márquez é lembrado com carinho por leitores de várias idades e nacionalidades. É um dos escritores mais traduzidos do mundo: já vendeu mais de 40 milhões de livros em 36 idiomas. Também já atuou no jornalismo (sendo considerado um dos nomes essenciais do chamado ‘jornalismo literário’), como ativista e como político. Passou a ganhar notoriedade na Europa nas décadas de 1960 e 70, tendo em vista as importantes reflexões que apresentou sobre os rumos políticos e sociais da América Latina.
Boom latino americano
Através do artigo ‘O jornalismo mágico de Gabriel García Márquez’, de Heloiza Herscavitz, podemos observar melhor o contexto que revelou García Márquez, e que colocou a América Latina no centro das atenções da literatura mundial. A autora explica: “Garcia Marquez pertence a uma geração de escritores latino-americanos surgida na década de 1960, junto com Mario Vargas Llosa, Julio Cortazar, Carlos Fuentes, Augusto Roa Bastos, Guillermo Cabrera Infante, Alejo Carpentier e José Donoso. Estes escritores transformaram os anos 60 na década do boom latino-americano”. Heloiza ainda destaca o papel fundamental do romance ‘Cem anos de solidão’ para o chamado “boom”, que movimentou o mercado.
A autora fala ainda das particularidades da escrita latino americana da época, que tomava as vivências humanas como base para suas histórias. “É difícil traçar um perfil daquela geração de escritores. Eles não faziam parte de uma escola literária específica, mas compartilhavam uma preocupação com a linguagem e a forma bem como uma ênfase em elementos universais da experiência humana”. O papel social da literatura como força motriz de sua produção criativa também foi citado por Heloiza, que também nomeia as correntes de influência dos autores da época: “Grande parte desse grupo tinha formação intelectual influenciada pela avant-garde européia, a novela francesa e o modernismo norte-americano”.
Realismo fantástico
Em seu artigo, Heloiza busca justificativas para a tendência fantástica que aqueceu o interesse dos latino americanos pela literatura. Ela analisa, apresentando algumas pesquisas, que “a realidade latino-americana não se enquadra no modelo europeu baseado no capitalismo racional, no desenvolvimento progressivo e linear”, e que “os escritores latino-americanos viam-se diante de uma realidade extraordinária e singular”. A coerência da nova forma de escrever sintetizada por autores da América do Sul, para Heloiza, mora nas extremidades enfrentadas pelas pessoas no dia a dia: “quem conhece a vida na América Latina sabe que o cotidiano surpreende mais do que a ficção”.
Palavras do próprio Gabriel García Márquez arrematam este pensamento: “É difícil ver borboletas amarelas voando em torno de uma pessoa ou uma linha de sangue percorrendo o caminho da mãe da vítima”. O autor propunha soluções fantásticas para ambientar e interessar o leitor, para que este passasse a enxergar o paralelo entre os livros e a realidade. “Temos que trabalhar a linguagem e a técnica literária para incorporar a realidade fantástica latino-americana em nossos livros”, dizia. “Os escritores latino-americanos precisam escrever sobre essa realidade ao invés de buscar explicações racionais que não representam essa realidade”, conclui.