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Tambores do Orum levam insurreição abolicionista às ruas no pré-Carnaval

Desfile será realizado em Goiânia ao som de instrumentos que remetem à ancestralidade preta. Diário da Manhã destrincha o que foi Revolta dos Malês

Foliões fazem ajustes finais na quadra do Itatiaia, na região Norte de Goiânia: ancestralidade - Foto: Mayara Varalho/ Divulgação Foliões fazem ajustes finais na quadra do Itatiaia, na região Norte de Goiânia: ancestralidade - Foto: Mayara Varalho/ Divulgação

Com enredo celebrando a luta abolicionista e enaltecendo a insurreição afro contra os abusos seculares da branquitude, os Tambores do Orum colocarão o bloco nas ruas goianienses em fevereiro. Hora e dia já estão marcados: sábado, 15, às 16h, na rua MB-2, Morada do Bosque.

Aviso importante: em caso de mau tempo, de acordo com comunicado à imprensa, os organizadores dizem que a folia migrará para a quadra de esportes do Itatiaia. Os Tambores de Orum se dirigem no domingo, 16, mesmo horário, para a antiga Estação Ferroviária.

O cortejo será realizado ao som de instrumentos que remetem à ancestralidade preta. Quatro naipes tocarão alfaia. Atabaque, agogô e xequerê farão a música andar, sob a regência de Noel Carvalho e Weiller Jahmaika. A dramaturgia traz a dança dos orixás e voduns.

Pelo segundo ano consecutivo, os Tambores do Orum são realizados pelo Aiyê Quilombo Cultural. Dessa vez, os foliões levam às ruas da capital goiana enredo que escarafuncha a Revolta dos Malês, levante histórico ocorrido em Salvador, em 1835, durante o Império.


		Tambores do Orum levam insurreição abolicionista às ruas no pré-Carnaval
Enredo retrata insurreição que passou à história como Revolta dos Malês. Foto: Mayara Varalho/ Divulgação


Daí, portanto, haver nisso uma considerável relevância histórico-artística. Trata-se, pois, de momento significativo na luta contra a escravidão chancelada em território brasileiro até 1888. Aos escravizados, segundo o historiador José Murilo de Carvalho em seu livro “Cidadania no Brasil: o Longo Caminho”, eram negados direitos civis básicos à integridade física.

Eram esmurrados, espancados. Quem os escravizava lhes impedia de ter liberdade e, em casos extremos, negava-lhes a própria vida. A Constituição de 1824 os considerava propriedade, igualando-os a animais. Liberalismo, iluminismo, não existia a essas pessoas.

Aqueles que tinham recursos econômicos eram escravocratas. Funcionários públicos eram escravocratas. Profissionais liberais eram escravocratas. Padres escravizavam, possuíam sexualmente essas mulheres sem direitos que trabalhavam em suas propriedades. Os filhos desses padres ocupavam posições importantes na engrenagem política do Império.

Embora abortada devido a denúncias, diz Murilo de Carvalho, a Revolta dos Malês foi “duramente reprimida”. “Calcula-se em 40 o número de escravos libertos e mortos na luta, aos quais se devem acrescentar cinco que foram executados por sentença condenatória”, afirma o historiador, sobre a luta que “reclamava claramente o direito civil da liberdade”.

O movimento foi cuidadosamente planejado, com os revoltosos estabelecendo alianças e estratégias necessárias para a insurreição” Marcelo Marques, diretor-geral

Diretor-geral do Orum Aiyê, Marcelo Marques destaca que os malês eram pessoas que carregavam uma rica herança cultural. “O movimento foi cuidadosamente planejado, com os revoltosos estabelecendo alianças e estratégias necessárias para a insurreição”, historiografa.

Os malês, em sua maioria, se compunham de homens e mulheres alfabetizados em árabe e português. Valiam-se da fluência naquela língua para organizar o levante diante dos olhos da branquitude. Marques acredita que a revolta foi impulsionada não apenas pelo legítimo desejo de liberdade, mas também porque queriam manifestar suas crenças religiosas e tradições.

Desse modo, analisa o artista, "os revoltosos estabeleceram alianças e estratégias para a insurreição”. No dia 24 de janeiro de 1835, eles se viram forçados a antecipar a luta: atacaram pontos estratégicos, ocuparam as ruas de Salvador, 600 heróis africanos batalhando contra uma sociedade racista, opressora, na qual a dignidade humana lhes era negada.

“Em 2025, 190 anos depois, os Tambores do Orum vão às ruas de Goiânia para celebrar nossa inteligência, nossas sabedorias e capacidades de luta organizada”, observa a produtora Raquel Rocha, à frente do primeiro bloco carnavalesco totalmente negro do Carnaval goianiense.


		Tambores do Orum levam insurreição abolicionista às ruas no pré-Carnaval
Bloco goiano se inspira na história do Ilê Aiyê, surgido na Bahia durante a década de 1970. Foto: Mayara Varalho/ Divulgação


Inspiração

Nascido no ano passado, a iniciativa se guiou pelo Ilê Aiyê, surgido no bairro Liberdade, periferia de Salvador, pelas ideias de Apolônio de Jesus e Antônio Carlos dos Santos. Ambos procuraram inspirações nas lutas antirracistas ocorridas tanto na África quanto nos Estados Unidos. Sentiam na pele o racismo à brasileira, a democracia racial, essa falácia sociológica.

Sintonizados com o espírito de 1974, ano em que o Aiyê nascera, Jesus e Santos sacavam Jackson Five e James Brown, mas também gostavam dos Panteras Negras e seu orgulho negro. Acompanhavam os processos revolucionários africanos. Guiné-Bissau, Moçambique e Angola se libertaram, por meio da luta armada, daquele infame colonialismo português.


		Tambores do Orum levam insurreição abolicionista às ruas no pré-Carnaval
Foliões perceberam que Carnaval goianiense era "hegemonicamente branco". Foto: Mayara Varalho/ Divulgação


Nomes da blacktude baiana — para usar um termo do poeta Waly Salomão —, como o dançarino Jorge Watusi e integrantes do grupo Black Bahia, entraram na nova onda. Mesmo que influenciado pela soul music, segundo o historiador Maurício Barros de Castro, “foi por meio da refricanização do Carnaval baiano que eles impuseram uma marca própria”.

O incômodo dos fundadores do Ilê é compartilhado pela turma que fundou os Tambores do Orum, no ano passado. Marcelo Marques, o diretor do bloco goianiense, percebeu que o Carnaval era composto em boa parte por pessoas brancas. “Vemos nas ruas de Goiânia blocos hegemonicamente brancos e, com exceção de alguns afoxés, sem nenhuma conexão com a cultura afro”, reitera Marques. Agora, todavia, a história é outra.

BLOCO TAMBORES DO ORUM

15/2, saída às 17h

Residencial Morada do Bosque

16/2, saída às 17h

Antiga Estação Ferroviária

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