Antonio Candido gostava dos contos escritos pelo goiano José J. Veiga, aos quais não poupava elogios, definindo-os como “marcados por uma espécie de tranquilidade catastrófica”. Candido sabia que a crítica literária publicada na imprensa poderia ser civilizadora, ao abordar tanto autores conhecidos, como Jorge Amado, Graciliano Ramos ou José Lins do Rego, quanto estreantes, a exemplo do que se lê dele sobre Clarice Lispector e J. Veiga - seus textos deveriam ser referências obrigatórias ao jornalismo cultural brasileiro.
Como parece que estamos cada vez mais longe disso, é bom dizer, há de se aplaudir os ensinamentos do ensaísta, tão apegado à forma com que fazia as palavras passarem à página em branco quanto era ao entender a crítica pela perspectiva da apreciação. “Apreciar é discernir; discernir é ter gosto; ter gosto é ser dotado de intuição literária”, dizia. Não poderia ser mais ilustrativo, pois trata-se de um intelectual que, brilhante na essência, escreveu a peça-chave para os estudos literários e transformou o campo a que pertence.
Sistema literário
“Formação da Literatura Brasileira” dispensa maiores apresentações deste escriba. Publicado pela primeira vez em 1959, a obra se propõe a analisar dois períodos centrais da literatura brasileira - arcadismo e romantismo -, que são considerados, para Candido, fundamentais na formação daquilo que é definido por ele como “sistema literário”. Ou seja, formar-se-á uma ideia de literatura brasileira quando se estrutura um organismo constituído por autores, leitores e críticos. Machado de Assis, por exemplo, seria um nome indispensável.
Quando entra em cena “esse mestre admirável” e que “se embebeu meticulosamente da obra dos predecessores”, Candido aponta que estabelece-se “o vértice secreto de ‘Formação’ (....) na medida em que o escritor fluminense consuma, superando-o, o esforço de seus predecessores ‘em seu desenho de ter uma literatura’ e dar forma à sua experiência humana, histórica e social”. Machado se dedicou, como até as pedras já tomaram conhecimento, a “assimilar, aprofundar, fecundar o legado positivo das experiências anteriores”.
“Poucos críticos, antes e depois dele, chegaram a alcançar intimidade comparável com os autores árcades e românticos, discutidos à luz do melhor aparato filológico e crítico disponível em meados do século 20, mas sempre e antes de tudo lidos em primeira mão”, afirma o professor Samuel Titan Jr., doutor em letras e docente de teoria literária e literatura comparada na USP desde 2005. Ele foi convidado pela Todavia - que relançará neste ano 17 livros de Antonio Candido - a escrever ensaio sobre “Formação da Literatura Brasileira”.
São textos inéditos sobre cada uma das obras publicadas, até o mês passado tinham sido cinco, sendo “Formação da Literatura Brasileira”, “Os Parceiros do Rio Bonito”, "Literatura e Sociedade”, “O Discurso e a Cidade” e “Iniciação à Literatura Brasileira”. As análises têm assinatura de intelectuais mais jovens, em boa medida formados por professores que foram alunos de Antonio Candido, que se aprofundam no pensamento do crítico literário.
Sociólogo formado no Largo São Francisco, carioca nascido em 1918 e dono de valorosa contribuição ao pensamento social brasileiro, Candido construiu prosa refinada com a qual expressou seus anseios por justiça social. Era uma combinação que unia densidade teórica a qualidade estética. Tinha gosto pelo ensaio e, a um só tempo, defendia o legado modernista por meio de um texto refinado, vibrante, gostoso e cristalino, o que lhe aproximava, em termos de grandeza intelectual, a Caio Prado Jr, Celso Furtado e Sérgio Buarque de Holanda.
Autores estrangeiros
Candido também produziu ensaios importantes sobre escritores estrangeiros, sobretudo a respeito daqueles de tradição literária francesa e italiana. Professor apaixonado pelo ofício, decidiu-se a preparar material que pudesse ser trabalhado em sala de aula, confirmando o amor que tinha à docência, o que lhe valeu notável importância para a formação de gerações e gerações de críticos. E, como poucos, pôs seu saber enciclopédico a serviço do Brasil.
Além “Formação da Literatura Brasileira”, “Os Parceiros do Rio Bonito”, "Literatura e Sociedade”, “O Discurso e a Cidade” e “Iniciação à Literatura Brasileira”, a Todavia vai lançar no segundo semestre, e em duas levas no ano que vem, os títulos: “Vários escritos”, “Um funcionário da monarquia”, “Teresina etc.”, “A Educação pela Noite”,“Brigada Ligeira”, “O Método Crítico de Silvio Romero”, “Ficção e Confissão”, “O Observador Literário”, “Tese e Antítese”, “Na Sala de Aula: Cadernos de Análise Literária”, “Recortes” e “O Albatroz e o Chinês”. A obra de Antonio Candido saia pela Ouro sobre Azul.